Saúde dos atingidos por barragens e crise climática é tema de debate na Cúpula dos Povos

Em seminário da Cúpula dos Povos, MAB alerta que o modelo de “energia verde” continua criando vítimas e debate estratégias coletivas de cuidado e vigilância popular da saúde

Seminário contou com a participação de atingidos e instituições parceiras. Foto: Nívea Magno / MAB

Enquanto governos e corporações discutem o futuro do planeta em fóruns e negociações na COP 30, uma pergunta crucial ecoa nos territórios de povos atingidos por barragens e pela crise climática: “Será que lá estão falando sobre nós?”. Foi a luta por saúde e por territórios seguros que uniu atingidos de diversos países em um seminário na manhã desta sexta-feira (14), em Belém, revelando um cenário global de violações e a urgência de respostas coletivas.

A parceria histórica do MAB com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), permite que – há oito anos – o olhar para a saúde dos atingidos por barragens e pela crise climática em todo o Brasil seja mais atento. Isso possibilita construir em cada território um diagnóstico de saúde da população atingida, buscando formas de incidir na construção de políticas públicas e de garantias de cuidado com a sua vida e realidade.

Durante o encontro, Leonardo Maggi, membro da coordenação nacional do MAB, abriu a mesa pontuando a urgência de se avançar na construção de políticas a favor dos atingidos e ressaltou que este é o momento propício para discutir esse tema:

“A nossa visão não é a que os donos do mundo estão discutindo lá no espaço deles. Lá – na COP – estão os governos e as empresas, programando uma série de ações que não são necessariamente a nosso favor. Será que lá estão falando sobre nós? Sobre os atingidos, sobre os nossos direitos, sobre a nossa saúde e sobre a reparação que estamos esperando?”, questionou.

Leonardo Maggi pontuou a importância de discutir a saúde dos atingidos na Cúpula dos Povos. Foto: Nívea Magno / MAB
Leonardo Maggi pontuou a importância de discutir a saúde dos atingidos na Cúpula dos Povos. Foto: Nívea Magno / MAB

Leonardo seguiu provocando a reflexão sobre a energia renovável – prometida pela COP – e alertou que ela seguirá criando novos atingidos em todo o mundo. “Eles querem aumentar em 15 vezes a quantidade de placas solares no mundo. Isso também vai produzir novos atingidos. Dessa forma como fazem as coisas, vão continuar violando nossos direitos e tirando a nossa terra. Eles fazem isso desde sempre, mas agora é justificado porque é ecológico”, pontuou ele.

“Se você tiver sorte, você sobrevive”

A realidade de boa parte do continente africano, infelizmente, não é muito diferente do que contou Geoffrey Kamese Nansove sobre a Uganda: “Os nossos equipamentos de saúde e as nossas estruturas são sempre muito ruins e muitas pessoas não conseguem o atendimento adequado que precisam”. 

Geoffrey denunciou os inúmeros e subnotificados casos de malária no país e no continente, e o altíssimo índice de transmissão de doenças sexualmente transmissíveis, especialmente o HIV. Para ele, são situações gravíssimas de total ausência de políticas públicas para o cuidado com a saúde da população. São “violações diárias contra os direitos e mesmo contra a dignidade das pessoas”, em uma comunidade onde as pessoas não são acompanhadas em suas necessidades. “Se você tiver uma doença, sobrevive se tiver sorte. Se tiver azar, morre”, declarou o ugandês.

Geoffrey Kamese Nansove falou sobre a realidade dos rios e das populações da Uganda. Foto: Nívea Magno / MAB
Geoffrey Kamese Nansove falou sobre a realidade dos rios e das populações da Uganda. Foto: Nívea Magno / MAB

Ele também falou sobre como as barragens afetam diretamente a saúde da população, lembrando que as pessoas morrem na construção ou sofrem acidentes graves, como mutilação. Além disso, também vivem as consequências da operação das barragens e pelo fluxo de pessoas desconhecidas, que trazem novas doenças, até então desconhecidas no seu território.

Esforço coletivo em prol da saúde dos atingidos

O Seminário apresentou algumas parcerias construídas para somar forças no cuidado da saúde da população atingida por barragens e por mudanças climáticas. Cleidiane Barreto, da coordenação do MAB na Bahia, explicou que um deles, em parceria com a Fiocruz, é específico para as mulheres, “porque estamos em um sistema que luta contra o capitalismo e o patriarcado, e vivemos uma opressão que pesa muito mais contras as mulheres”, disse ela.

Outra iniciativa importante é viabilizada também pela parceria com a Fiocruz em conjunto com o Ministério da Saúde, com o objetivo de traçar um diagnóstico participativo, com escutas ativas, para mapear os desafios locais de saúde pós-desastres em cinco territórios do Brasil: Cametá (PA), Canoas (RS), São Sebastião (SP), Jequié (BA) e Fortaleza (CE). 

A segunda etapa do projeto quer promover e apoiar ações de vigilância popular em saúde, preparando as populações de cada território para identificar, monitorar, comunicar e registrar quaisquer problemas de saúde nas comunidades, especialmente aqueles causados pela construção de barragens ou por eventos climáticos.

O vice-presidente da Fiocruz lembrou da relação histórica com o MAB e valorizou a parceria com o movimento. Foto: Nívea Magno / MAB
O vice-presidente da Fiocruz lembrou da relação histórica com o MAB e valorizou a parceria com o movimento. Foto: Nívea Magno / MAB

Durante o seminário, Guilherme Franco Netto, Coordenador de Saúde e Ambiente da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS), da Fiocruz, falou aos atingidos sobre a importância da relação da instituição com o MAB, pontuando que o movimento aproxima a Fiocruz das pessoas e garante sempre uma “escuta cuidadosa e atenta sobre os principais problemas dos atingidos”. Isso possibilita, segundo ele, que seja possível uma incidência mais eficaz em cada território, na parceria entre academia e movimento popular. “Os atingidos têm uma leitura singular do que é saúde e é fundamental que sejam escutados”, disse Franco Netto.

O vice-presidente da Fiocruz ainda alertou que o MAB tem um grande desafio à frente. e que precisa estar em organização permanente para enfrentá-lo:

“Sabemos que o Movimento dos Atingidos por Barragens vai aumentar muito, porque a tendência é que haja cada vez mais atingidos em todo o Brasil e no mundo, especialmente considerando as mudanças climáticas. Esse processo vai exigir sempre atenção e muita organização do MAB e de seus parceiros”, comentou Guilherme. 

O Ministério da Saúde também participou do seminário, com a presença de Cristiane Pereira dos Santos, Chefe da Assessoria de Participação Social e Diversidade. “Consideramos o MAB um grande parceiro nosso, que trabalha conosco na política pública viva da saúde, que vem do território, do convívio, do olho no olho; a saúde que vem do povo”, iniciou Cristiane.

Cristiane dos Santos falou sobre como os movimentos populares são importantes para guiar as ações do Ministério da Saúde. Foto: Nívea Magno / MAB
Cristiane dos Santos falou sobre como os movimentos populares são importantes para guiar as ações do Ministério da Saúde. Foto: Nívea Magno / MAB

Ela seguiu afirmando que o testemunho dos atingidos sobre a realidade da sua saúde é “mais vivo, pulsante e importante do que aquilo que sai da academia ou mesmo dos gabinetes do governo”. Para Cristiane, só é possível construir uma política eficaz se as populações forem ouvidas em seus territórios, e para isso, a parceria com o MAB é fundamental. “Queremos ampliar todos os projetos de vigilância popular em saúde, como estes do MAB”, declarou.

As atividades do MAB na Cúpula dos Povos seguem até a próxima sexta-feira (15). Na manhã do dia 16, atingidos do Brasil e do mundo participam da Marcha dos Povos pelo Clima.

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