Famílias atingidas pela UHE Sinop protestam por indenização justa, na semana do dia da Amazônia
Mobilização aconteceu após decisão judicial desfavorável para as famílias e em meio aos impactos gerados por danos na hidrelétrica de Colíder
Publicado 12/09/2025 - Actualizado 12/09/2025

Cerca de 100 famílias atingidas pela Usina Hidrelétrica de Sinop fizeram, nesta quinta-feira (4), um protesto em frente ao Ministério Público Federal (MPF) no município de Sinop, em Mato Grosso. O ato, realizado às vésperas do Dia da Amazônia, respondeu a uma decisão de 27 de agosto, assinada pelo juiz federal Ailton Schramm de Rocha, que foi desfavorável aos moradores do Projeto de Assentamento Wesley Manoel dos Santos, a Gleba Mercedes V. As famílias pedem que o caso seja revisto e cobram uma solução que garanta indenizações justas pelas terras inundadas para a formação do reservatório da usina, operada pela Sinop Energia, consórcio de propriedade da Eletrobras e da estatal francesa EDF .
Com cartazes com frases como “Atingidos pela UHE Sinop em luta por indenizações justas” e “Sinop Energia fatura bilhões em cima de terras roubadas das famílias atingidas”, os assentados foram até a sede do MPF para uma reunião virtual com o procurador da República Francisco Bastos e para reforçar o apoio das famílias à atuação do órgão. Na decisão, o juiz Ailton Schramm de Rocha afirmou que o MPF não poderia acompanhar o caso. Ele descreveu os moradores da Gleba como “advogados, corretores de imóveis, engenheiros, políticos, médicos, entre outras profissões, e de alto poder aquisitivo” e concluiu que, portanto, não deveriam ser atendidos por uma instituição pública como o MPF, pois teriam condições de pagar advogados particulares.
“Arrumaram um pretexto para derrubar a nossa Ação. Somos assentados da reforma agrária. O título da nossa terra foi dado pelo Incra. Há regras para ser assentado. Esse argumento de que somos médicos e advogados é mentira. Cadê os médicos da Gleba que poderiam até ajudar no nosso posto de saúde? Se conhecessem de verdade a nossa realidade, teriam decidido de outra forma”, relata, indignado, o atingido Armando Schlindwein.
A ação à qual Armando se refere é a Ação Civil Pública (ACP) proposta em 2018 pelo Ministério Público Federal, que denuncia irregularidades na definição das indenizações e foi julgada dia 27 de agosto. Enquanto a manifestação acontecia em frente ao MPF, um grupo de dez assentados e representante do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) entrou na sala de reuniões do órgão para falar com o procurador da República Francisco Bastos. Durante o encontro, ele explicou que a decisão desfavorável foi feita por um juiz substituto. O desembargador relator da ACP, Alexandre Vasconcelos, estava de licença médica e, nesse período, o juiz substituto assumiu o caso e deu a decisão.
Para o procurador da República Francisco Bastos, há boas chances de reverter a decisão. “O ponto da ACP que trata das indenizações não foi julgado. O magistrado se ateve a uma questão formal, entendendo que o MPF não teria legitimidade para atuar, ao alegar que os moradores da Gleba não seriam assentados”, afirmou. Ele reforçou que o MPF tem legitimidade, pois as famílias são assentadas da reforma agrária e esse acompanhamento também está previsto no licenciamento ambiental da UHE Sinop.
Vitória
Em 20 de março de 2024, a Justiça Federal em Sinop reconheceu que 214 famílias da Gleba Mercedes V foram prejudicadas nas negociações conduzidas pela empresa entre 2017 e 2018. A decisão determinou que a Companhia Energética Sinop (CES) pagasse indenização suplementar a cada família, com base nos valores periciais da época e com juros de 6% ao ano a partir do período seguinte às negociações. O juiz apontou vícios no processo de pagamento, abrindo caminho para corrigir distorções. A sentença foi recebida como um marco e reforçou a expectativa de reparação integral.
A Sinop Energia recorreu e, em segunda instância, obteve decisão favorável, revertendo o entendimento anterior e prejudicando mais de 200 famílias. “Fui atingido em 100%. Não sobrou um palmo de terra. Sofri muita pressão para aceitar o acordo. Foram mais de três advogados da usina. Era a terra que sustentava minha família e isso foi tirado de forma violenta, empurrado goela abaixo. Hoje tenho problemas de saúde mental. O crime dessa empresa é muito grande e muita gente fecha os olhos”, relatou Milton Candido, um dos atingidos pela barragem.
Histórico
Para entender o caso, é preciso voltar mais de sete anos. Perícias do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), do MPF e da Justiça Federal, entre 2017 e 2018, apontaram que os valores pagos às famílias pela CES, controlada pela estatal francesa Électricité de France (EDF), chegaram a ser até 300% inferiores ao que seria devido. Em 2017, a empresa pagou, em média, R$ 3.900 por hectare. O preço foi fixado pelo consórcio, e as famílias afirmam que não puderam realizar perícia independente nem apresentar contraproposta.
Na época, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) reuniu as denúncias e as encaminhou ao MPF, pedindo perícia do Incra sobre os valores de terra. O laudo do instituto, de agosto de 2017, apontou preço médio regional de R$ 12.258 por hectare. Em fevereiro de 2018, nova perícia confirmou que os montantes pagos estavam abaixo do real. Com essas provas, o MPF entrou na Justiça Federal com a ACP.
Desde o início da operação da usina, em 2019 mesmo com o impasse judicial sobre as indenizações, os problemas se acumularam. Entre 2019 e 2020, mais de 20 toneladas de peixes mortos foram registradas no rio Teles Pires. A qualidade da água virou preocupação de saúde pública, com aumento de casos de leishmaniose e malária em comunidades do entorno, impulsionado pela proliferação de mosquitos no lago da barragem.
Laudos técnicos também apontam que a UHE Sinop está entre as usinas da Amazônia com maiores emissões de gases de efeito estufa, superando inclusive empreendimentos a carvão, segundo estudo publicado em 2015 na revista Environmental Research Letters, assinado pelo engenheiro Felipe Faria. Um dos fatores seria a supressão insuficiente da vegetação antes do enchimento do reservatório, etapa que deveria reduzir a contaminação da água e a emissão de metano.
“Somos Titulados, Queremos Nossa Indenização Integral”
“Eu acho que a CES foi muito infantil com a gente. A empresa ia às nossas casas checar se tínhamos toda a documentação como assentados. E saímos no prejuízo. Meu marido é idoso e eu também; estamos sofrendo, mas o título está aqui na minha mão”, afirma dona Martha, uma das assentadas da Gleba. Como ela, os assentados exibiram seus títulos de terra para provar que são beneficiários da reforma agrária e não médicos e advogados, como sugere a decisão contestada.
Após a manifestação em frente ao MPF, os assentados encerraram o ato simbólico indo até a frente da Justiça federal.
Riscos nas barragens
O protesto às vésperas do Dia da Amazônia é simbólico. Os assentados denunciam que a UHE Sinop tomou suas terras e deixou um rastro de destruição ambiental em um dos rios mais importantes da bacia amazônica. Cartazes com os dizeres “As hidrelétricas destroem a Amazônia” apontaram para os graves impactos socioambientais do empreendimento.
Os efeitos da UHE Sinop se somam a um complexo de barragens que operam, desde 2019, de forma simultânea no mesmo rio. Hoje, o Teles Pires está entre os mais impactados por grandes usinas na Amazônia. Além da UHE Sinop, a UHE Colíder opera com licença concedida pela Sema-MT. As UHEs Teles Pires e São Manoel possuem licenças de operação emitidas pelo Ibama.
As quatro usinas, em conjunto, provocam alterações drásticas no nível das águas do Teles Pires e agravam violações socioambientais e de direitos na região. Desde 15 de agosto, o reservatório da UHE Colíder vem sendo rebaixado após falhas em drenos. O que começou como “controle” virou emergência. De lá para cá, aumentou a desinformação, multiplicaram-se peixes mortos, surgiram ilhas de lama e cresceram os prejuízos sociais, econômicos e ambientais.
O Teles Pires é um rio de corredeiras e cachoeiras, abriga rica biodiversidade e cruza o Mato Grosso até se juntar ao Juruena para formar o Tapajós, no Pará. Em menos de uma década, quatro hidrelétricas, Colíder, Teles Pires, São Manoel e Sinop, barraram seu curso e passaram a operar simultaneamente. O que era um rio livre vem sendo convertido em uma sequência de reservatórios.
“A luta do povo dá resultado e é por isso que seguimos cobrando. A UHE Sinop lucra bilhões às custas das terras das famílias da Gleba Mercedes e precisa assumir sua responsabilidade. Enquanto isso, o Teles Pires vive um cenário grave com o rebaixamento das águas do reservatório em Colíder e quatro barragens operando no mesmo rio, deixando pescadores, ribeirinhos e povos indígenas em alerta. Não dá para lucrar com a energia e deixar o prejuízo para quem mora na beira do rio. A vida do Teles Pires e das famílias vale mais do que qualquer balanço financeiro.”, reforça Jefferson Nascimento, da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens de Mato Grosso.
