Caravana denuncia violência contra comunidades tradicionais no Oeste da Bahia

Atividade realizada pelo MAB, em Correntina, reuniu lideranças, parlamentares, representantes do poder público e organizações sociais para ouvir denúncias de grilagem, criminalização e violações de direitos humanos em territórios de Fundo e Fecho de Pasto

MAB reúne comunidades tradicionais, lideranças políticas e organizações sociais para denunciar violações de direitos. Foto: Gabrielle Sodré / MAB
MAB reúne comunidades tradicionais, lideranças políticas e organizações sociais para denunciar violações de direitos. Foto: Gabrielle Sodré / MAB

Nos dias 29 e 30 de julho, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realizou, em Correntina (BA), a Caravana em Defesa das Populações de Fundo e Fecho de Pasto e Atingidas por Barragens no Oeste da Bahia. A ação foi organizada em parceria com a Frente Parlamentar Ambientalista e o Coletivo de Fundo e Fecho de Pasto da Bacia do Rio Corrente, com apoio da Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais (AATR).

A caravana teve como objetivo denunciar a escalada de violência na região, escutar diretamente os relatos das comunidades e pressionar o poder público por ações concretas de regularização fundiária, proteção das lideranças e garantia de permanência nos territórios. A atividade se insere em um contexto de graves violações de direitos humanos, impulsionadas pelo avanço do agronegócio, pela grilagem de terras e pela atuação de milícias privadas a serviço de latifundiários.

De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), Correntina é o município com maior número de conflitos fundiários na Bahia, com 132 registros entre 1985 e 2023. Um desses conflitos envolve a comunidade do Fecho de Pasto de Brejo Verde, onde o casal de militantes do MAB, Solange Moreira e Vanderlei Silva, foi preso de forma arbitrária em maio deste ano, após denúncias feitas por grileiros da região.

Escuta e articulação

A programação da caravana teve início com uma visita ao território coletivo do Fecho de Pasto de Brejo Verde, seguida por uma Assembleia Geral com representantes de diferentes comunidades, organizações da sociedade civil e órgãos do Estado. No segundo dia, houve reunião de encaminhamentos e devolutiva sobre a missão realizada anteriormente na região, que abordou processos de titulação de territórios tradicionais quilombolas e de Fundo e Fecho de Pasto nas bacias dos rios Corrente e Grande.

Participaram representantes da Secretaria Geral da Presidência da República, Ministério Público da Bahia (MPBA), Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), algumas lideranças políticas, como o deputado Estadual Marcelino Galo (PT), entre outros. “Nossa presença aqui é exatamente pra simbolizar e trazer o apoio da Presidência da República, através da Secretaria Geral, mas principalmente a solidariedade a todo esse momento que essa comunidade, que esse território, que esse povo tá passando e tá exercendo o seu direito legítimo e necessário de resistir”, comenta Paulo José de Oliveira, da Diretoria de Participação Social da Secretaria Geral da Presidência da República, durante a Assembleia.

Para Temoteo Gomes, da coordenação nacional do MAB na Bahia, a caravana teve um papel estratégico: “Essa luta em defesa do território tradicional, do Cerrado, dos rios, é uma luta que a gente tem que assumir como uma luta pela soberania das comunidades tradicionais (…). O que nós estamos fazendo, enfrentando pistoleiros e o agronegócio, é uma luta por essa soberania”.

Já Juscelino Brito, morador de Fecho de Pasto de Brejo Verde, destacou: “A comunidade depende do Cerrado para sobreviver […]. Eu nasci e me criei nesse território, eu não tenho para onde ir, se eu for ameaçado de sair daqui, eu tenho certeza que eu vou pra debaixo da ponte – ou o governo vai ter que dar um apoio pra gente”.

Outras lideranças também denunciaram a criminalização das comunidades e cobraram ações do Estado. “O governo já passou da hora de tomar uma decisão e reestruturar a Secretaria de Desenvolvimento Agrário”, afirmou o deputado estadual Marcelino Galo (PT/BA). 

Após os dois dias de mobilização, a organização da caravana vem elaborando um relatório que reúne as denúncias e os encaminhamentos apresentados pelas comunidades, além de um “Manifesto”. O documento destaca as graves violações de direitos humanos registradas, como ameaças de morte, destruição de estruturas comunitárias, uso da força estatal para criminalizar lideranças e grilagem de terras. O relatório será encaminhado às autoridades competentes, como instrumento de pressão para a adoção de medidas concretas e efetivas.

Entenda mais: o que está acontecendo no Oeste da Bahia?

A região Oeste da Bahia vive uma intensificação dos conflitos agrários nas últimas décadas, especialmente em municípios como Correntina e Formosa do Rio Preto. O avanço do agronegócio e a grilagem de terras públicas impactam diretamente as comunidades tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto, que vivem há séculos nesses territórios e atuam na preservação do Cerrado e das águas.

Entre os casos mais emblemáticos, está o de Solange e Vanderlei, do Fecho de Pasto de Brejo Verde, presos injustamente em maio de 2025 após serem denunciados por fazendeiros interessados na área. A prisão foi considerada por organizações sociais como uma tentativa de desmobilizar a luta coletiva e criminalizar defensores de direitos humanos.

Em visita a área em que estava sendo construído o rancho da comunidade de Brejo Verde, que foi encontrado destruído no dia anterior à prisão de Solange e Vanderlei. Juliana Fraga, membro da AATR e que vem acompanhando o caso de criminalização dos fecheiros, conta: “A questão aqui é o domínio de um território tradicional, essa é uma comunidade que há muito tempo usa, preserva e tem uma relação muito clara de pertencimento a esse território”.

O casal de fecheiros, Solange e Vanderlei, que passou 60 dias presos injustamente no Rio de Janeiro, retorna às atividades na comunidade. Foto: Bia Silva / MAB
O casal de fecheiros, Solange e Vanderlei, que passou 60 dias presos injustamente no Rio de Janeiro, retorna às atividades na comunidade. Foto: Bia Silva / MAB

A violência, no entanto, tem se tornado mais sistemática e organizada. A chamada “milícia rural” na região inclui ex-policiais, seguranças privados e empresários que atuam com armamento pesado para expulsar comunidades. Em abril de 2024, uma operação conjunta da Polícia Civil e do Ministério Público da Bahia desmantelou uma dessas quadrilhas, liderada por Carlos Erlani Gonçalves Santos, sargento reformado da Polícia Militar, que atuava em Correntina por mais de 20 anos.

Sob pressão das comunidades, o Estado da Bahia publicou, na última quinta-feira (31), as portarias que autorizam o início das ações discriminatórias no Vale do Rio Arrojado, município de Correntina. A medida marca o primeiro passo de um longo processo de regularização dos territórios tradicionais e já representa uma conquista significativa para a luta das comunidades locais. As ações abrangem as comunidades tradicionais de Fecho de Pasto de Brejo Verde, Praia, Catolés, Melado, Tarto, Tigelas, Águas Claras, Caiçara, Capão, Malhadinha, Jatobá, Morrinhos, Entre Morros, Gado Bravo e Lodo.

Apesar das respostas do Estado, a luta das comunidades continua. O MAB, junto a outras organizações, exige o arquivamento da denúncia contra Solange e Vanderlei, a proteção das lideranças ameaçadas e a garantia dos territórios tradicionais.

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