Barragens em risco: 44 estruturas são embargadas pela Agência Nacional de Mineração em MG
61 mil pessoas estão expostas aos riscos de barragens em situação crítica: Serra Azul, da ArcelorMittal e Forquilha 3, da Vale, são os casos mais graves
Publicado 28/11/2024 - Atualizado 28/11/2024
Na última semana, a Agência Nacional de Mineração (ANM), embargou um total de 44 represas de rejeitos em Minas Gerais, por falta de condições seguras de funcionamento durante o período chuvoso, segundo levantamento da reportagem do Estado de Minas. Elas representam risco direto para 60,9 mil pessoas que vivem abaixo dessas estruturas em municípios como a capital Belo Horizonte, Itabirito e Itatiaiuçu. A situação é agravada por conta do início da estação chuvosa, que potencializa os riscos. Para especialistas, o Brasil precisa rever o sistema de segurança de barragens para evitar rompimentos diante da nova realidade climática do país, que prevê chuvas intensas em diferentes estados.
Se um rompimento acontecer em uma dessas barragens interditadas, o risco ambiental é considerado “muito significativo” pela ANM em 14 casos, por estarem em áreas potencialmente atingidas, “de interesse ambiental relevante ou áreas protegidas em legislação específica”, aponta a Agência.
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De acordo com a coordenação do MAB, a situação reforça a importância da implementação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), sancionada no final de 2023. Entre outros avanços, o instrumento é fundamental para consolidar os direitos das comunidades em todo o país, ao definir o conceito de atingido e estabelecer deveres para as empresas causadoras dos danos, apontar diretrizes para a reparação e, especialmente, para a prevenção de rompimentos e outros danos que impactam comunidades rurais e urbanas em todo o país”, avalia o movimento.
Documentos de barragens não atestam estabilidade
O documento técnico da Agência Nacional de Mineração (ANM) contabiliza o recebimento das Declarações de Condição de Estabilidade (DCEs) que devem ser enviadas semestralmente pelas mineradoras à agência reguladora. As estruturas interditadas são aquelas que não enviaram as Declarações ou enviaram, mas os laudos não atestavam a estabilidade.
“No período chuvoso, as empresas implementam um plano de preparação específico. Qualquer incidente, mesmo pequeno, deve ser reportado no mesmo dia, o que permite à ANM avaliar a situação e, se necessário, adotar medidas corretivas para assegurar a segurança das estruturas e áreas próximas”, informa a Agência.
Uma das barragens em situação mais crítica, segundo a ANM, é a de Serra Azul, de propriedade da ArcelorMittal, que fica em Itatiaiuçu (MG), e se encontra em nível 3 de emergência. Esse categoria indica estrutura sob risco iminente de ruptura ou em colapso. Ao todo, das cerca de 13 mil pessoas que vivem no município, 2 mil podem ser consideradas atingidas pela barragem, que foi construída em 1987. Para tentar barrar a lama de rejeito de minérios, em caso de um possível rompimento, a mineradora está construindo uma Estrutura de Contenção a Jusante (ECJ), que deve ser concluída somente em 2025. Até lá, moradores da região vivem com o temor de que aconteça um desastre como o da Mina Córrego do Feijão, ocorrido na cidade de Brumadinho em 2019.
A cozinheira Luzia Souza é moradora de Itatiaiuçu e conta sobre a apreensão constante que tem vivido a cada verão. “Quando chega o período chuvoso, a gente fica muito preocupado. Até porque, esses dias teve treinamento de duas mineradoras aqui perto, da Usiminas e da Minerita. São treinamentos pro caso de estourar a barragem. Teve sirene, como se fosse o acionamento mesmo”, conta. Segundo a atingida, mesmo tomando remédio psiquiátrico, é difícil dormir com a tensão gerada pelo risco da barragem se romper.
“Qualquer barulho a gente fica sempre atento, acorda durante a noite, vai lá fora, olha. Fica todo mundo alerta com qualquer barulho, seja um carro distante, um caminhão que buzina, a gente assusta. E fica preparado e esperando, porque a barragem no nível 3 é como uma grávida de 9 meses que a gente tem que ficar vigiando. O medo é constante. No meu caso, eu tomo remédio pra dormir, mas quando eu acordo já não durmo mais. A gente fica atento, vigiando sempre”, complementa Luiza.
Outra grande preocupação de autoridades, com um eventual rompimento, é com a possibilidade de contaminação de afluentes que desembocam no rio Manso, responsável por 40% do abastecimento de água da região metropolitana de Belo Horizonte, segundo a secretária do Meio Ambiente da cidade de Rio Manso, Marina Amaral Ferreira.
A barragem Forquilha 3, da Vale, em Itabirito, na Região Central, se encontra no mesmo nível, mas já dispõe de uma Estrutura de Contenção. Ou seja, uma outra barragem construída que, teoricamente, poderia deter os rejeitos em caso de rompimento, para que não atinjam comunidades, estradas e áreas importantes.
Falsas soluções para a segurança dos atingidos
O MAB também questiona a efetividade das soluções propostas pelas mineradoras, como as estruturas de contenção. “A própria construção da ECJ traz danos ambientais e sociais às comunidades atingidas, como ocorreu em 2023 em Macacos, distrito de Nova Lima. Com as águas das chuvas, a estrutura quase transbordou, despertando o medo dos atingidos do rompimento também da ECJ. A estrutura causou alagamentos, obstruindo pontes e interditando a única via de rota de fuga da comunidade”, afirma a coordenação do MAB.
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Ainda segundo o Movimento, a luta pelos direitos das pessoas atingidas começa mesmo antes do diagnóstico de risco das estruturas, porque o próprio anúncio de construção de barragens gera uma série de danos e violações de direitos nos territórios atingidos. Durante a construção, são diversos prejuízos socioambientais causados por barragens do setor da mineração ou hidrelétrico, como o alagamento de grandes áreas e o deslocamento forçado de populações. Por isso, a PNAB reforça a importância da consulta às comunidades atingidas e da participação social em todo o processo de avaliação dos riscos.
“Ainda assim, podemos dizer que a constatação da possibilidade de rompimento de dezenas de barragens em um único estado, colocando em risco a vida de milhares de pessoas, é uma das consequências mais graves desse modelo econômico onde estamos inseridos. Isso reforça a importância da articulação coletiva da população e da luta constante contra as violações de direitos humanos praticadas pelas empresas detentoras dessas estruturas”, afirma a coordenação do Movimento.