Falta de participação, sigilo das informações e incerteza sobre reparação para mulheres, crianças e jovens são alguns dos descontentamentos com o atual acordo
Publicado 10/09/2024 - Atualizado 10/09/2024
Durante a jornada de lutas pelo Dia Internacional da Amazônia, na última quinta-feira, 05, atingidos e atingidas da Bacia do Rio Doce e Litoral Capixaba participaram de reunião no Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6). O encontro, organizado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), foi marcado pela entrega da pauta de reivindicações que expressa as demandas dos moradores das regiões atingidas pelo desastre-crime de Fundão, ocorrido em 2015, de responsabilidade das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton.
A reunião contou com a presença do Presidente do TRF-6, desembargador Vallisney de Souza Oliveira, do Procurador-Chefe do Ministério Público Federal, Patrick Salgado, de representantes da direção nacional do MAB, da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e pessoas atingidas das regiões de Mariana, Barra Longa, do Médio Rio Doce, como Periquito e Ipatinga; de Resplendor, no Leste de Minas; e do litoral do Espírito Santo, como Itaúnas, Linhares e Marilândia.
Na abertura da reunião, o presidente do TRF-6 destacou que o momento era de escuta das demandas apontadas pelas pessoas atingidas. “O meu papel é ouvi-los, conversar e ter essa percepção das reivindicações que vocês possuem para levar, no âmbito do tribunal, aos desembargadores e juízes que estão no caso, os apontamentos trazidos”, afirmou.
Integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli Andrioli reforçou a mobilização realizada em todo o Brasil pelo Dia da Amazônia e frisou, ainda, que o Brasil precisa se posicionar de maneira enfática frente ao mundo sobre como irá tratar e punir os crimes socioambientais cometidos pelas mineradoras, ressaltando que os rompimentos de Mariana e Brumadinho não foram causados por mudanças climáticas, mas pela ganância por lucro, que destruiu o Rio Doce e o Rio Paraopeba.
Joceli reforçou o pedido pela quebra do sigilo do acordo de repactuação e a inclusão imediata da população atingida nas negociações, pois considera que o acordo, tal como está sendo encaminhado, viola leis que garantem essa participação. Ele afirmou que a reparação proposta de R$ 100 bilhões é insuficiente, sendo que estudos feitos por Assessorias Técnicas Independentes – e apresentados em documento – já quantificaram que os danos ultrapassam R$ 700 bilhões.
“Termos de reparação de crimes socioambientais, nós achamos que essa pauta (repactuação) é central. São 21 territórios na Bacia do Rio Doce e Litoral Capixaba e trouxemos representações desses locais para trazer as reivindicações que iremos apresentar, são sete pontos que consideramos fundamentais para serem incluídos nesse acordo”, destaca.
Varner Santana Moura, atingida pelo rompimento da Barragem do Fundão, moradora do município de Marilândia (ES), pontuou sobre a indignação latente nas pessoas atingidas mais de oito anos depois do rompimento da barragem. “Sentimos como se nosso destino estivesse sendo traçado sem nossa presença. Já sofremos violações demais, sofremos desde o início com cadastros que eram mal feitos, cadastros que eram como se fossemos réus sentados em um tribunal. Nossa voz não tinha valor, pois era preciso papel para provar tudo. Somos pessoas simples. Somos pescadores, agricultores, ilheiros, etc. Nós tivemos nossos direitos violados, uns recebem e outros não. Então, essa repactuação estamos preocupados. O que vai acontecer? Hoje, aqui, é meu depoimento de indignação”, pontuou.
Pauta de Reivindicações
A carta entregue pelos atingidos destaca uma série de exigências críticas como, por exemplo, o direito à participação e decisão das pessoas atingidas, conforme previsto na Política Nacional de Direitos dos Atingidos por Barragens (PNAB) e na Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB). Entre as demandas, estão a criação de um comitê local para dar continuidade às negociações e a instituição de uma Câmara de Repactuação, que incluiria representantes das comunidades atingidas.
Além disso, a pauta de reivindicações exige transparência nas negociações, com a divulgação completa das propostas de reparação e acesso a todos os trâmites envolvidos no processo, e também que haja celeridade na justiça criminal sobre o caso. Os atingidos também solicitaram que o direito à consulta e consentimento prévio, livre e informado, seja respeitado, especialmente para os Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais, conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O documento pontua que a Mesa de Repactuação, criada para encerrar os litígios envolvendo o crime, não tem respeitado adequadamente os direitos das vítimas do rompimento.
Histórico
A repactuação sobre o crime da Samarco, Vale e BHP foi formalizada em 2018 com a assinatura do TAC Governança. O objetivo da proposta é encerrar definitivamente os litígios relacionados ao caso por meio de um processo de conciliação extrajudicial. Com a instalação do TRF-6 em 2022, a questão passou a ser dirigida pela nova corte.