NOTA | MAB denuncia falta de reparação ambiental na Bacia de Paraopeba e Lago Três Marias
Cinco anos após após crime da Vale em Brumadinho, Rio Paraopeba segue contaminado de acordo com estudos divulgados por assessorias técnicas, universidades e institutos de pesquisa
Publicado 25/03/2024 - Atualizado 28/03/2024
“Enquanto as pessoas seguirem expostas à contaminação, não haverá reparação integral.” (Joelisia Feitosa, atingida do município de Juatuba-MG)
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) vem, por meio desta nota, manifestar a preocupação com a lentidão do processo de reparação socioambiental do território atingido pelo rompimento da Barragem Córrego do Feijão, que aconteceu no dia 25 de janeiro de 2019, em Brumadinho (MG), causando a morte de 272 pessoas e espalhando resíduos de minério por toda a Bacia do Rio Paraopeba e pelo Lago da Represa Três Marias. Até hoje, 5 anos depois, faltam informações e transparência na execução do Plano de Recuperação Ambiental do território, enquanto população sofre com contaminação. Agricultores e pescadores sofrem com a perda de renda diante do cenário de destruição que ainda assola a região.
O problema da contaminação e seus efeitos na saúde
Desde o rompimento, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) faz o monitoramento da qualidade da água do Rio Paraopeba. Nos últimos quatro anos, o órgão tem constatado valores acima dos limites toleráveis para substâncias como manganês total, alumínio dissolvido, ferro total, ferro dissolvido, chumbo total e mercúrio total – de acordo com a Portaria do Ministério da Saúde que dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano (GM/MS nº 888). Por isso, o IGAM ainda mantém a recomendação para que a população não utilize a água bruta do Rio Paraopeba para qualquer fim.
A Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais (SES) realizou o monitoramento da água para consumo humano nos municípios da Bacia do Paraopeba – desde Brumadinho até a Represa de Três Marias – com coletas de água de poços e cisternas situados até 100 metros do rio. Em 2023, a SES publicou um boletim apresentado os resultados do monitoramento realizado entre os meses de janeiro de 2019 e dezembro de 2022, apontando que ferro, alumínio, manganês, antimônio, arsênio, bário, chumbo, cromo, mercúrio, níquel e selênio estão acima dos valores de referência.
Outros estudos foram realizados na Bacia do Paraopeba com o objetivo de avaliar os o nível de contaminação ambiental e os riscos à saúde. Em dezembro de 2022, uma pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) apontou para a existência de superbactérias resistentes a antibióticos ao longo do curso do Rio Paraopeba após o rompimento da barragem. A partir da análise dos resultados, foram levantados indicadores de contaminação por metais, como ferro, alumínio, cobre e cádmio e esgoto.
O estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) monitorou a saúde das pessoas atingidas em Brumadinho através de análises clínicas. Os resultados apontaram a presença de metais pesados em crianças e adultos, além do aumento de casos de adoecimento mental. Os adolescentes que participaram da pesquisa relataram sintomas frequentes de irritação nasal, tosse seca, dormências ou cãibras e tontura ou desmaio. Já entre os adultos as principais queixas são irritação nasal, dormências ou cãibras, tosse seca e coceira na pele.
De acordo com esse levantamento, 22,5% da população adulta disse que recebeu diagnóstico de depressão, número superior aos 10,2% da média brasileira, segundo dados do IBGE de 2019. Já o diagnóstico de ansiedade ou problemas do sono foi citado por 33,4% dos entrevistados com mais de 18 anos de idade. Entre os adolescentes, 10,4% relataram diagnóstico médico de depressão e 20,1% de ansiedade.
Um estudo com participação da Faculdade de Medicina da UFMG demonstra que, desde o rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em 2019, aumentou a prevalência, na população de Brumadinho, de sintomas como depressão, transtorno de estresse pós-traumático (Tept), ansiedade, pior qualidade do sono e ideias de morte ou automutilação.
Os sintomas depressivos foram a condição mais prevalente (29,3%), seguidos pelos sintomas de Tept (22,9%) e sintomas ansiosos (18,9%). Os piores cenários foram detectados entre mulheres, idosos, moradores da área mais próxima à mineração e pessoas com nível médio de escolaridade.[1]
As análises de sangue e urina dos adolescentes mostraram que os metais arsênio, chumbo e manganês estão acima dos valores de referência da legislação. Já entre os adultos, foram encontradas altas concentrações de arsênio e manganês.
As crianças também participaram do estudo por meio da coleta de urina. Nas 172 amostras foram detectadas a presença de pelo menos um dos cinco metais (cádmio, arsênio, mercúrio, chumbo e manganês). As análises também apontaram que 50,6% das amostras urinárias apresentaram pelo menos um metal acima do valor de referência. O arsênio foi encontrado acima do valor de referência em 41,9% das amostras analisadas e o chumbo em 13% delas. Ainda sobre as crianças, 49% dos responsáveis disseram ter percebido mudanças na saúde dos seus filhos após o rompimento.
Outro levantamento sobre concentração de metais pesados no sangue e na urina foi realizado nos municípios de Mário Campos, Juatuba e São Joaquim de Bicas. A pesquisa “Avaliação da exposição ambiental e ocupacional a metais na população atingida pelo desastre de Brumadinho em 25 de janeiro de 2019” foi realizada pelo Programa de Pós-Graduação em Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foram investigados os elementos: Antimônio (Sb), arsênio (As), cádmio (Cd), chumbo (Pb), cromo (Cr), mercúrio (Hg) e níquel (Ni) em amostras biológicas. A pesquisa constatou a presença destes elementos acima dos valores de referência.
Segundo perito do juízo, em manifestação da ação individual corre na comarca de Ibirité, “com o rompimento da barragem, o lançamento de metais pesados no Rio Paraopeba, de onde a água é captada para irrigação, deveria ter sido imediatamente interrompido, perdurando até a completa eliminação dos elementos contaminantes. (…) Em nossa análise, a contaminação da água teve impacto imediato, sendo negligenciada e ignorada ao longo de cinco anos”
A elevada exposição aos metais pesadas causadas pelo consumo de alimentos, água, contato com pele e respiração de poeira contaminados podem causar inúmeros problemas para saúde humana, como complicações renais, danos cerebrais, problemas respiratórios, alergias e até mesmo câncer a longo prazo. Além disso, são elementos suscetíveis à bioacumulação. Isso significa que vão acumulando ao longo da cadeia trófica, aumentando o risco para humanos além da possibilidade de serem transferidos para fetos e leite materno.
Assessorias Técnicas revelam contaminação da água, solo, ar, alimentos e seres humanos
Os estudos realizados pelas Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) também apontam a presença das contaminações ambientais. A consultoria ARCHIPEL, contratada pela ATI Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (AEDAS), apontou que em Brumadinho 60% das amostras de água não estavam adequadas para o consumo humano, pois violavam um ou mais dos valores máximos permitidos para metais pesados, como ferro, manganês, alumínio, chumbo, arsênio, urânio, cromo e níquel. Também foram encontrados valores acima dos limites de referência para o ar, água subterrânea e poeira.
Uma pesquisa de saúde realizada pela ATI Instituto Guaicuy – SOS, Rio das Velhas, identificou aumento dos casos de notificação de Dengue, Chikungunya e Zika entre 2018 e 2019 em Curvelo, Felixlândia, São Gonçalo do Abaeté, Martinho Campos e Morada Nova de Minas. Em outro levantamento, o Guaicuy identificou também a presença de metais pesados em peixes do Rio Paraopeba. A ATI Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas (NACAB), também encontrou concentrações superiores ao definido pela legislação de ferro, alumínio, manganês e chumbo na água para consumo humano; e cromo, níquel, bário, cobalto, arsênio, cobre, zinco nos solos nos municípios da região 3, que abriga cidades como Esmeraldas, Paraopeba, Pequi entre outras.
Empresas contratadas pela Vale geram problemas para reparação socioambiental
A reparação socioambiental no território suscita grande preocupação dos atingidos, especialmente pela forma como ela vem sendo planejada e implementada pela empresa Arcadis, além de problemas no cumprimento de obrigações pela empresa Vale.
Em 21 de dezembro de 2022, as Assessorias Técnicas Independentes e as atingidas apresentaram aos compromitentes um relatório técnico indicando pontos de atenção, problemas e sugestões, assim como uma carta detalhando preocupações e críticas relacionadas à elaboração e implementação do Plano de Reparação Socioambiental da Bacia do Paraopeba (Produto K e Carta dos Coletivos de Reparação Socioambiental).
A primeira preocupação relatada foi a falta de idoneidade e de confiabilidade da empresa Arcadis, que já atuava como subcontratada da Vale previamente ao Acordo. Também apontou a falta de transparência na atuação da Arcadis e o desrespeito à participação e ao direito à informação na Reparação Socioambiental, pois a sua elaboração, atualização e discussão é realizada entre a Vale e a Arcadis, sem qualquer diálogo real ou possibilidade de participação dos atingidos e atingidas.
Isso decorre do fato de que as visitas realizadas pela empresa são poucas e não ocorrem na maior parte do território, sendo que apenas questões pontuais chegam ao conhecimento da população atingida, e essa forma de abordagem não leva em consideração o impacto e possíveis danos que as ações de reparação podem gerar nos territórios. A Arcadis alega que leva em conta a população atingida, no entanto as poucas reuniões que ocorreram foram uma mera formalidade, e não conseguem estabelecer diálogos reais com atingidos e atingidas nem esclarecer suas dúvidas. A realidade é que a população está sistematicamente excluída da possibilidade de participação na elaboração e implementação do Plano de Recuperação Socioambiental desde o início.
Também não foi implementada ferramenta de amplo acesso à informação para garantir a transparência das informações sobre a Reparação Socioambiental, nem houve a adequada divulgação dessas informações aos atingidos e atingidas diretamente pelas empresas responsáveis. Os atingidos não se sentem representados e nem ouvidos no processo de Reparação Socioambiental, e entendem que seu direito à participação e à reparação integral não está sendo respeitado.
O Plano de Recuperação Socioambiental deve levar em consideração as comunidades para além da distância de um quilômetro do rio Paraopeba ou evidenciará um grande desconhecimento da realidade dos atingidos e atingidas, bem como da amplitude dos danos socioambientais no território atingido.
Em relação ao descumprimento de obrigações por parte da empresa Vale, destaca-se a reiterada falha na garantia do acesso à água às comunidades atingidas, que enfrentam situação de grave insegurança hídrica e permanentes relatos de casos de problemas de saúde e receio de contaminação desde o rompimento.
Também há grande preocupação pelo atraso e ineficácia da Vale na realização de dragagem do rio Paraopeba, não tendo sequer sido apresentada a proposta do Projeto de Recuperação, assim como pela intenção da Vale em mudar a execução do projeto sem validação de um novo projeto, o que foi questionado pela Fundação estadual de Meio Ambiente (FEAM) e pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Esse atraso coloca em ainda maior risco o território atingido, porque caso haja novas enchentes, os rejeitos podem ser levados novamente para além do leito do rio como vivenciamos nos últimos anos.
Outra situação preocupante é o prazo e a condução dos Estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico (ERSHRE)”, realizada pelo Grupo EPA. O estudo está sendo desenvolvido em toda a Bacia do Paraopeba e tem objetivo de identificar os riscos potenciais à saúde humana e ao meio ambiente a partir da presença do rejeito. O levantamento também irá definir estratégias de intervenção para os territórios atingidos a partir dos resultados encontrados.
O Grupo EPA, porém, foi contratado pela Vale para realizar os estudos em 2019 e até o momento não finalizaram a primeira fase da pesquisa, e ainda não iniciaram os estudos com todos os Povos e Comunidades Tradicionais da bacia e os que foram iniciados desrespeitam o Protocolo de Consulta. Toda demora para realização deste estudo deixa a população atingida sem acesso à informação sobre os riscos existentes. Além disso, o atraso também traz consequências para o início de ações que poderiam impedir que situações de saúde e meio ambiente se agravem.
Sobre a condução dos estudos, os atingidos e atingidos relatam descaso, entrevistas direcionadas e até falta de educação das equipes de campo, o que demonstra o despreparo e parcialidade do Grupo EPA.
Todas essas violações de direitos aprofundam os danos à saúde das pessoas. Até o momento, não há respostas concretas do Estado, das Instituições de Justiça, das Prefeituras e menos ainda da criminosa. As pessoas não têm a quem recorrer ao apresentar preocupações, sinais e sintomas de contaminação. Por não terem reparação, continuam a usar a água que têm disponível, consumindo alimentos que plantam, respirando a poeira do rejeito, morando nas mesmas áreas à beira rio. Os atingidos da Bacia do Paraopeba reivindicam que o SUS faça exames para monitorar a presença desses metais no organismo da população e forneça o devido tratamento para quem precisar.