NOTA | Repactuação Rio Doce: acordo rebaixado é inaceitável

Valor da proposta das mineradoras é proporcionalmente 10 vezes menor do que o calculado para Brumadinho (MG)

Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), atingido pelo rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco. Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Enquanto os atingidos por barragens aguardam, com forte espírito de conquista, a sanção presidencial da Política Nacional das Populações Atingidas por Barragens – PNAB, o processo de negociação da Repactuação Rio Doce evidencia como a Vale e a BHP Billiton, mais uma vez, trabalham para impor um acordo rebaixado e autoritário, em busca apenas de sua segurança jurídica, sua imagem e lucratividade, repassando a responsabilização da reparação para o Estado brasileiro.

Conforme divulgado na imprensa, as duas maiores mineradoras do mundo ofereceram apenas R$ 42 bilhões para assinarem um acordo definitivo em relação aos danos causados por elas com o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em 2015. O montante representa um terço do valor proposto pelos governos e instituições: R$126 bilhões. Na avaliação do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, um acordo digno e justo que reparasse os danos individuais, coletivos, sociais e ambientais sofridos ultrapassaria o valor de R$ 300 bilhões, um montante que equivale a menos da metade da lucratividade das empresas nos últimos 8 anos.

Somente neste ano, juntas a Vale e s0 BHP Billiton faturaram cerca de R$ 159,8 bilhões. Em 2021, a Vale bateu recorde histórico de lucro com um saldo de R$121 bilhões. Enquanto isso, as famílias atingidas do Rio Doce e litoral capixaba enfrentam a fome, o desemprego, a falta de abastecimento, problemas de saúde e diversos outros danos causados pelo crime e agravados pela impunidade das empresas que já dura 8 anos. Um acordo de reparação aos atingidos deve levar em conta todas as violações cometidas e a perpetuação dos danos, pois as empresas possuem plenas condições financeiras para executarem uma reparação justa, integral e digna.

Imagem aérea mostra a a lama no Rio Doce, na cidade Resplendor (ES); Foto: Fred Loureiro/ Secom – ES

Além da discrepância entre os lucros das empresas criminosas e o valor proposto para a reparação, o montante ofertado para o acordo de Mariana equivale proporcionalmente a dez vezes menos ao valor já acordado pela Vale no caso de Brumadinho. Em 2021, a Vale, o governo de Minas Gerais e as instituições de justiça firmaram uma reparação de R$ 37 bilhões.

Se compararmos os danos sofridos em ambas as bacias, tanto em extensão do território e biodiversidade contaminados, quanto em número de atingidos e o tempo da reparação, os danos no Rio Doce e litoral capixaba seriam pelo menos 10 vezes maiores. Até o momento, na bacia do Paraopeba e Três Marias 131 mil pessoas já são consideradas atingidas. Se aplicássemos para o caso Rio Doce esses mesmos critérios, o montante de atingidos seria em torno de 1,5 milhão.

Ressaltamos que nem os termos, nem os valores do acordo firmado para o crime em Brumadinho foram estabelecidos conforme o que seria necessário à reparação integral dos danos. Agora, para os atingidos do Rio Doce são propostos valores proporcionais extremamente inferiores ao que já foi admitido pela própria Vale para o acordo em Brumadinho. Por que essa distinção?

Neste cenário de disputas e retrocessos, os atingidos por barragens reafirmam a importância da ação que corre na Corte Britânica que trata dos danos individuais dos atingidos no Rio Doce. Caso venha a ser julgado, o processo – que representa mais de 700 mil pessoas físicas, o número de 2.5 mil pessoas jurídicas e 46 municípios – poderá ser um marco histórico contra a impunidade em crimes socioambientais. Isso não isenta os governos, as instituições de justiça e o judiciário brasileiro de fazerem a sua parte.

Além disso, o MAB denuncia que as propostas da Vale e da BHP Billiton são inaceitáveis e alerta governos e outras autoridades que nenhum acordo terá a legitimidade sem a participação real dos atingidos organizados e a devida divulgação dos detalhes das negociações para a sociedade.

Precisamos abrir um amplo debate na Bacia, tendo os atingidos como o centro da reparação e da decisão. É preciso levar em consideração a proposição de programas de caráter coletivo e individual que consideram a extensão e a renovação dos danos, com valores compatíveis com nossa realidade. E só quem pode constatar a realidade são os atingidos participando de maneira organizada e qualificada.

Pedimos o apoio da sociedade brasileira e internacional para não permitirmos que este acordo seja assinado sem termos acesso a todas as informações e propostas. A aprovação da PNAB no último dia 14 de novembro e a Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB), aprovada em Minas Gerais em 2019, nos garante o direito à participação ampla e informada nos processos que versam sobre nossos direitos.


É tempo de avançar! No retorno das negociações em 2024, governos e instituições de justiça devem dar voz e vez aos atingidos para garantir a pressão necessária nas empresas, para que, 8 anos após um dos maiores crimes socioambientais de nossa história, o Brasil dê exemplo de reparação integral, ambiental e social para o mundo e não o contrário.

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