6 meses sem Flávia Amboss: MAB cobra justiça, reparação e prevenção de novos atentados
Aos 36 anos, Flávia – que era professora e militante pelos direitos humanos dos atingidos por barragens do Rio Doce – foi assassinada em um atentado na escola em que trabalhava
Publicado 16/05/2023 - Atualizado 16/05/2023
Passados seis meses do assassinato da professora de Sociologia e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Flávia Amboss, a família pede justiça e aguarda esclarecimentos sobre envolvidos no atentado. Flávia foi uma das vítimas do ataque, que aconteceu em 25 de novembro de 2022, na Escola Estadual Primo Bitti e em uma escola particular em Aracruz, no Espírito Santo. Ao todo, quatro pessoas morreram e 13 ficaram feridas pelos disparos de um adolescente de 16 anos, que utilizou duas armas do pai, um policial militar do estado.
O assassino foi apreendido e responde por ato infracional análogo a três homicídios e 10 tentativas de homicídio, mas o caso segue em fase de investigação. A Polícia Civil apura se o atirador tinha ligação com grupos extremistas, inclusive nazistas, dentro e fora do Brasil, pois carregava uma suástica na roupa que usava no atentado. Os símbolos usados foram apreendidos na casa em que ele foi preso.
Recentemente, a plataforma Telegram se negou a fornecer informações exigidas pela Justiça Federal sobre usuários da rede que participavam de grupos antissemitas brasileiros no aplicativo e que apareceram durante a investigação do caso. Diante da negativa, a Justiça determinou multa e ameaça suspender serviços prestados pela empresa no Brasil, caso pedido não seja atendido.
Segundo o advogado popular do Coletivo de Direitos Humanos do MAB, Artur Colito, no que diz respeito à reparação das famílias das vítimas, o Governo do Espírito Santo publicou uma resolução administrativa com uma proposta extrajudicial de solução do caso, oferecendo uma indenização para alguns dos familiares das vítimas fatais e sobreviventes que testemunharam o atentado.
O advogado avalia que, tendo em vista a responsabilidade do estado de garantir a segurança dos profissionais da educação e estudantes dentro de uma escola pública estadual, apenas indenizar financeiramente é insuficiente para reparar os danos causados.
“Até então, não houve nenhum tipo de retratação do poder público, não foi garantido acesso à informação de forma facilitada e adequada às necessidades dos familiares, a Polícia Militar não se movimentou no sentido de aumentar o controle das armas corporativas e ainda não puniu o pai”, destaca Artur.
Além disso, o advogado, que representa a família de Flávia, explica que a indenização, que é uma das medidas necessárias, precisa levar em conta todos os impactos que o ocorrido trouxe aos familiares, “seja no aspecto psicológico, de saúde, quanto financeiro, de gastos e prejuízos que os familiares passam até que haja uma reparação integral do crime”.
Além de Flávia, morreram nos ataques a estudante Selena Sagrillo, de 12 anos, e as professoras Maria da Penha Pereira de Melo Banhos de 48 anos, conhecida como Peinha, e Cybelle Passos Bezerra, de 45 anos.
A atuação pelos direitos dos atingidos do Rio Doce
Antes de começar a trabalhar em Aracruz, Flávia e a família moravam em Regência, distrito de Linhares onde fica a foz do Rio Doce, e um dos principais pontos atingidos pelos rejeitos de minério do rompimento da barragem de Mariana (MG) em 2015.
A professora e o companheiro, João Paulo izoton, atuavam juntos no MAB, onde lutavam pela reparação total dos danos provocados pelo rompimento da barragem de Mariana. A professora ainda foi uma das criadoras do coletivo de Mulheres Atingidas por Barragens.
Segundo Heider Boza, coordenador do Movimento no estado, Flávia era uma militante que sempre foi muito envolvida na defesa dos direitos dos atingidos. “Ela acreditava que o conhecimento liberta e que a pesquisa popular e a produção de conhecimento com as comunidades poderiam contribuir na luta pela reparação dos danos causados pela mineração no estado”. O coordenador afirma ainda que o sentimento hoje dos seus amigos é de dor, mas também de desejo de manter vivo seu legado. “Flávia nos deixou um legado que precisamos cuidar e levar adiante, da luta pelo certo e pelo justo, pelo direito da participação das comunidades e do protagonismo dos Atingidos e Atingidas”.
Segundo Juliana Stein Nicoli, que também é integrante da coordenação do MAB, Flávia era muito alegre, mas levava qualquer tarefa com muita seriedade e compromisso.
“Era resistência tanto na sala de aula, como na pesquisa acadêmica. Flávia concluiu um doutorado sobre o tema dos atingidos por barragens e levava todo seu conhecimento pros movimentos de luta”, conta a coordenadora.
A sua principal tarefa era o trabalho com as mulheres que incluía a realização de rodas de Arpilleras (telas bordadas pelas militantes para denunciar as violações sofridas pelas comunidades atingidas). “A gente fazia formações e oficinas e planejava o trabalho do grupo. Uma semana antes do ataque, a gente estava fazendo uma roda com nossas mulheres de São Mateus e Linhares lá em Regência (ES), um dos lugares que ela mais gostava. Ela morava lá, em 2015, quando aconteceu o crime no Rio Doce. Nesse dia, ela compartilhou com as mulheres das outras regiões como foi a chegada da lama lá na foz e o início da luta dos atingidos, momento que jamais vamos esquecer. As rodas de Arpilleras não serão as mesmas sem ela, mas vamos honrar sempre sua memória”, afirma Juliana.