Estudos apontam contaminação com metais com potencial tóxico na água de Aurizona (MA) por conta de rompimento de barragem da Equinox Gold
Análises realizadas por um coletivo de pesquisadores de universidades públicas brasileiras foram encomendadas pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e divulgados hoje – um ano após rompimento de barragem da mineradora canadense
Publicado 25/03/2022 - Atualizado 01/04/2022
Na manhã desta sexta-feira (25), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) apresentou, durante uma coletiva de imprensa em São Luís (MA), os resultados do estudo realizado em amostras de água de Aurizona, distrito do município de Godofredo Viana, que fica no oeste do estado. A comunidade foi atingida há um ano pelo rompimento de uma barragem de rejeitos da Mineradora Aurizona, do grupo canadense Equinox Gold – uma das maiores empresas exploradoras de ouro do mundo.
O estudo apresentado aponta a contaminação do solo e da água superficial e subterrânea do distrito com metais com potencial tóxico como mercúrio, arsênio, níquel e chumbo 100 mil vezes acima do máximo permitido. As análises foram encomendadas pelo MAB para um coletivo de cientistas que é coordenado pelo Laboratório de Educação Ambiental e Pesquisa da Universidade Federal de Ouro Preto e reúne pesquisadores da própria UFOP, da Universidade Federal do Maranhão – UFMA, da Universidade de São Paulo – USP, da Unicamp e da UEMASUL. A proposta da realização do estudo é subsidiar a reparação dos direitos básicos dos atingidos do distrito, pois o fornecimento de água potável ainda não foi restabelecido de forma permanente nas torneiras dos mais de quatro mil moradores de Aurizona.
“Além da questão da água, os atingidos também denunciam a restrição ao acesso à informação, já que nenhum dos laudos técnicos oficiais referentes à qualidade da água feitos por órgãos como o ICMBio, a Secretaria de Meio Ambiente (SEMA) e a Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão (CAEMA) foram disponibilizados para a população”, afirma Dalila Calisto, coordenadora do MAB no estado.
O professor Dr. Ulisses Nascimento, da Universidade Federal do Maranhão, afirma que é tratar essa água contaminada por meios convencionais para abastecimento humano seria muito difícil.
“Os metais encontrados no distrito são extremamente tóxicos e podem causar vários problemas imediatos à saúde, como infecções cutâneas, coceiras e algumas outras doenças de pele, além de problemas neurológicos e respiratórios com a exposição crônica. Então, existe uma gama grande de enfermidades provocadas pelo contato com essa água. E a concentração desses metais está muito mais alta que o nível permitido. É pouco provável a eliminação deste contaminantes por tratamento de água convencional”, ressalta o cientista.
O rompimento da barragem
O rompimento da Barragem da Lagoa Pirocaua aconteceu em 25 de março de 2021. Na ocasião, foram verificados diversos danos ambientais e prejuízos à população da comunidade de Aurizona após um grande volume de detritos atingir o rio Tromaí e as lagoas Juiz de Fora e Cachimbo, que servem para o abastecimento de água potável, recreação e pesca da população local. Também foi degradada uma extensão de aproximadamente 30 mil metros quadrados de vegetação nativa.
A mineradora declarou na época que a ruptura da barragem aconteceu por causa das chuvas. A professora Dulce Maria Pereira, que coordenou o estudo, afirma, porém, que essa justificativa é uma falácia. “Se for assim, essa engenharia que uma empresa tão reconhecida está utilizando para construir barragens não passa de ‘necroengenharia’, engenharia pra morte. Pelo que se sabe não se fazem barragens de papelão, portanto, as barragens deveriam ser feitas segundo os princípios da prevenção e da precaução já adaptadas ao volume de chuva que poderia haver no local. Além disso, os dados do INPE (Instituto de Pesquisas Espaciais) mostram que não houve essa quantidade de chuva que eles alegaram que foi responsável pelo rompimento da barragem.
Na ocasião, os órgãos de fiscalização do estado estiveram no distrito realizando coleta de água para análise, mas não disponibilizaram os laudos. De acordo com a professora Dra. Dulce, desde o rompimento da barragem, a população encontrou-se suscetível às diversas formas de contaminação pelos elementos presentes no material liberado nos cursos de água do território. Por isso, tornou-se urgente e necessária a realização de uma análise independente da água na região.
Mesmo sem os laudos, o poder público proibiu a utilização da água do Reservatório Juiz de Fora, pois havia fortes indícios de contaminação pela lama tóxica do rompimento. Ainda assim, a mineradora Aurizona – que foi obrigada pela Justiça a fornecer água para a população – seguiu fazendo sua captação no reservatório e oferecendo sérios riscos à saúde da comunidade. Dalila explica que muitas famílias atingidas relatam problemas de saúde como coceiras, irritações na pele e dores estomacais após uso da água oferecida pela empresa.
A pesquisadora Profa. Dulce Maria afirma que, embora a mineradora declare que está fazendo a coleta de água no reservatório conhecido como Zé Bolacha, existe uma movimentação constante no reservatório Juiz de Fora. A origem da coleta de água dos carros pipas que estão sendo usadas para o abastecimento da população estava contaminada.
Desta forma, os atingidos permanecem sem acesso à água potável, pois, de acordo com os relatos dos moradores. eles seguem sem água nas torneiras e, quando a água chega, ela apresenta mal cheiro, traços de oleosidade e uma coloração avermelhada.
“Também encontramos uma concentração alta de metal nas amostras de solo e sedimentos. Qual o risco? Os organismos presentes na terra têm a chamada bioacumulação. Por exemplo, se tem uma área rica em um determinado tipo de metal, então quando um animal ou a pessoa for comer um vegetal cultivado nesse solo eles vão biomagnetizar isso, ou seja vão acumular nos seu corpo essa substância. Então, tem um risco tanto pra agricultura, quanto pra pecuária praticada ali”, complementa o pesquisador Ulisses.
Barragem ilegal
Segundo a ação civil pública que foi proposta pelo Ministério Público Federal na Justiça Federal sobre o caso, a estrutura da Lagoa do Pirocaua estava sendo utilizada como reservatório de água nas atividades de extração e beneficiamento de ouro realizadas pela mineradora. A Mineração Aurizona, porém, omitiu o registro do equipamento como barragem e não o submeteu às regras da Política Nacional de Segurança de Barragens, o que impossibilitou a adoção das medidas necessárias para impedir o desastre. Além disso, constatou-se a omissão do estado do Maranhão, pois a Secretaria de Meio Ambiente concedeu a outorga do Direito de Uso de Águas da lagoa para a finalidade de aproveitamento industrial, mas não a identificou como barragem.
Riscos: água contaminada, rachaduras nas casas e possíveis deslizamentos
Outra denúncia feita pelas famílias de Aurizona é referente às rachaduras nas casas causadas pelas explosões de dinamites realizadas pela Equinox Gold, há anos. “Além de sofrerem com a contaminação da água, muitos moradores vivem apreensivos com receio das suas casas caírem por causa das rachaduras e ainda têm medo de deslizamento das montanhas de estéril”, afirma Dalila.
“E o futuro dessas pessoas? Se não for feito o processo de levantamento dos dados sobre a situação de saúde dos moradores, de controle da contaminação, qual será o futuro da comunidade? Um futuro de deslocamento compulsório, um futuro de morte, um futuro de insegurança alimentar? Então essa é uma questão fundamental pra se colocar hoje”, ressaltou a pesquisadora Dulce Maria, durante a coletiva.
Apesar do crime cometido contra a população e à paisagem local, a Mineradora Equinox Gold continua exercendo sua exploração mineral normalmente no território.
“Por isso, seguimos denunciando as violações de direitos humanos praticadas pela empresa no estado e reforçando a urgente necessidade de reparação imediata dos direitos das famílias atingidas. Também reivindicamos a aprovação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), para que se crie um mecanismo de prevenção e mitigação dos impactos dos empreendimentos de barragens em todo o país”, conclui Dalila.