Carta Aberta: Orgulho LGBT 2021
Movimentos populares do Vale do Aço (MG) chamam atenção para a violência motivada por preconceito e se comprometem com a luta por uma sociedade livre da LGBTfobia
Publicado 29/06/2021 - Atualizado 29/06/2021
Vivemos em um país que reconhece que a LGBTfobia é crime de racismo. Que garante o direito das pessoas trans ao próprio nome e gênero por retificação direta em cartório. Que assegura o direito ao casamento entre pessoas do mesmo gênero, bem como permite a estas adotarem filhos conjuntamente. Direitos basilares como o de doar sangue não podem mais ser embaraçados em razão de discriminação por orientação sexual. A luta e reivindicação organizada da população LGBT trouxe a garantia de direitos que não poderiam ser negados em face da nossa Constituição de 1988. E, embora todos estes marcos sejam importantes e nos coloquem em um novo patamar, vivemos em um dos países mais perigosos para se ser LGBT
no mundo.
Chegamos no mês do orgulho LGBT com notícias de uma mídia LGBTfóbica, da morte de Gabriel Garcia, jovem gay de apenas 22 anos, que foi morto a tiros em Embu das Artes (SP), de Roberta, mulher trans queimada viva em Recife (PE), de mais uma situação de transfobia em live de gamers, com notícias de casais LGBT sendo ameaçados, de que nossas escolas são ambientes hostis para alunas, alunes e alunos LGBT, e com a notícia de que a Defensoria Pública entrou com ação contra o Estado por omissão após suicídios de detentas da ala LGBT da penitenciária da Grande Belo Horizonte. Sabemos que essas são algumas notícias de maior alcance de divulgação pela mídia e movimentos sociais. Quantas histórias, corpos e vozes estão sendo silenciadas em nosso país, no nosso estado, quantas aqui no Vale do Aço?
A violência LGBTfóbica nasce dos estereótipos do que é ser ‘homem’ e ‘mulher’, e na norma que socialmente se tenta impor de vivência cisgênera e heterossexual a todas as pessoas. Quando as LGBT rompem com tais padrões, são violentadas diuturnamente, dia após dia,
sem cessar.
Precisamos lembrar que a LGBTfobia é fruto do patriarcado estruturante da sociedade capitalista e que no Brasil alcança patamares ainda mais profundos, cruéis, violentos, e também silenciosos. Foi enraizada culturalmente ao longo de toda nossa formação histórica e está presente em todas as instâncias de estado, nos elementos simbólicos e na vida cotidiana desde 1500: com a condenação de Felipa de Souza, cristã velha presa no cárcere do Sancto Officio, por se relacionar sexualmente com outras mulheres na Salvador de 1592; com o assassinato de Tibira, indígena Tupinambá executado com a anuência de religiosos da Igreja Católica em missão no Brasil em 1614; com as perseguições e violações da ditadura de 1964; com as incontáveis vidas LGBT torturadas e aprisionadas nos manicômios na época do “Holocausto Brasileiro” de Barbacena; com o assassinato do vereador Renildo dos Santos de Coqueiro Seco/AL, morto em 1993 depois de assumir sua bissexualidade em um programa de rádio; com o assassinato de Luana Barbosa que faleceu vítima de lesbofobia e racismo perpetrados pela polícia em Ribeirão Preto (SP), em 2016; com a execução ainda sem apuração do mandante da vereadora negra, bissexual e periférica Marielle Franco, no Rio de Janeiro em 2018; e agora em pleno ano de 2021, com notícias como as que citamos anteriormente de Roberta, Gabriel e tantas outras, quando vivemos sob a égide de mais uma ruptura democrática (golpe de 2016) recrudescida pelo atual (des)governo genocida e LGBTfóbico que autoriza simbolicamente tantas pessoas a praticarem atos violentos contra os corpos que elas definem como indevidos para transitar na sociedade brasileira.
Como estratégia de (des)governo genocida observamos a tentativa de cercear o controle social, como com o esvaziamento do Conselho Nacional de Combate à Discriminação de LGBT (CNCD/LGBT) (revogado e posteriormente recriado de forma a esvaziar a participação social) e a tentativa de nos apagar nas políticas em execução, como tenta nos apagar das produções culturais financiadas pelo governo federal.
Na educação, um Relatório da ONU reconhece que a América Latina possui um ambiente escolar ‘hostil’ a alunas, alunes e alunos LGBTI. Especificamente no Brasil, o jornal Estado de Minas destaca que “Os jovens LGBTI também são afetados pela falta de diversidade entre os professores e pelas disposições adotadas em países como o Brasil, onde o governo se comprometeu a eliminar conteúdos LGBTI dos livros didáticos”. O que vemos é o esforço de imposição de uma agenda ideológica de ensino. Tal se manifesta de forma muito contundente no ataque a profissionais que tentam fazer o espaço educativo inclusivo e livre de violências, bem como na perseguição LGBTfóbica a alunas, alunes e alunos LGBT. Por que o ensino sobre gênero e diversidade incomoda tanto aqueles que tentam cercear os corpos e vivências LGBT?
Em âmbito local vimos Ipatinga precisar de uma decisão do STF para derrubar a lei promulgada pela vereadora, então prefeita, Cecília Ferramenta, que vedava o debate de gênero nas escolas locais. E acompanhamos uma gestão atual que se olvida de implementar
as políticas aprovadas pela população na 1ª Conferência Municipal de Políticas Públicas e Direitos Humanos LGBT. Somando-se às demais gestões da região que também se mostram omissas na implementação das políticas deliberadas pela I Conferência Livre de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT do Vale do Aço.
Na saúde, embora a orientação sexual e a identidade de gênero sejam reconhecidas como determinantes sociais de saúde na Política Nacional de Saúde Integral LGBT de 2011, ambas não foram consideradas em nenhum momento durante o enfrentamento à pandemia de Covid-19. Ao contrário, vimos a negativa do governo federal de apresentar dados da pandemia por orientação sexual e identidade de gênero, impedindo que contabilizemos pessoas LGBT infectadas para a elaboração de políticas adequadas e impedindo que contemos nossas mortas pela pandemia, mesmo este pleito tendo sido feito, inclusive, pela Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais ao Ministério da Saúde.
Em âmbito estadual aprovamos uma Política Estadual de Saúde Integral LGBT em 2020, mas ainda não a implementamos. Estamos vendo o estado, que se nega a criar um Conselho Estadual de Políticas Públicas LGBT, se omitir em realizar conferências de políticas públicas, como outros estados realizaram, ou garantir direitos basilares, como a garantia de saúde mental para pessoas LGBT, inclusive detentas que estão sob sua responsabilidade. E se omite em todas as políticas públicas para o segmento. Ademais, estudos da UFMG e Unicamp, ainda em 2020, apontam que a população LGBT está mais vulnerável ao desemprego e à depressão por causa da pandemia: “Por causa do preconceito, do medo da violência, muitas pessoas que fazem parte da comunidade LGBT vivem em alerta, com cautela, o que já as deixam vulneráveis à depressão, à ansiedade. Uma outra situação é que com o isolamento social, pessoas que vivem em casas onde há relações conflituosas sofrem muito mais”, constatou o pesquisador e demógrafo da UFMG, Samuel Silva.
Assim, temos mais perguntas que respostas, sofremos as mortes, sem dados precisos, contamos entre conhecidas, conhecides e conhecidos dados de vacinação, sem ter como responder efetivamente: Como anda a vacinação contra Covid-19 em relação às pessoas LGBT? Como tem sido seu acesso à saúde e à proteção social durante a pandemia? São perguntas cujos dados seguem fragmentados, pois devido ao governo genocida, o ataque além de ser pelas formas violentas, também segue através do apagamento sistemático de dados, corpos, e vidas.
Luzes em prédios públicos e lives são bem vindas, bem como a bandeira do arco-íris, a bandeira lésbica, a bandeira trans, a bandeira bissexual hasteadas onde for são importantes, mas não bastam se suas cores não vierem atreladas a uma prática e compromisso com uma sociedade livre da LGBTfobia. Pessoas cis heteras aliadas tem papel importante nessa luta também, e muita resposabilidade cientes de seus privilégios de gênero e orientação sexual.
Hoje, no dia 28 de junho de 2021, nós, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), e pessoas cis heteras aliadas, do campo e da cidade, seguimos em luta contra a necropolítica e o sistema neoliberal que sustenta este (des)governo federal e seus “braços” locais e dita uma agenda de extermínio, de genocídio, com o objetivo de transformar as vidas, expressas nas cores LGBT em cinzas. O orgulho LGBT, é sobre luta por direitos, cidadania, é sobre a revolta contra a LGBTfobia perpetrada pelo Estado.
Por isso: Impeachment Já. Fora Bolsonaro Genocida. Fora Zema. Fora Gustavo Nunes. Fora Marcos Vinícius Bizarro. Basta de LGBTfobia. Por todas as pessoas que vieram antes de nós, por todas que perdemos, por nós e pelas gerações vindouras: rompamos, sobrevivamos e lutemos em defesa da vida!!!