Nota | Um mês de rompimento em Aurizona: uma população refém da lama tóxica da mineradora Equinox Gold
Completa-se um mês do rompimento da barragem da empresa Equinox Gold em Aurizona; mineradora continua negando rompimento e sistematicamente violando direitos dos atingidos
Publicado 25/04/2021 - Atualizado 25/04/2021
Há um mês, rompeu-se a barragem secundária de mineração denominada Lagoa de Pirocaua, da empresa Equinox Gold, localizada no Distrito de Aurizona, em Godofredo Viana, no Maranhão. O rompimento causou a contaminação das principais fontes de água doce da região, como o reservatório Juiz de Fora, principal fonte de água potável que abastecia diariamente toda a população do distrito de Aurizona, deixando mais de 4 mil habitantes a 30 dias sem acesso à água potável. Ao se espalhar por diversos pontos, a lama tóxica também afetou a única estrada de acesso da região, deixando a comunidade isolada por mais de 3 dias. O rompimento também causou impactos imensuráveis e, provavelmente, irreparáveis ao meio ambiente de toda a região, já que se trata de uma área de reserva extrativista, com a forte presença de recursos naturais, rios de água doce e salgada, praias, manguezais, todo um território que compõe a Amazônia no Maranhão.
A barragem que se rompeu é de responsabilidade da Equinox Gold, empresa privada canadense que atua em quatro estados brasileiros e também em países como Estados Unidos e México. No estado do Maranhão possui a concessão de 10.000 hectares para exploração, abrangendo diversos municípios na região oeste, para a exploração mineral de ouro. Nessa área concedida à empresa estão instaladas várias barragens, a principal delas é a barragem do Vené, uma barragem de rejeitos provenientes das operações de diversas minas a céu aberto, como a mina Piaba e a mina Tatajuba, onde já haviam sido descobertas 750 mil toneladas de ouro estocado, com as novas pesquisas realizadas na região provavelmente essa quantidade tenha dobrado como também estimativa de lucro anual que, até pouco tempo era 1 bilhão de reais ao ano, de acordo com informações oficiais da empresa. Atualmente a mineradora explora cerca de 500 hectares em suas operações, segundo informações oficiais do governo federal. Com isso, muitos dos habitantes que antes residiam ali foram expulsos para outros lugares, cidades vizinhas, e os que restaram vivem praticamente em modo de segurança “máxima”.
Os moradores que viviam da caça, pesca e de pequenas plantações sofreram com a alteração de todo o seu modo de vida desde a instalação da mineradora, os moradores locais são proibidos de exercer essas atividades, como a extração de caranguejos nos manguezais ou mesmo de catar açaí, macaba, entre outras, sob o risco de serem denunciados e criminalizados por vias judiciais pela empresa.
Em relação ao rompimento da barragem, ocorrido no último dia 25 de março, sabe-se que a causa central foram intervenções feitas dias antes pela empresa com retroescavadeiras, para que a água da chuva não entrasse na mina, foram então feitos caminhos na direção da barragem e, com isso ela rompeu. A Secretaria de Estado de Meio Ambiente também identificou um problema na Cava leste da mina Piaba, que provavelmente seja a principal causa da contaminação da água.
Há indícios que somente ocorreu o rompimento porque eles preferiram interferir na área, prejudicar a população já que sabiam dos riscos, para evitar maiores problemas em suas minas. A razão parece estar vinculada a uma pesquisa feita na área que resultou na descoberta de ainda mais ouro e anunciada dias antes do rompimento, o medo é que impactos nas operações da mina afugentassem os investidores. A atividade minerária de exploração de ouro desempenhada pela mineradora na região é baseada na utilização de diversos componentes químicos altamente tóxicos para os seres humanos e para a natureza, como mércurio, ácido sulfúrico, amônia, cianeto, soda caústica, entre outros. Com o rompimento da barragem, há uma grande possibilidade de grande parte das fontes de água da região estarem contaminadas com essas substâncias químicas, inclusive porque em diálogo com os secretários de estado de direitos humanos e meio ambiente com o MAB foi repassado que o laudo preliminar feito apresenta dados complexos na lama tóxica da empresa.
Como se não bastasse o rompimento que causou a morte do principal reservatorio do distrito de aurizona, numa tentativa de resolver o problema, a empresa Equinox Gold está entregando água contaminada para a população. Desde a sua instalação, a empresa tem causado graves impactos a população atingida e violações sistemáticas aos direitos humanos. A atuação da empresa têm gerado em toda a região um cenário de medo e insegurança muito grande por parte da população, com as explosões de dinamites e toda a atividade econômica da mineradora Equinox Gold, ao ponto de que as famílias não conseguem dormir, nem viver em paz. Desde o ínicio da exploração da mineradora, há mais de 10 anos, os moradores de Aurizona perderam todos os seus direitos (o direito ao trabalho, ao direito à terra, o direito à participação e a informação, o direito à moradia digna, o direito à água potável, o direito à saúde, o direito à segurança, o direito de ir e vir, o direito à manifestação e a organização social). A prova disso é a principal contradição deste modelo que faz com que num território onde está situado um dos maiores complexos de exploração de ouro do Brasil e do mundo, o complexo de minas da MASA (Mineração Aurizonas), com mais de 750 mil toneladas de ouro em apenas uma mina, possa existir populações atingidas direta e indiretamente que são diariamente colocadas à margem destes processos e excluídas permanente dos benefícios, ficando apenas com os malefícios e prejuízos desta exploração.
Em Aurizona, a população local que vive à jusante das barragens não tem estrutura mínima de sobrevivência no local. Famílias vivem até hoje em casas de taipa, sem acesso à saúde, trabalho e educação, bem como, direitos básicos como água e saneamento, então, qual o benefício da mineração para a região? Ao contrário, a empresa está destruindo, expulsando e matando aos poucos a população de aurizona. As famílias vivem sob o medo de acordar soterradas, com os riscos de deslizamento das montanhas de estéril ou de novos rompimentos das barragens. Em meio à todas estas violações, a empresa criminaliza a população. Há casos de perseguição, intimidação e assassinato de lideranças na região e as famílias relatam que, em Aurizona, entre os lutadores é difícil quem não responda a processos judiciais.
Percebe-se que, a mineração possui uma prática muito mais agressiva do que os outros empreendimentos. Para manter-se na região, elas buscam e articulam o que existe de pior: a anti-participação, a divisão da comunidade, a cooptação dos poderes locais e adoção de um alto grau de violência que se revela não só através da sistemática negação dos direitos humanos, mas, também no aparelhamento do crime organizado (milícias rurais), que serve para perseguir, amedontrar, intimidar e ameaçar as lideranças e os defensores dos direitos humanos, as sementes que brotam da indignação do povo face às injustiças que são praticadas permanentemente nestes territórios. Nas palavras de um atingido local, a atuação da mineradora na região é vista como “uma verdadeira ditadura da empresa”. Por onde passam, as mineradoras deixam um rastro danoso de destruição dos modos de vida das comunidades e de total agressão ao meio-ambiente, no entanto, agem permanentemente para apagar as evidências dos crimes socioambientais que cometem nestes locais. Na região, um dos reflexos graves que demonstra a atuação da mineradora é o fato dela continuar negando que houve rompimento, e chegando ao ponto de entregar água contaminada para a população, deixando-as sujeitas a todas as substâncias tóxicas da lama, há mais de 30 dias, e ao uso diário de água imprópria que já começa a causar doenças graves em crianças e bebês recém-nascidos, simplesmente porque, até o momento, a empresa não foi capaz de viabilizar uma solução digna e segura para a população.
No Maranhão nós temos a maior exploração de ouro do Brasil e, pasmem, até então, os maranhenses sequer sabiam disso. A grande maioria dos trabalhadores só souberam a partir do acontecimento de mais esta tragédia em nosso país. Isto porque a mineradora na região atua por debaixo dos panos, de maneira encoberta e silenciosa. Tudo isso é proposital, já que a atividade mineral é uma atividade de profunda exploração dos trabalhadores e do meio-ambiente.
Essa atuação tem feito com que a empresa Equinox Gold possa continuar com total controle e acesso sobre a área. Dias após o rompimento a empresa realizou diversas interferências na área afetada no intuito de maquiar e esconder as provas, mesmo após a tardia interdição da área do rompimento realizada pela Agência Nacional de Mineração no dia 01 de abril. Segundo relato dos moradores, dois dias antes da decisão de interdição, a mineradora realizou três explosões de dinamites na aréa do rompimento, o que, para nós, é mais um crime e irresponsabilidade da empresa com a população que vive na região. Ações como essa também foram realizadas pela mineradora em 2018, quando ocorreram deslizamentos das montanhas de estéril atingindo importantes fontes de água da região.
O modelo energético brasileiro é tão controverso e conivente com as grandes empresas privadas que a própria empresa é quem faz o seu automonitoramento.
A Equinox Gold contrata uma empresa para fiscaliza-la e depois repassar as suas informações para os órgãos ambientais estadual e federal. Uma contradição gritante deste modelo é que, até então, a lagoa de Pirocaua, a barragem que se rompeu não constava nos dados de cadastramentos das barragens de mineração da ANM, era uma barragem totalmente irregular e ilegal, que apresenta instabilidade e no entanto, isto não era conhecido pelos órgãos ambientais. Só após o rompimento, a Equinox Gold foi notificada pelo órgãos ambientais do Estado do Maranhão para que repassasse as informações para a Agência Nacional de Mineração e só com isso que a agência pode tomar conhecimento e acionar a interdição. A prova disso é que a ANM só interditou a barragem, após o rompimento, no dia 29 de março, quatro dias após o rompimento foi que os dados das barragens da Equinox Gold foram publicados no site da ANM. Coisa que deveria ter sido feita muito antes, inclusive, para evitar que a barragem chegasse a romper.
Uma outra denúncia que vem sendo feita é que a empresa não está mais ligando a sirene, protocolo que fazia anteriormente, toda vez que a empresa ia realizar estouros de dinamites. Agora, ela não aciona mais a sirene e não coloca a placa avisando a população que transita próximo pela estrada, que fica próximo ao local, com receio da reação da população. A negação do direito à informação é outra violação que vem sendo cometida pela empresa em diversos momentos, desde que se instalou na região.
Cerca de 10 dias após o ocorrido, no dia 08 de abril, a Secretaria Estadual de Meio-ambiente e Recursos Naturais – SEMA publicou uma nota na qual informa o rompimento da barragem e ressalta que a mesma causou sérios danos sócio-ambientais na região. Com tudo isso já reconhecido pelos órgãos do Estado Brasileiro, é certo que a empresa não pode mais continuar negando o ocorrido. Todavia, entendendo que estamos em luta de classes, sabemos que a empresa continuará negando, omitindo e manipulando os dados e os fatos da realidade, na tentativa desesperada de limpar sua imagem perante o imperialismo global assim como perante toda a sociedade. Depois dos graves crimes socioambientais cometidos pela mineradora Vale, tidos como os maiores crimes ambientais do Brasil e do mundo, é sabido que, empresa de mineração nenhuma quer ser associada a novos casos de rompimentos e crimes desta natureza no Brasil. Com isso, a Equinox Gold tenta a todo custo espalhar fake news, esconder e ocultar a dura realidade, tão conhecida pelos que são impactados por ela.
A experiência dos atingidos somada aos dados da realidade nos diz que, esse crime socioambiental tende a ser muito mais grave do que a opinião pública consegue imaginar até o momento. Até agora, os atingidos e atingidas ainda não dispõem dos laudos técnicos e preliminares que atestam o que aconteceu e os impactos causados pelo rompimento. Até agora, os atingidos continuam com diversas perguntas e questionamentos: Se há grandes chances das principais fontes de água, até mesmo o lençol freático da região estarem contaminadas na região, como e quando será resolvido o problema da água na região de forma permanente e segura para a população? E qual é o real impacto desse rompimento na vida das pessoas e do meio ambiente no médio e longo prazo? Quando a população terá acesso a algum benefício da mineradora na região ou serão, todavia, só malefícios? Quando a justiça será feita?
O que se sabe é que, a mineradora não veio para trazer benefícios pra a população local, veio estabelecer um negócio que já opera há mais de 10 anos na região, extraindo toneladas e toneladas de ouro por ano e exportando para fora do país, produzindo, com isso, lucros altissimos para os seus acionistas canadenses. Enquanto isso, a população de Aurizona fica com os malefícios desta exploração. Essa é a realidade dos atingidos por barragens no Brasil, em todos os casos de mineração e nos demais empreendimentos energéticos.
Não podemos continuar aceitando um modelo energético que só privilegia as grandes empresas transnacionais e que privatiza todas as nossas riquezas, todo nosso patrimônio, entregando-o nas mãos do imperialismo internacional, enquanto o povo brasileiro continua cada vez mais empobrecido e sem qualquer direito e dignidade garantida.
Temos que lutar para que as riquezas produzidas pelo trabalho coletivo dos trabalhadores possa ser dividida para todo o povo atingido do Maranhão e do Brasil, bem como para toda a sociedade. E para que seja instituída uma outra forma de tratamento com as populações atingidas por barragens em cada recanto do nosso país, onde os direitos violados sejam reparados e a população atingida historicamente possa ser respeitada e atendida de forma digna e soberana.