“Que o que estamos passando no Amapá sirva de lição”, comenta presidente de sindicato dos urbanitários
Crise no estado escancara descaso governamental e efeitos danosos da privatização; leia a entrevista com Jedilson de Oliveira, presidente do STIU-Amapá
Publicado 22/11/2020 - Atualizado 21/08/2024
Após 20 dias passando por dificuldades, com racionamento de energia e água, os amapaenses continuam nas ruas em protesto contra o descaso governamental com a situação. No último dia 3, um transformador da empresa privada, Isolux, que faz o abastecimento do estado pegou fogo, as causas ainda são apuradas, mas já há indícios de falta de manutenção.
Mesmo com a crise, o presidente Jair Bolsonaro só esteve no Amapá neste sábado para o acionamento de geradores termoelétricos, que prometia dar estabilidade para a situação, o que ainda não ocorreu.
O Movimento dos Atingidos por Barragens conversou sobre o assunto com Jedilson Santa Bárbara de Oliveira, presidente do STIUAP (Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Urbanitários do Amapá). Confira:
MAB: Primeiro, como está a situação de momento no Amapá, após o segundo apagão geral? Como estão funcionando esses rodízios de abastecimento? Descreva um pouco o cenário no qual a população está vivendo.
Jedilson de Oliveira: Continua um momento tenso, a população está nas ruas, principalmente nas cidades de Macapá e o município próximo que é Santana, a segunda maior cidade do estado, cobrando os direitos, cobrando a normatização, porque o rodízio continua afetando muito a população como um todo, e deixa uma fragilidade na própria questão da segurança das pessoas.
E sobre o abastecimento de água?
Essa questão, conforme afetou a crise energética, também afetou o abastecimento de água, então, tem residências que a água praticamente não chega nas torneiras. Isso faz com que a população busque outros recursos. E até para beber água, houve um aumento significativo do garrafão de 20 litros de água mineral. No início, foi muito tumultuado, hoje está um pouco mais controlado, mas o preço ainda é muito elevado, fora da realidade. O próprio comércio, com toda essa crise, fez com que aumentasse, e a população esteja pagando o preço pra consumir. Temos que pensar também nas perdas de alimentos, muitos foram jogados fora, apodrecidos, por não ter como ser mantidos em refrigeração.
Com esse problema que ocasionou o primeiro apagão, após o incêndio no começo do mês, de onde vem a energia gerada para abastecer o estado no sistema de rodízio?
O primeiro apagão ocorreu no último dia 3 de novembro e passado todos esses dias permanecemos com rodízio e essa crise. Essa energia vem do linhão de Tucuruí, então essa subestação da Isolux recebe essa energia e é a principal subestação do estado, que recebe com 230 kv e faz o rebaixamento dessa energia, onde a distribuidora local faz a distribuição da energia para as residências, conforme é de praxe o papel da distribuidora.
Sabemos que a empresa responsável pela falha é privatizada. Isso reacendeu uma luta contra a privatização do setor elétrico no Brasil. Qual a sua opinião? Você concorda que a privatização gera má qualidade do serviço e altas tarifas?
A gente fica muito revoltado com esse fato porque essa subestação não estava sendo fiscalizada e nem sendo monitorada pelos órgãos competentes que regulam o setor energético. Como é que um transformador pega fogo com dano total e não tem outro pra substituir? Então isso, no início, nos trouxe uma situação de muito desconforto. Com essas políticas adotadas pelo atual governo, com a ideia de privatizar as nossas riquezas que nós temos, a energia. Quando a gente fala de soberania, estamos falando de algo com muita segurança porque o setor elétrico é um setor muito estratégico, e com isso, a gente tem como lutar para evitar essa loucura desse governo de privatizar setores tão estratégicos do nosso país.
O apagão do Amapá deixou uma lição importante para o povo brasileiro e para o governo atual, que privatizar significa encarecer a tarifa para a população, principalmente para quem está na periferia, significa precariedade dos serviços pela falta de manutenção, pela falta de mão de obra qualificada, com excelência, que nós temos nas empresas públicas, e o mais agravante da privatização foi deixar um estado inteiro no escuro, como nós estamos passando neste período de crise agora.
Qual a importância da Eletrobras na resolução da crise no Amapá?
Hoje a gente agradece muito a importância da Eletrobras aqui no estado, com a presença da Eletronorte, sendo uma subsidiária da Eletrobras, onde os técnicos locais junto com técnicos vindo do Maranhão, Belém do Pará e Rondônia, com seus equipamentos. Foi uma logística muito positiva e rápida para tentar o restabelecimento e dar uma certa tranquilidade para população amapaense. Então temos que deixar bem claro o que é o papel de um empresa privada dentro de um sistema tão complexo e tão importante que é o setor energético.
Observamos uma grande omissão do governo federal com o povo do Amapá. Nesse cenário, quais as perspectivas estão dadas para resolução prática do problema e para o futuro do abastecimento de energia elétrica no estado?
Então, isso fica como um recado para os nossos governantes e parlamentares que compõem o Congresso Nacional, porque o povo muitas vezes não pode nem participar das discussões que são feitas naquela casa, por isso, precisamos estar muito unidos, porque o que aconteceu hoje aqui no nosso estado deve servir de lição para o povo ir às ruas cobrar seus direitos, e é isso que temos feito aqui. Enquanto entidade de classe representativa do setor elétrico, nós urbanitários, junto com outras entidades, temos cobrado dos parlamentares uma maior atuação, por isso, recentemente saiu uma liminar do juiz federal afastando os diretores ANEEL e ONS, órgãos responsáveis pela fiscalização e regulamentação do setor elétrico, que não deram atenção devida para essa empresa quando ela se instalou aqui no estado. Que nós possamos sempre unir forças, de norte a sul do Brasil, para lutar contra esse mal que o governo quer implantar com as políticas neoliberais.