MAB reúne atingidos de 34 municípios em encontro online que debateu a promoção da justiça a partir da organização popular e da luta por direitos
Publicado 13/10/2020 - Atualizado 16/10/2020
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realiza, desde o dia 5 de outubro de 2020, a Jornada de Lutas “Vale com a injustiça nas mãos: 5 anos sem reparação”.
Com uma programação de atos virtuais, lives, ações nas redes e atos presenciais simbólicos em respeito aos cuidados sanitários durante a pandemia, a jornada denuncia a impunidade do crime que matou 19 pessoas, provocou um aborto, destruiu a bacia do rio Doce e gerou grandes danos ao litoral do Espírito Santo.
Parte deste esforço de luta é dialogar diretamente com a base organizada para debater a conjuntura nacional, fazer o balanço deste período de cinco anos e falar dos desafios políticos e organizativos para o próximo período.
Como parte da programação, foi realizado na noite de quinta-feira (8) o Encontro dos Atingidos e Atingidas do Rio Doce com o tema “Justiça só com organização popular e luta por direitos”.
Os atingidos de 34 cidades e convidados foram recebidos na sala virtual com músicas do cancioneiro popular. Para abrir a atividade, Aline Ruas, militante do MAB, cantou para os presentes os seguintes versos:
Abram caminho para a luta, sorriam em vez de se curvar, quero justiça, eu quero a lei
E juntos vamos andar, vamos está em pé, nos erguer, com amor no coração
Não há justiça se há sofrer, não há justiça se há temor. E se a gente sempre se curvar
Kawo nós vamos vencer, guerreiro que sabe lutar
Kawo nós vamos vencer, guerreira que sabe lutar
Inspirados pela bela canção, os presentes reafirmaram a animação diante do imenso desafio de enfrentar os inimigos do povo que atuam na bacia do rio Doce. Lidiene Cardoso e Lina Anchieta, também militantes da organização, recitaram o poema “Apenas Povo“:
Somos mais que atingidos e atingidas pelo crime da Vale, Samarco e BHP Billiton
Queremos gritar nossas palavras de ordem, queremos expressar o que sufoca nosso peito
Mostramos o quanto somos capazes, de nos organizarmos,
De nos unirmos, mostramos a disponibilidade de lutar.
Nós já saímos de nossos recantos, já falamos com toda nossa simplicidade
Não falamos de teoria, mas da nossa vivencia com o rio,
Não falamos da dor de alguém, falamos das nossas dores, do que sentimos.
Quem somos?
Povo organizado, somos o MAB!
Para dialogar com os atingidos e convidados, Letícia Faria e Gilberto Cervinski, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), falaram sobre o processo histórico da luta por direitos, o papel dos inimigos do povo que tem no Poder Judiciário e na Fundação Renova grandes aliados, além de apontarem os desafios da organização popular na luta por direitos.
Atingidos de diversas cidades debateram a análise que trouxe dados da atuação das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, o lucro bilionário delas no último período, os direitos que elas retiraram nos últimos cinco anos, e também as conquistas alcançadas pela luta.
Entre muitos comentários, Joao Paulo Lyrio Izoto, morador de Praia Grande, município de Fundão, no Espírito Santo, destaca que “o pacote de maldades da Renova já está em curso e que o povo sente e quer reagir”.
“Sabemos que os problemas que não resolvemos sempre voltam a nos assombrar. Por exemplo, no nosso caso, a atuação oportunista dos advogados, os estudos de confiança ainda não feitos, a postura da Justiça que atende plenamente os objetivos das empresas”.
João Paulo Izoto, atingido no Espírito Santo
Izoto reafirmou a importância de continuar o esforço organizativo apesar do tempo e dos danos não resolvidos. “Nosso compromisso é com a sociedade brasileira e com todos os atingidos que em qualquer parte tem ou terá os seus direitos violados. Aceitar uma reparação rebaixada é diminuir as possibilidades de ganhos reais em outras situações. Por isto, é preciso acreditar na organização que projeta nossos acúmulos para a história e permite avanços em situações que nem imaginamos”, conclui.
Letícia Faria foi no mesmo sentido afirmando que é preciso “organizar para reconstruir”, mas que, para isso, precisamos conversar sempre com mais pessoas para que elas entendam o que defendemos.
“É preciso fortalecer um processo pedagógico e organizativo que garanta a presença do movimento em vários pontos da bacia e estes pontos devem estar integrados em um processo só. Esta unidade é a única força capaz de enfrentar os inimigos que estão unificados e muito bem organizados propagando todo tipo de informação contra o povo”.
Letícia Faria, da coordenação do MAB
Para Cervinski, o povo tem que saber quem são os verdadeiros inimigos e quais suas forças. Mas, ao mesmo tempo, ter clareza sobre a nossa própria força e importância.
“Vejam, mesmo com todo o dinheiro, com toda a influência econômica e política em todos os setores e tendo milhares de funcionários a sua disposição, as empresas não conseguem nos esmagar completamente. Depois de cinco anos, vocês ainda estão aqui na luta reafirmando que não vão desistir”, afirmou.
“O tempo passado [do crime] e a pandemia prejudicam nossa atuação, mas também ajudam. Passados cinco anos, as pessoas também vão percebendo quem são os caloteiros e quem está sempre com o povo. Quem organiza e apoia as comunidades desde o começo. Quem nunca traiu o povo e sempre buscou dentro das suas possibilidades o melhor para os atingidos? Certamente o MAB e podemos afirmar isto com toda segurança”.
Gilberto Cervinski, da coordenação do MAB
Gilberto concluiu reafirmando a importância de cada um no processo da luta: “não se sintam pequenos. Se sintam gigantes. Estamos no lado certo da história. O lado do povo. E isto ninguém nega ou nos tira. E vamos com este compromisso lutar até o fim, até transformar a sociedade em todos os sentidos. Se animem!”, concluiu.
O Encontro dos Atingidos e Atingidas do Rio Doce com o tema Justiça só com organização popular e luta por direitos reuniu atingidos e atingidas pelos crimes da Vale dos municípios, nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo: Ipatinga, Periquito, Governador Valadares, Resplendor, Conselheiro Pena, Aimorés, Itueta, Barra Longa, São José do Goiabal, Raul Soares, Ponte Nova, Guaraciaba, Acaiaca, Colatina, Vitória, São Mateus, Linhares, Serra, Fundão e Baixo Guandu.
Da Bacia do Paraopeba estiveram presentes atingidos de Brumadinho, Congonhas, Juatuba, São Joaquim de Bicas, Pompeu e Curvelo. E prestando solidariedade estavam atingidos e convidados de Belo Horizonte, Grâo Mogol, Salinas, Araçuaí, Almenara, Diamantina, em Minas Gerais, e Porto Alegre e Severiano de Almeida, no Rio Grade do Sul.