As mobilizações devem acontecer em mais de 10 cidades da bacia do rio conhecido popularmente como Velho Chico
Publicado 02/10/2020
As mobilizações devem acontecer em mais de 10 cidades da bacia do São Francisco Populações tradicionais, ambientalistas e ativistas da região da bacia do rio São Francisco comemorarão a data de 4 de outubro, dia do rio São Francisco, com muitas mobilizações e ações que têm o objetivo de celebrar a data, mas também de alertar para os perigos que ameaçam a permanência de um dos rios mais queridos e mais importantes do Brasil.
As mobilizações são iniciativas de dois coletivos de ativistas que têm o rio São Francisco como pauta, o Velho Chico Vive e a Articulação Popular São Francisco Vivo, e estão sendo pensadas para terem início no dia 1 de outubro e seguirem até o dia 5 de outubro, com ações nas redes sociais, mas também com atividades presenciais em mais de dez cidades espalhadas pelos estados de Minas Gerais, Bahia, Alagoas e Sergipe.
As atividades presenciais acontecerão de maneira cautelosa, para evitar aglomerações que coloquem a vida dos participantes em risco. Mas o espírito de alerta e visibilidade para os perigos que o rio São Francisco e as suas populações tradicionais correm, será mantido. As mobilizações estão sendo motivadas pelas recentes ameaças de implantação da Usina Hidrelétrica (UHE) do Formoso em Pirapora (MG) e as movimentações para a instalação de uma Usina Nuclear em Itacuruba (PE), ambas na bacia do rio São Francisco. Populações tradicionais que vivem nas barrancas do Velho Chico e ambientalistas e ativistas estão apreensivos e reivindicam a não instalação dos empreendimentos. Uma terceira ameaça que entra na pauta de reivindicações e que afeta diretamente os povos e comunidades tradicionais da região é a Instrução Normativa 67, emitida pelo Ministério da Economia, e que muda o processo de regularização das Terras Públicas da União.
“O nosso objetivo é chamar a atenção da opinião pública, mobilizar as vontades populares organizadas, para acionar as autoridades competentes, MPF, os órgãos estaduais, o judiciário, para que esses novos empreendimentos não sejam efetivados e não agridam mais a vida que já vai por um fio em toda a bacia do São Francisco”, explica um dos coordenadores da Articulação São Francisco Vivo, o sociólogo e coordenador da Comissão Pastoral da Terra Nacional, Ruben Siqueira.
Para o pescador de Buritizeiros (MG) e membro do Movimento dos Pescadores e Pescadoras artesanais, Clarindo Pereira, a instalação da Usina Hidrelétrica de Formoso pode piorar os impactos causados pela UHE de Três Marias, instalada na região desde a década de 1960.
“Como pescadores artesanais, nós recebemos os impactos diretos das alterações das enchentes ordinárias causadas pela barragem UHE de Três Marias, trazendo um grande prejuízo na produção pesqueira em nossos territórios, pois as espécies de peixes nativos e existentes no Rio São Francisco se preparam para a Piracema de acordo com a qualidade e o aumento do volume das águas no período das chuvas”, explica.
Como a regulação do volume de água varia de acordo com a abertura das comportas da Usina, a reprodução dos peixes fica prejudicada. “Se a UHE do Formoso for construída vai matar de vez o nosso Rio, matando junto nossa tradição, nossa cultura, matando assim a vida de um povo que o Rio São Francisco abraça e cuida há muitas gerações”, lamenta Clarindo.
As preocupações do pescador estão apoiadas em dados alarmantes. A UHE Formoso é um projeto de represa hidrelétrica no leito do Rio São Francisco com barramento na altura do afluente Formoso. A represa alagaria uma extensa área, que corresponde a 32 mil campos de futebol, entre os municípios mineiros de Pirapora, Buritizeiro, Várzea da Palma, Lassance e São Gonçalo do Abaeté. Os estudos que permitem a instalação da hidrelétrica fundamentam-se em informações das vazões do rio da década de 90.
A autorização para a instalação da Usina Hidrelétrica também carece de parecer da Agência Nacional das Águas (ANA) sobre a disponibilidade hídrica. O Formulário de Caracterização Ambiental omite diversas informações sobre a região como patrimônio, comunidades tradicionais, lagoas marginais, mineração à montante, entre outros. Se vier a ser construída, a UHE Formoso será a décima Usina Hidrelétrica do Velho Chico, um rio que já sofre há anos com os impactos das barragens, responsáveis pelas mudanças no regime das águas e pela reprodução das espécies. A outra ameaça ao Velho Chico é a Usina Nuclear de Itacuruba, cidade localizada no sertão de Pernambuco, às margens da barragem de Itaparica. Apesar de não haver um anúncio oficial, declarações de integrantes do governo apontam que a usina deve ser construída em breve.
“Se a construção de uma Usina Nuclear for concretizada, vai usar água do rio, da barragem, para resfriar as caldeiras daquelas chaleiras atômicas. A água contaminada por radiação e altíssimas temperaturas, praticamente inviabilizará toda a vida na região abaixo”, aponta Ruben.
Ele ainda alerta para a recente Instrução Normativa 67 do Ministério da Economia e da Secretaria de Patrimônio da União, lançada no dia 3 de agosto, e que facilita a privatização das terras da União às margens dos rios, dos lagos e das lagoas federais.
“São áreas de antiga posse e domínio, que a lei facilita a posse para comunidades tradicionais, e está mais do que evidente que esse anúncio de novo procedimento de medidas é para dificultar a vida dessas comunidades e facilitar empreendimentos de irrigação, de turismo e imobiliários, em toda a calha do rio São Francisco, como também de outros rios e corpos d’águas federais”, denuncia. “O rio não aguenta mais, o povo do rio não aguenta mais e é isso que queremos protestar”, finaliza Ruben.