Mineração no rastro das hidrelétricas do Alto Tapajós

Na terceira matéria da série ‘A morte anunciada de um rio’ sobre as ameaças na região do rio Teles Pires, localizada no Alto Tapajós, abordamos a relação estreita entre mineradoras e os empreendimentos hidrelétricos

O primeiro projeto de médio porte para a geração de energia nas águas da bacia do Alto Tapajós, na Amazônia, foi a Usina Hidrelétrica (UHE) Dardanelos, em Aripuanã, Mato Grosso. Erguida em 2008, em meio ao Salto das Andorinhas, a 976 quilômetros da capital, a hidrelétrica tem capacidade para menos de 100 Mw/h, mas mesmo assim gerou inúmeras polêmicas durante o seu licenciamento,  impactou terras indígenas e o meio ambiente.

Dez anos depois, a vida numa das cidades mais isoladas de Mato Grosso foi novamente estremecida com a instalação de uma planta industrial de mineração do Grupo Nexa (antiga Votorantim Metais), o Projeto Aripuanã, que deverá aproveitar a geração de energia da UHE para a extração.  

Balsa de ouro no rio Teles Pires (Juliana Arini)

Segundo a assessoria da Nexa, responsável pelo licenciamento dessa planta de mineração, está previsto na região a exploração e beneficiamento de zinco, cobre e chumbo.  A produção média anual deverá ser, em média, 120 mil toneladas de zinco equivalente, 70 mil toneladas de zinco, 23 mil toneladas de chumbo e 4 mil toneladas de cobre. 

Hidrelétricas e mineração sempre caminharam lado a lado na Amazônia. Gerar um terço da energia que seria consumida no projeto da Alumínio Brasileiro S/A (Albras) era uma das principais justificativas para a construção da  Hidrelétrica de Tucuruí, em 1984. A quarta maior hidrelétrica do mundo, e segunda do Brasil, já beneficiou com sua energia empresas japonesas, a antiga estatal Companhia Vale do Rio Doce, hoje grupo Vale, mineradoras norueguesas e o Consórcio de Alumínio do Maranhão (Alumar), formado pela britânica BHP Billiton e pela Alcoa, em São Luís. A Comissão Mundial de Barragem  que foram gastos US$ 7,5 bilhões para construir Tucuruí. 

A hidrelétrica de Belo Monte é outro gigante energético vizinho de uma mineradora, a canadense a Belo Sun Mineração Ltda, controlada pela  Belo Sun Mining Corporation. O grupo explora ouro na região de Belo Monte e tenta implantar na região o Projeto “Volta Grande”, que prevê a extração em grande escala de 107,8 toneladas de ouro a céu aberto (a maior mina do Brasil), por um período de 17 anos.

A vida das populações da floresta acaba dependente desses projetos. Em Aripuanã, a grande maioria dos seus quase 20 mil habitantes trabalha para as construtoras responsáveis pela instalação da mineradora. Hotéis, restaurantes e os mercados e quase todos comércios locais tem a econômica ligada ao empreendimento. Mas, nem todos aprovam a mineradora.   

Máquinas retroescavadeiras queimadas e abandonadas na entrada da cidade revelam um pouco  desse cenário de conflitos. Em outubro de 2019, uma ação de desintrusão da área, promovida pela Polícia Federal após um pedido Judicial impretado pela Nexa, retirou quase dois mil garimpeiros da área, rica em cobre e ouro.

A ação da Polífica na Serra de Santo Expedito terminou com a morte de um dos garimpeiros. “A polícia chegou atirando. Ele era um senhor, tinha passado a noite trabalhando na mina, mas é assim, eles fazem a vontade da mineradora”,  diz o presidente da cooperativa de mineradores e garimpeiros da região de Aripuanã (Coopemiga) garimpeiros da região, Antônio Vieira da Silva.

Antônio da Silva, presidente da cooperativa de garimpeiros da regiao de Aripuana (MT) – Coopemiga – em um dos seus tratores que foram destruídos durante operaçao da Polícia Federal, em 2019. (Ahmad Jarrah)

Segundo a Nexa, o pedido de desintrusão não teria sido motivado a pedido da empresa.  “A Nexa não é proprietária dos imóveis onde vem ocorrendo as atividades de garimpo em Aripuanã, detendo apenas os direitos minerários. A Operação Trypes, realizada em outubro de 2019, foi de exclusiva responsabilidade da Polícia Federal, que também contou com o apoio da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Mato Grosso. A Nexa esclarece que, por determinação da Justiça, forneceu apoio logístico conforme requerido pelas autoridades policiais. Isso se deveu porque o empreendimento em construção da empresa é o local com infraestrutura mais próxima da ação dos órgãos de segurança”, disse a empresa em nota.

Construída pelo Consórcio Neoenergia, a UHE Dardanelos também desencadeou um boom de novos projetos de geração de energia na bacia do Alto Tapajós, formada pelos rios Juruena e Teles Pires. Com a instalação de novos pontos da rede nacional via SIN, ficou mais fácil construir novas centrais hidrelétricas. 

 A Operação Amazônia Nativa (Opan) aponta existirem hoje 32 empreendimentos apenas na bacia do Juruena e mais 138 em planejamento. Já na Bacia do rio Teles Pires existem 14 Pchs e quatro megaempreendimentos que geram juntos mais de 3,2 gigabits hora de energia.

A maior dessas usinas, a Teles Pires, foi construída pelo mesmo Consórcio responsável pela UHE Dardanelos, o Grupo Neoenergia. Outra coincidência é que Grande parte da energia gerada nessa região pode também acabar direcionada para a mineração, porém em proporções muito maiores do que já acontece em Aripuanã.

Nova Fronteira do cobre

Entre as águas de quatro usinas hidrelétricas – UHE Colider (342 MW/h), UHE Sinop (461 MW/h), UHE Teles Pires (1,820 MW/h) e UEH São Manoel (746 MW/h) – pode existir uma das maiores riquezas da Amazônia.  A Província Mineral de Alta Floresta, no Alto Tapajós, já vem sendo explorada há seis décadas por pequenos e médios garimpeiros através de balsas rudimentares de mergulho. Mas, desde 2017 especula-se existir ali um dos metais mais cobiçados do mercado mineral internacional, o cobre. 

A região corresponde a uma faixa que se estende por mais de 500 quilômetros no norte do Estado de Mato Grosso. A província abrange desde as nascentes do rio Peixoto de Azevedo, a leste,  ao rio Juruena, a oeste. Entre os municípios que podem ter minério em suas áreas estão: Peixoto de Azevedo, Terra Nova do Norte, Guarantã do Norte, Matupá, Novo Mundo, Nova Canaã do Norte, Colíder, Nova Guarita, Alta Floresta, Paranaíta, Apiacás, Carlinda, Nova Bandeirantes e Nova Monte Verde, todos em Mato Grosso. Estudos recentes, indicam a extensão dessa Província para oeste, alcançando os municípios de Juruena, Colniza, Cotriguaçu e Aripuanã, onde está a UHE Dardanelos e o projeto da Nexa. 

A descoberta de grandes depósitos de minérios teria intensificado em 2018. “Houve o 4° Simpósio das Províncias Metalogenéticas Brasileiras e então,  começou a aflorar trabalhos de pesquisa e exploração nesses depósitos de ouro, com cobre disseminado, conhecidos usualmente como Cobre Pórfiro”, explica Antônio João Gonçalves, geólogo da Companhia Matrogrossense de Mineração – Metamat.

Segundo a empresa estatal os estudos foram concentrados em alvos exploratórios descobertos pela empresa Amazon Gold, uma júnior company australiana – nome que as empresas estrangeiras usam para entrar no Brasil. As áreas estudadas eram conhecidas como Jaca, Ana, Sarado, Morro Feio, União, Boneca e Pé Quente, todos antigos remanescentes de garimpos artesanais.  

Foi o Grupo Bio Gold e a Fides Mineração que começaram uma joint venture com a empresa britânica Anglo American. A união resultou em dados que poderiam indicar alguns desses alvos exploratórios, como depósitos do tipo Cobre Pórfiro, o mais cobiçado.

Apesar de todas as licenças de pesquisa e do intenso tráfico de geólogos na região, as empresas ainda não assume que existem uma grande mina de cobre. “Esse é um segredo industrial do setor, apenas podem revelar algo  quando acreditarem que o investimento é seguro”, explica Antônio João da Metamat.

Enquanto guardam segredos sobre os planos futuros, as mineradoras internacionais monopolizam centenas de licenças  de pesquisa emitidas entre o Norte de Mato Grosso e Sul do Pará. A Anglo American Níquel Brasil L.t.d.a possui o maior número de requerimentos na Agência Nacional de Mineração (ANM), seguida pela Nexa Recursos Minerais S.A. (instalada também em Aripuanã) e pela subsidiária nacional da chilena Codelpa do Brasil Mineração.

Representantes da  mineradora confirmam o interesse na Amazônia. “A Anglo American está desenvolvendo fases preliminares de pesquisa mineral para prospecção de jazidas de cobre no estado de Mato Grosso e Pará. Ainda é cedo para afirmar se existe viabilidade econômica e socioambiental do projeto,” afirmam a companhia em nota.

Peteca é o nome do depósito da porção leste da Província Aurífera de Alta Floresta (PAAF) mais cobiçado.  O setor leste da PAAF apresenta depósitos com ouro, cobre, molibdênio, chumbo e zinco. Uma pesquisa da Universidade de Campinas (Unicamp), revelou que os principais minérios presentes no Peteca, são o ouro e o cobre, resultam de dois processos diferentes de mineralização, que ocorreram em períodos distintos.

A Anglo American é uma das gigantes da mineração mundial, grande produtora de cobre, e hoje a oitava em valor de mercado. Segundo a Metamat, as 284 áreas requeridas pela companhia representam 1,9 milhão de hectares. Muitas dessas áreas já teriam sido descartadas após levantamentos aerofísicos com aviões. 

Enquanto não se há um horizonte para o futuro da mineração na região do Teles Pires, o cobre segue como um dos metais mais procurados no mundo.  “Estamos vivendo um período mundial de corrida pelo cobre. As minas estão escassas e não há mais tantas em operação no mundo. Isso significa que mesmo não sendo depósitos muito grandes, podemos ter novas minas industriais em Mato Grosso. Por enquanto ainda são pesquisas, mas ninguém impede que exista muito mais cobre do que se especula”, explica o geólogo Dailan Esvaldino dos Santos, da Metamat. 

No meio deste processo, o presidente Jair Bolsonaro busca concretizar uma de suas promessas de campanha através da PL 191/2020 para legalizar a mineração dentro dos territórios indígenas. Uma ação que pode ampliar a escala da exploração de minérios e a destruição por completo do rio Teles Pires. Oito organizações que representam diferentes comunidades do povo Munduruku já manifestaram posicionamento contrário à proposta do Governo Federal. 

Garimpo artesanal

Outro risco iminente são os  conflitos entre as mineradoras e os garimpeiros da região do teles Pires. Situação similar  a das cidades de Aripuanã e Pontes de Lacerda. 

“A região de Alta Floresta e Paranaíta têm muita balsa e pequenos garimpos terrestres. As cooperativas conseguiram requerer algumas áreas. Com a chegada das empresas poderá ocorrer um recuo”, diz Gilson Gaboim da Cooperativa de Garimpeiros do Vale do Rio Peixoto (Coogavepe). 

Garimpo artesanal de ouro na região de Alta Floresta. (Juliana Arini)

 “Já ouvimos falar dessa área de cobre lá e das mineradores interessadas. Mas não conseguirmos imaginar o impacto disso na classe garimpeira. O que eu sei é que atualmente nas áreas já requeridas por empresas em Mato Grosso, os garimpeiros têm muita dificuldade de conseguir alguma atividade e se legalizarem.” 

Em Aripuanã, o presidente da Coopemiga ainda tem esperanças de conseguir legalizar a área da Serra de Santo Expedito. “Não queremos muito, apenas que nos deixem trabalhar no pedaço que já estamos”, diz Antônio da Silva.

Os estudos que indicaram a existência do cobre  na Bacia do Alto Tajapós foram executados há duas décadas pela Companhia Brasileira de Recursos Minerais (CPRM). 

Esta matéria foi produzida em parceria com o Coletivo Proteja Amazônia. 

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