Mineradoras tentam boicotar assessorias técnicas dos atingidos

Apesar de aprovadas em acordos judiciais, apenas três das 26 Assessorias Técnicas Independentes previstas nas bacias dos rios Doce e Paraopeba estão em funcionamento devido à recusa das empresas envolvidasPor […]

Apesar de aprovadas em acordos judiciais, apenas três das 26 Assessorias Técnicas Independentes previstas nas bacias dos rios Doce e Paraopeba estão em funcionamento devido à recusa das empresas envolvidas

Por Guilherme Weimann, de Belo Horizonte (MG) especial para o MAB

Foto: Coletivo de Comunicação do MAB

Desde o rompimento da barragem do Fundão, no município Mariana (MG), em novembro de 2015, as comunidades denunciam o poder das mineradoras na condução do processo de mitigação dos danos. Na prática, os réus (Samarco, BHP Billiton e Vale) são os que determinam quem são as vítimas e as ações que devem ser realizadas para reparação das perdas.

Nesse cenário, organizações da sociedade civil elaboraram um instrumento para tentar diminuir a desigualdade de poder entre as mineradoras e os atingidos. As Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) surgiram, justamente, com o objetivo de empoderar comunidades afetadas e dar a elas condições de produzirem seus próprios diagnósticos sobre os diversos impactos do rompimento em suas vidas.

Para isso, cada ATI agrega um grupo interdisciplinar de profissionais especializados (advogados, psicólogos, assistentes sociais, agrônomos, etc), definidos por cada região de acordo com as suas demandas específicas.

Essa foi justamente a proposta acordada no Termo de Ajustamento Preliminar (TAP), assinado pelo Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e mineradoras (Samarco, BHP Billiton e Vale), em janeiro de 2017, e celebrada no Termo Aditivo, em novembro de 2017.

Construído sobre três eixos – meio ambiente, socioeconômico e monitoramento das ações da Fundação Renova – o TAP instituiu o Fundo Brasil de Direitos Humanos como organização responsável para conduzir, junto aos atingidos, o processo de escolha das Assessorias Técnicas.

Com isso, a partir do segundo semestre de 2018, o Fundo Brasil realizou audiências públicas que garantiam às comunidades a definição de dezoito entidades para as Assessorias Técnicas espalhadas ao longo de toda a Bacia do Rio Doce, desde Mariana até a foz, no Espírito Santo. Entretanto, até hoje, nenhuma dessas Assessorias Técnicas estão em funcionamento.

Em carta aberta, cinco entidades que foram indicadas para assumirem as Assessorias Técnicas nos diferentes territórios ao longo da Bacia do Rio Doce (Aedas, Adai, Cáritas Diocesa de Itabira, Cáritas Diocesana de Governador Valadares e Centro Agroecológico Tamanduá) denunciam que o valor global financeiro apresentado pelas mineradoras é catorze vezes menor do que o construído de forma participativa, e aprovado pela Força Tarefa e pelo Fundo Brasil. Além disso, as empresas contestam o tempo de quatro anos de duração das Assessorias Técnicas, aprovado pela Justiça. Para as mineradoras, o tempo de trabalho deveria ser de apenas um ano.

De acordo com a advogada do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Tchenna Maso, a Assessoria Técnica é “um direito fundamental para assegurar aos atingidos uma reparação integral, pois permite que quem foi afetado pelo crime participe informado da construção do processo reparatório”.

Em relação à recusa das mineradoras em cumprir o acordo de viabilizar o instrumento, Maso opina: “Quando a Vale e as empresas negam a efetivação deste direito, estão negando o direito das populações atingidas decidirem sobre como as coisas devem ser refeitas após o rompimento, desencadeando uma série de violações aos direitos humanos”.

Os únicos locais onde as Assessorias Técnicas já estão operando são os municípios mineiros de Mariana, Barra Longa e Rio Doce (que abarca também Santa Cruz do Escalvado e Chopotó), selecionados diretamente pelo Ministério Público em consultas públicas aos moradores, antes do Fundo Brasil ser apontado como intermediador do processo.

Brumadinho: a história se repete

Morosidade semelhante está ocorrendo na Bacia do Rio Paraopeba, afetada pelo rompimento da barragem em Brumadinho (MG), de propriedade da Vale, em janeiro de 2019. O Termo de Acordo Preliminar (TAP), assinado em fevereiro do ano passado, instituem a criação das Assessorias Técnicas Independentes.

Como no caso do Rio Doce, cinco Assessorias Técnicas foram escolhidas pelas comunidades para atuarem ao longo do território que engloba desde Brumadinho até Pompéu, em Minas Gerais. Entretanto, novamente, a Vale tenta deslegitimá-las e atrasar sua implementação.

Em documento encaminhado pela defesa da Vale à 6ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, a mineradora pede a redução do orçamento, do escopo de atuação e do tempo de duração das Assessorias. Na prática, utiliza-se dos mesmos argumentos que impediram até hoje o início do trabalho das Assessorias na Bacia do Rio Doce.

De acordo com a advogada Heiza Maria Dias, da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), selecionada para conduzir o processo das Assessorias Técnicas em Brumadinho e no Território 2 (Mário Campos, São Joaquim de Bicas, Betim, Joatuba e Igarapé), as discordâncias da Vale desvirtuam radicalmente o papel original das Assessorias.

“As contestações da Vale apontam para a descaracterização do direito à Assessoria Técnica. Em relação ao escopo é importante destacar que a empresa propõe uma Assessoria Técnica sem técnicos e sem consultorias, restando apenas a administração do projeto e mobilizadores, e estes em números reduzidos também”, relata Dias.

Segundo a advogada, na prática, a Vale pretende reduzir a função das Assessorias ao repasse de informes e, dessa forma, “limita a crítica dos atingidos às informações e à produção de informações a partir de sua visão”.

Com os planos de trabalho já formulados, as entidades selecionadas pelas Assessorias Técnicas Independentes esperam uma resolução da Justiça para dar o pontapé nas atividades previstas para a região atingida, que estão há um ano sem medidas efetivas para solucionar os problemas causados pelos rejeitos da mina de Córrego do Feijão.

Até o fechamento desta reportagem, a Vale, proprietária da barragem que se rompeu em Brumadinho (MG), não respondeu aos questionamentos enviados sobre o assunto. 

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