Sobre as muitas belezas que nos atravessam na luta
Publicado 24/11/2025 - Actualizado 25/11/2025

“Cristo não disse aos seus primeiros apóstolos: ‘Ide e pregai tolices ao mundo'”.
Dante Alighieri, Canto 29 do Paraíso
“Você chora diante da beleza?”, perguntava aos seus entrevistados Antônio Abujamra, ator, diretor, dramaturgo e um fascinante provocador. Que saudades tenho dele! Parecia aquele velho ranzinza da vizinhança que de manhã xinga por ver a pipa voando sobre seu telhado, e à tarde chama para comer biscoitos e contar histórias cheirando a fumo Trevo.
Sim, eu choro diante da beleza. Lágrimas furtivas, algumas outras vistosas e vibrantes. Todas silenciosas regando um jardim secreto.
Choro diante dos que explodem em contradições e sabem quem são. Assim, não se entregam à vaidade e a uma lista grande de certezas: primeiro passo para a ruína.
Choro diante da dedicação silenciosa às tarefas mais árduas e invisíveis. Dos que limpam os banheiros, as plenárias, organizam materiais e secretariam a organização, os que mantêm as cozinhas funcionando, os que fazem de cada momento a mística que alimenta a razão e os sentidos.
Lágrimas secretas descem para o jardim quando vejo uma jovem fechar sua clínica de estética e, durante uma semana, doar seu tempo integralmente para acolher, na massoterapia, os cansados do dia.
Pelos que entendem que a realidade não é o exercício egoísta das nossas demandas e vontades. Não somos sozinhos o centro de nada, mas parte de um quadro muito maior com todas as contradições e possibilidades em movimento. Quadro que é a história dos sonhos e das lutas para vivê-los.
A beleza está em tudo. No açaí com Dourado, Filhote ou Pirarucu; na subida com Dante e Beatriz aos céus do Paraíso de Dante; em ver Carlos Drummond de Andrade derramar-se em sua “A Rosa do Povo”; em ouvir Carminho cantar “Sangrando”, de Gonzaguinha; ou Alcione e Cauby Peixoto as composições de Antônio Carlos Jobim; ou ver Jamelão empolgando a avenida; ou Lecy Brandão e Mano Brown juntos no palco; ou ainda Dona Onete girando a saia colorida no Ver o Peso.
A beleza te alcança? Como ela entra em seu jardim interior?
Nós também somos o Movimento dos Atingidos pela Beleza (MAB), o encontro daqueles que reconheçam que o belo é o trabalho, a contradição, a criatividade, o movimento, a diversidade, o imponderável, as surpresas, a possibilidade, as boas notícias que chegam sem anúncios, sem memes, apenas no dia a dia vivido na arte de ser, no silêncio dos que nunca dão entrevistas, dos que simplesmente confiam e amam o povo e caminham com ele.
Thiago Alves é jornalista e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Minas Gerais. Atua ativamente no campo das lutas populares e, entre uma tarefa e outra, observa as pessoas e paisagens redor, buscando perceber a beleza do cotidiano, que vira prosa simples, crônicas sem pretensão.