Atingidos pela crise climática se reúnem na Cúpula dos Povos para dialogar sobre caminhos para a reconstrução do RS
Enquanto o mundo se debate para encontrar soluções às mudanças, o povo gaúcho luta por reparação e mostra que há saídas possíveis evitar o agravamento dos eventos extremos
Publicado 18/11/2025 - Actualizado 18/11/2025

O Rio Grande do Sul se tornou, em maio de 2024, um dos piores retratos da crise climática que já atinge, indiscriminadamente, o mundo inteiro. Não é possível passar por este momento tão necessário e favorável para discutir as mudanças climáticas sem voltar os olhos ao povo gaúcho, que mesmo um ano e meio depois da última enchente, aguarda e luta por reparação. No Estado, foram mais de 470 municípios afetados, resultando em 184 mortes, milhões de pessoas atingidas e cerca de 100 mil casas destruídas.
A realidade da população atingida pelas enchentes no Rio Grande do Sul, e por outros eventos climáticos no mundo, foi debatida em um seminário realizado na tarde do último sábado (15), durante a Cúpula dos Povos, em Belém (PA). O encontro oportunizou partilhas de atingidos de Cuba, Colômbia e África do Sul, além da participação de parceiros da luta do MAB pela reconstrução do RS e reparação dos atingidos.
Como ponto de partida para as discussões, Andreia Soares, do MAB do Rio Grande do Sul, iniciou apresentando a situação dos atingidos gaúchos. Ela relatou que o Estado possui mais de 10 mil barragens e explicou o contexto das chuvas que atingiram a região em maio de 2024, apontando a relação direta com os rios voadores que descem da Amazônia em direção ao sul do continente.

Andreia destacou que no Vale do Taquari – a região mais afetada em maio de 2024 – foram registradas seis enchentes entre 1941 e 2008 (em 67 anos), e esse também é o número de inundações nos últimos 14 anos. O agravamento da crise climática fez com que, entre 2011 e 2025, a região passasse por outras seis grandes enchentes que atingiram especialmente as populações das periferias. “86% da população atingida recebia até dois salários mínimos antes da enchente e esta situação só piorou, tornando os vulneráveis ainda mais vulneráveis”, realçou ela.
A mitigação da crise climática em Cuba e África do Sul
“Eu via as cenas de Porto Alegre em 2024 e agora tenho certeza que vivemos o mesmo fenômeno, resultado da crise climática”, analisou a cubana Marilín Peña Pérez. A atingida contou que este ano as inundações afetaram no país entre três a cinco milhões de pessoas, e ressaltou que, graças ao sistema de proteção e prevenção aos desastres climáticos implementado em Cuba, a enchente não deixou nenhuma vítima. Somado a este sistema há também uma intensa campanha de conscientização em todo o país: “Desde as crianças até as pessoas adultas em Cuba, sabem exatamente o que devem fazer durante um furacão, isso por causa de um processo de educação e formação com a população”, explicou a cubana.
A realidade na África do Sul já é o oposto, como relatou Genny Ngende, da International Rivers. A falta de estrutura afeta saúde, educação, saneamento e todos os serviços básicos à população, em um contexto em que qualquer política pública é raridade. Genny lembrou que a África tem 54 países e que cada um tem a sua própria forma de reagir à crise climática, especialmente em situações extremas. “Entretanto, há algo em comum: todos são sempre reativos, e nunca preventivos”, ressaltou.

A sul-africana pontuou também o alto índice de migrações geradas pelos eventos extremos no continente e destacou que acredita na organização coletiva como forma de enfrentamento à crise: “Na International Rivers temos feito muitas coisas em campo, ensinando e aprendendo com as comunidades sobre como mitigar a crise climática. Uma das coisas efetivas que temos visto é organizar os movimentos em plataformas internacionais, porque discutimos sobre uma mesma crise”, declarou.
A parceria com a Fundação Banco do Brasil
O seminário foi executado em parceria com a Fundação Banco do Brasil (FBB), como parte do projeto de cooperação estabelecido com a Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (ANAB). Marco Aurélio Cirilo Lemos, representou a Fundação Banco do Brasil no evento e realçou a importância da parceria para garantir que os recursos disponibilizados pela instituição sejam aplicados a partir de uma outra lógica.
“A Fundação Banco do Brasil quer estar próxima, escutar as pessoas em seus territórios, suas demandas e anseios. Acreditamos na soberania alimentar e energética como forma de propiciar a autonomia das comunidades, e por isso propomos uma reconstrução que não faça do mesmo jeito, mas que seja cuidadosa com o meio ambiente”.
Especificamente sobre o Rio Grande do Sul, Marco citou o esforço da FBB neste último ano, desde as enchentes, para o investimento de 50 milhões dos recursos da fundação para o Estado. Além de outros 25 milhões que estão em vista para o apoio à economia solidária. Ressaltando a importância da parceria histórica com o MAB, que já vem desde 2011, Lemos reafirmou o compromisso de reconstruir ‘com’ e não ‘para’ as pessoas, colocando a prioridade na transição energética, como forma de alcançar a sustentabilidade e dignidade das pessoas atingidas.
