PERFIL | Iris Kashindi’: a luta e os sonhos por terra e liberdade

Na travessia de Iris, da República Democrática do Congo, a força ancestral que resiste aos muros das barragens e acende a luz da esperança coletiva

Iris compartilhou a experiência dos impactos coloniais e energéticos que marcam a luta de comunidades congolesas por justiça e reparação. Foto: Nivea Magno / MAB

A paisagem está em quem olha, não no objeto. Cores, sons, movimentos, tragédias e crimes, tudo se torna um mosaico vivo e vibrante diante daquele que enxerga o mundo com a lente da diversidade. Uma paisagem completa não permite muros, pede pontes. De todas as possibilidades desse conjunto, o mais valioso é a paisagem humana, as pessoas, as gentes que dão vida a esse mosaico. São elas que fazem a paisagem tornar-se território. 

O IV Encontro Internacional de Comunidades Atingidas por Barragens e Crise Climática, realizado em Belém (PA), entre os dias 07 e 12 de novembro, foi uma dessas pontes na paisagem da COP 30. Ligou experiências, culturas, processos de violações de direitos e lutas por reparação; promoveu encontros, sorrisos e lágrimas, e lançou para o mundo a força de um movimento internacional de grande importância para o nosso tempo.

Iris Kashindi’, veio da República Democrática do Congo para deixar sua contribuição nessa imensa feira dos aprendizados. Deixou em casa, esposa e dois filhos – de dois e oito anos de idade. Atravessou o oceano em um enorme esforço de viagem, que ainda tem o desafio da comunicação: falar o lingala (língua bantu de seu país), o francês e o inglês não é fácil para quem chega nessas terras colonizadas por Portugal. Nascido em Kinshasa, capital e maior cidade da República Democrática do Congo, cresceu perto das barragens de Inga 1 e Inga 2, um dos mais ambiciosos complexos de produção de energia elétrica do mundo, concebidos ainda durante a violenta ocupação colonial da Bélgica.

“Temos as maiores barragens, mas não temos eletricidade, a energia não vai para as comunidades”, comenta Iris. Comparando dados disponíveis em relatórios públicos, observa-se que a média do consumo individual de energia no país da África Central de mais de 106 milhões de habitantes é de 147 kWh. 

Na Bélgica, o consumo é de cerca de 6 mil kWh por pessoa, 42 vezes mais em um país de apenas 12 milhões de habitantes. Nos EUA, que tem 342 milhões de moradores, este número ainda é mais alarmante: o acesso individual é 81 vezes maior, tendo um pouco mais que o triplo da população kinshasa-congolesa. Eis um dos legados coloniais que Iris e a sua organização enfrentam. 

Ele integra a Coalizão de Organizações da Sociedade Civil para o Monitoramento de Reformas e Ação Pública (Corap) que vem denunciando os danos causados pelas hidrelétricas e propondo soluções para os problemas.A Corap foi criada por amigos que viram a necessidade de fiscalizar o setor elétrico no país, discutir porque a energia está indo para fora e porque nossas comunidades não têm eletricidade”, explica Iris. 

Nos últimos anos, a Corap tem feito um amplo debate sobre a construção de Inga 3 ou “a grande barragem de Inga”, projeto que, desde os anos 1980, preocupa por ser um imenso complexo que amplia os danos gerados pelas barragens anteriores, sem resolver a injusta distribuição de energia e as reparações necessárias. 

“O país tem 50 barragens abandonadas. Por que fazer novas? Queremos debater e questionar o governo que impulsiona essas construções com recurso do Banco Mundial”.

O legado da colonização genocida dos belgas marca a vida de um povo que enfrenta desafios cotidianos. “Temos dois desafios principais: vivemos com um governo que é ditadura, que não permite liberdade. Ao mesmo tempo, não temos dinheiro para fazer o trabalho necessário para enfrentar as situações”, comenta Iris. 

Mas a persistência ancestral, que marca cada pessoa deste imenso continente, faz com que Iris seja parte do movimento que transforma a paisagem desolada pelas barragens em território de esperança e organização que ditam os sonhos das lutas por libertação. “Meu sonho é seguir em frente, é construir com as comunidades; é promover a luta contra o sistema, contra as barragens e forçar os governos a nos respeitarem, a garantir nossos direitos”, enfatiza. 

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