Povos reafirmam soberania e denunciam poder corporativo nas plenárias dos eixos 1 e 2 da Cúpula dos Povos
Representantes de organizações de todo o mundo compartilharam denúncias e experiências de resistência, construindo caminhos comuns de enfrentamento à crise climática e às violações do capital
Publicado 13/11/2025

Na manhã desta quarta-feira (13), a Universidade Federal do Pará (UFPA) foi palco de mais um momento de intensa mobilização popular durante a Cúpula dos Povos. Em dois espaços, com centenas de participantes, as plenárias dos Eixos 1 e 2 reuniu representantes de organizações, movimentos e povos de todo o mundo em torno de temas centrais da luta por justiça climática, soberania e reparação histórica.
As plenárias tiveram místicas de abertura, leitura das sínteses produzidas nos grupos de estudo, falas das mesas de debate e a tradicional “fila do povo”, que abriu espaço para relatos e denúncias vindas dos territórios atingidos.
Eixo 1: Territórios vivos e soberania alimentar
Na Tenda Solidariedade, o debate do Eixo 1 “Territórios e Maretórios vivos, soberania popular e alimentar” reforçou que não há transição energética justa sem garantir os direitos dos povos da terra, das águas e das florestas. As discussões apontaram que proteger os territórios é proteger a vida, a biodiversidade e o futuro das próximas gerações.
Entre as principais reivindicações estão a regularização fundiária, o reconhecimento dos direitos coletivos de povos e comunidades tradicionais e o fortalecimento da agroecologia como caminho para a soberania alimentar e o Bem Viver. A cultura, a comunicação popular e a educação intercultural também foram reafirmadas como dimensões essenciais da resistência e da preservação dos modos de vida.
De acordo com Maria Gonçalves, da coordenação nacional do MAB, que participou dos grupos de debate preparatórios do eixo, a luta por justiça climática começa nos territórios.
“Quando o MAB luta pelo respeito às diversidades produtivas e culturais, denunciando o avanço dos grandes empreendimentos do capital, estamos construindo uma contraproposta a esse modelo de desenvolvimento. Nossas experiências de soberania alimentar, com o uso de tecnologias sociais como cisternas e biodigestores, são respostas concretas à crise climática. Ao defender territórios vivos e soberania alimentar, reafirmamos que quem enfrenta a crise climática são os povos, não o mercado”, afirma.

Eixo 2: Reparação histórica e enfrentamento ao poder corporativo
No Ginásio Resistência, a plenária do Eixo 2 “Reparação histórica, combate ao racismo ambiental, às falsas soluções e ao poder corporativo” destacou as violações causadas por grandes corporações, os impactos do agronegócio e da mineração e a necessidade de responsabilização e reparação integral às populações atingidas.
Entre os temas centrais, esteve a Campanha Global pelo Desmantelamento do Poder Corporativo e pela Soberania dos Povos, e a construção de um Tratado Vinculante Internacional sobre Empresas Transnacionais e Direitos Humanos, em discussão na ONU. Moisés Borges, da coordenação nacional do MAB, destacou que as corporações têm capturado os espaços de decisão global, transformando organismos internacionais em instrumentos de seus interesses.

“A captura corporativa da ONU e das COPs faz com que esses espaços, que deveriam debater com a sociedade, já nasçam dominados pelas empresas. Elas violam direitos humanos e capturam o poder estatal, executivo, legislativo e judiciário. É o que vemos em Mariana, Brumadinho, Belo Monte. O lucro é colocado acima da vida”, concluiu Moisés.
Segundo Moisés, o enfrentamento a essa estrutura deve ser construído de forma articulada entre povos e territórios: “A luta é territorial e global. A Vale, que está no Brasil, também está em Moçambique e na Ásia. Precisamos de estratégias comuns de enfrentamento. Por isso, a Campanha Global e o Tratado Vinculante são ferramentas fundamentais para garantir o direito das populações atingidas dizerem não e receberem reparação integral.”
Os demais integrantes da mesa de debate reafirmaram a dimensão internacional da injustiça climática. Foram denunciadas práticas de racismo ambiental, dumping industrial e mercantilização da natureza que afetam diretamente comunidades rurais e tradicionais em diversos continentes.
Rudo Ângela, da África do Sul e membro do Movimento Internacional dos Atingidos por Barragens, Crise Climática e Crimes Socioambientais (MAR) denunciou: “Na África temos o racismo ambiental expresso nas práticas de dumping, na mineração e na poluição industrial. Essas atividades afetam as comunidades mais marginalizadas e, neste contexto, as populações rurais são as mais discriminadas. No Delta no Rio Níger, há derramamento de óleo e exploração de gás, que destroem ecossistemas e modos de vida, onde as comunidades locais são atingidas sem reparação justa.”
Para Jesús Vázquez, de Porto Rico, representante da Via Campesina, “O mundo está pegando fogo, e esse fogo não foi ateado pelos povos. Os governos e as transnacionais do norte global criaram essa crise e ninguém virá nos ajudar. Apenas o povo ajuda o povo”.
A síntese das plenárias aponta para um mesmo horizonte: os povos do mundo resistem ao avanço do capital sobre a natureza, e reafirmam sua soberania como caminho para a justiça climática e o bem viver.
