Abertura da cúpula dos povos em Belém reafirma o protagonismo popular na luta climática
A abertura reuniu movimentos sociais, pesquisadores, lideranças e trabalhadores de todo o Brasil, defendendo que sem participação popular não há justiça climática
Publicado 13/11/2025

A manhã desta quarta-feira (12) marcou a abertura oficial da Cúpula dos Povos pela Justiça Climática, realizada no campus da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém. O evento, que integra a COP Popular, organizada pelos movimentos sociais em paralelo à COP 30, nasce como uma resposta direta do povo aos processos de negociação fechados, que historicamente excluem os atingidos por barragens, povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas, mulheres, trabalhadores urbanos e juventudes da Amazônia e de todo o Brasil.
Entre tambores, cantos e bandeiras que tremulavam sob o sol amazônico, a abertura reafirmou que a Amazônia não é apenas território de impacto: é território de voz, ciência, cultura e resistência. A UFPA, que abriga o encontro, tornou-se novamente palco de um chamado global por justiça e um chamado que vem das margens dos rios, das ocupações, das aldeias, dos quilombos e das periferias urbanas.
Como encontro popular, que reúne 1.200 militantes do MAB de todas as regiões do país, a Cúpula simboliza a urgência de recolocar o povo no centro das decisões que moldam o futuro do clima, da água e da vida.
O que é a Cúpula dos Povos?
A Cúpula dos Povos é um espaço internacional de mobilização, formação e denúncia, construído coletivamente pelos movimentos sociais em defesa dos territórios, da democracia e da vida. Mais que um evento paralelo, ela afirma como um contraponto popular às negociações oficiais da COP, questionando sua distância histórica das populações que mais sofrem com a crise climática e quase nunca encontram espaço para falar: atingidos por barragens, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses, trabalhadores urbanos e juventudes periféricas.
Aqui, o debate não nasce de gabinetes nem de relatórios fechados: nasce das margens dos rios, das ocupações, das comunidades, dos quilombos e aldeias. É um espaço onde a palavra retorna ao seu lugar de origem, as bases, e onde cada experiência concreta de dor, resistência e criação coletiva se transforma em horizonte político.
Na Cúpula, as denúncias contra barragens, mineração, petróleo, hidrovias, desmatamento e todos os modelos de espoliação que alimentam a crise climática se encontram com propostas construídas pelo próprio povo: energia popular, agroecologia, soberania alimentar, defesa da água, justiça territorial e novas formas de viver em equilíbrio com a natureza. Portanto, é um grande território de encontro que reafirma que soluções climáticas reais só podem nascer de quem vive, resiste e reinventa o mundo a partir dos próprios territórios.
Logo na abertura, o reitor da UFPA destacou a importância da universidade como território vivo dos movimentos sociais:
“A UFPA é uma universidade popular, que produz ciência articulada com os quilombolas, povos indígenas, ribeirinhos e todas as populações tradicionais da Amazônia. Temos orgulho de ser a maior universidade da Pan-Amazônia e a terceira maior universidade pública do Brasil e reafirmamos: não existe conhecimento superior a outro. Sem educação, sem saúde, sem direitos humanos, sem acolhimento aos povos indígenas, quilombolas, populações tradicionais e à população LGBTQIA+, não há justiça climática.”
Uma COP feita a pulmão: a força dos povos em movimento

A abertura da Cúpula foi marcada por reflexões sobre o esforço coletivo para construir uma COP Popular em meio às dificuldades estruturais da Amazônia. Representando movimentos aliados, Ivan Gonzales, Membro da Comissão Política da Cúpula dos Povos, também é Coordenador Político da Confederação Sindical das Américas (CSA), organização sindical continental que representa as centrais de 21 países – desde a Argentina até os Estados Unidos – trouxe uma fala contundente sobre desigualdade, resistência e organização:
“A Cúpula dos Povos é feita no braço, com sacrifício. Tem companheiros chegando de longe sem sequer terem garantida sua alimentação, mas estamos aqui para mostrar que dependemos do planeta, e não desse capitalismo da morte. Aqueles que estão lá na COP 30 não sabem quem somos, mas, seguiremos aqui, para além de Belém, em cada lugar onde houver luta e esperança. Enviamos nossa solidariedade aos povos que resistem no Congo, Nepal, Palestina e tantos outros territórios”, finalizou Ivan.

Encerrando a cerimônia, Guilherme Boulos destacou que tentar desqualificar o povo tem sido estratégia permanente dos setores que lucram com a destruição ambiental:
“Há quem ache que participação popular é encenação, mas a COP acaba daqui a poucos dias; o que fica é a mobilização social. Para enfrentar a crise climática, temos inimigos poderosos: as petrolíferas, o agronegócio predatório, a mineração que devasta territórios. Por isso, é imprescindível ter juventude, campo, cidade, mulheres, indígenas, quilombolas, todos de pé. São vocês os protagonistas do enfrentamento real à crise climática.”
Um começo que aponta para o futuro
Com a força das bases, das delegações populares e do compromisso coletivo com a justiça climática, a Cúpula dos Povos iniciou seus trabalhos reafirmando um princípio que ecoa em cada canto da Amazônia: nenhuma transição ecológica será justa sem o povo. O primeiro dia já mostrou que este não é um encontro de observadores, mas de protagonistas, gente que conhece a crise climática no corpo, na terra, na beira do rio, na conta de luz, no alimento que falta e na dignidade negada pelas grandes obras e pelo poder corporativo.
Ao longo dos próximos dias, a UFPA se transforma em território vivo de diálogo e enfrentamento. Serão assembleias que cruzam experiências de resistência, oficinas que costuram saberes tradicionais e populares, místicas que afirmam a espiritualidade dos povos, debates que tensionam o modelo energético, apresentações culturais que celebram a memória coletiva e articulações internacionais que constroem novos caminhos de solidariedade planetária.
Tudo isso tendo o povo amazônida, suas águas, suas lutas, seus modos de existir no centro do mundo. O MAB segue presente, firme e necessário, porque os atingidos e atingidas não pedem licença para existir. Eles entram, ocupam, denunciam e propõem. Onde o povo organiza, nasce o futuro. Onde o povo levanta a voz, a história muda de direção. E é isso que a Cúpula anuncia desde o primeiro instante: a transição justa começa aqui, nos territórios, nas comunidades, nas mãos que insistem em reconstruir o Brasil e defender a vida.
