Curitiba, 1997: o berço da internacionalização da luta dos atingidos por barragens
Chegar ao IV Encontro Internacional de Comunidades Atingidas por Barragens e Crise Climática significa avançar mais um passo em uma história iniciada há quase três décadas. Para aprofundar esse caminho, começamos hoje uma série de textos sobre os primeiros três encontros internacionais
Publicado 31/10/2025 - Actualizado 31/10/2025

Março de 1997: Curitiba, no sul do Brasil, acolhia o I Encontro Internacional de Atingidos por Barragens. Dos dias 12 a 14, atingidos de 20 países participaram do encontro na capital paranaense no contexto de mundo que fervilhava em barragens e criava milhares de atingidos a cada ano.
Já desde as décadas anteriores, estas populações se davam conta que a luta pelos direitos das populações enfrentava empresas e organismos internacionais, e que, para responder de forma adequada a agressão que os atingidos sofriam, era necessária e urgente a articulações e incidência internacional.
O primeiro passo dado nessa direção ocorreu após contatos iniciais com parceiros internacionais na luta contra as barragem – especialmente a ONG International Rivers Network e professores de universidades brasileiras. Em setembro de 1995, o MAB organizou um encontro preparatório em Itamonte, Minas Gerais. Dois anos mais tarde, a ideia se tornou realidade em Curitiba.
O principal legado deixado pelo I Encontro Internacional foi expresso no documento final, a Declaração de Curitiba – Pelo direito à vida e aos modos de vida das populações atingidas por barragens. Os debates travados com os representantes de organizações, movimentos sociais e ONGs e a Declaração apontaram para a exigência de uma moratória internacional nas grandes barragens, até que um número mínimo de demandas fosse alcançado, incluindo indenizações para as milhões de pessoas cujos modos de vida, cultura, economia e padrão social foram alterados ou destruídos devido à construção de barragens.
A Declaração apontava ainda para a importância da articulação internacionalista:
“Nossa luta é a mesma, porque, por toda parte, as barragens expulsam as pessoas de suas casas, inundam terras agrícolas férteis, florestas e lugares sagrados, destroem reservas pesqueiras e de abastecimento de água potável, provocam a desintegração social e cultural, assim como o empobrecimento econômico de nossas comunidades. Nossa luta é a mesma, porque, por toda parte, existe uma grande distância entre os benefícios econômicos e sociais prometidos pelos construtores de barragens e a realidade do que acontece após a construção”.
No documento, os participantes afirmaram o compromisso da ação internacional e de unificação de um dia internacional em comum para os atingidos de todo o mundo, consolidando o 14 de Março como o Dia Internacional de Luta contra as Barragens, pelos Rios, pela Água e pela Vida. Até então, a data era considerada, no Brasil, como o Dia Nacional de Luta contra as Barragens.

Ivanei Dalla Costa, integrante da coordenação do MAB, conta que o contexto que garantiu a realização do I Encontro Internacional era já ter um processo de articulação entre os atingidos dos vários países, que sofriam nas garras do capital ansioso pelo lucro que viria das barragens: “O que precedeu foi uma realidade concreta e o desafio de unir e trocar experiências das lutas que estavam acontecendo. O primeiro encontro abriu um caminho para fortalecer essa articulação, para dar evidência e fazer muita incidência a partir da necessidade dos atingidos. Além de também dizer da importância que seria seguir essa organização e esse processo”, afirma ela.
Para Ivanei, a realização do encontro em 1997 foi um sinal de ousadia e coragem para internacionalizar a luta dos atingidos, em uma articulação que se consolida até os dias de hoje. “Ele marca esse momento de abrir um caminho, mas também de ser um precedente para dizer que não podemos mais voltar atrás. Até hoje, as populações vivem problemas semelhantes. As mesmas empresas que constroem barragens no Brasil, constroem em outros países; e agora os eventos extremos da crise climática também afetam, de forma muito semelhante, as populações de vários países”, alerta.
A articulação, fruto do I Encontro Internacional, garantiu que um mês depois, em abril de 1997, durante um workshop do Banco Mundial em Gland, na Suíça, o MAB se tornasse parte da Comissão Mundial de Barragens – WCD (World Commission on Dams). A Comissão deu passos fundamentais ao longo de seus dois anos e meio de existência, desenvolvendo o mais amplo conjunto de estudos sobre o tema jamais realizado e reconhecendo milhares de atingidos em todo o mundo, a partir de uma amostra de 150 barragens.
O I Encontro Internacional em Curitiba não apenas antecipou a força que a união internacional dos atingidos poderia alcançar, mas também pavimentou o caminho para uma luta organizada em todos os continentes, estimulando que em muitos lugares do mundo os atingidos se levantassem com força para resistir contra as barragens. A Declaração final e o Dia Internacional de Luta são legados permanentes dos atingidos, que a partir daí ganharam mais força para ecoar sua voz pelo mundo.
Confira a Declaração de Curitiba na íntegra.
Rumo ao IV Encontro Internacional, continue acompanhando a história dos Encontros Internacionais na próxima segunda-feira, com o relato do II Encontro Internacional, na Tailândia.
