Atingidos realizam ato por reparação e avançam na luta por reconhecimento no Rio Grande do Sul
Em audiência na tarde da última sexta-feira (24), comunidades do Vale do Taquari pressionaram e conquistaram o direito ao acesso às listas que relacionam os atingidos de cada município, fundamentais para a luta por seus direitos
Publicado 27/10/2025

Foram três enchentes em menos de nove meses no Vale do Taquari, no interior gaúcho. A última, em maio de 2024, atingiu mais de 550 mil endereços. A carta lida pelos atingidos denuncia: não é possível aceitar que, passados mais de dois anos, tantas famílias ainda vivam em contêineres, sem moradia definitiva, e que a cada chuva as pessoas precisem sair para buscar abrigo em ginásios ou em casas de parentes.
Durante o ato realizado nesta sexta-feira (24), em Lajeado (RS), os participantes apontaram a imensa subnotificação no reconhecimento das moradias e das pessoas atingidas. Segundo um levantamento do MAB na região, mais da metade das famílias sequer está nas listas dos municípios, que estabelecem critérios que variam em cada prefeitura.
A pressão popular em frente ao Ministério Público chegou ao auditório do prédio onde acontecia mais uma audiência da Ação Civil Pública e resultou em uma conquista importante: a partir de agora, as listas com os nomes dos atingidos em cada município devem ser de acesso público. Isso garante o reconhecimento e fortalece a luta de cada família em busca de seus direitos, especialmente à moradia.
A pauta dos atingidos e atingidas do Vale do Taquari também inclui um programa para a reforma das moradias e solicita a transparência e fiscalização para a execução dos valores repassados pelo governo federal às prefeituras e governo estadual. A intenção é garantir efetivamente a aplicação dos recursos em favor dos atingidos e não apenas para infraestruturas públicas ou empresas, como tem ocorrido com o fundo formado para a reconstrução do Rio Grande do Sul. “Não é razoável que o Governo do Estado tenha destinado menos de 2% do FUNRIGS para investimentos em moradia, muitas delas de caráter provisório”, alertam os moradores.




O ato desta sexta-feira marca o início da Jornada de Lutas do MAB, que segue até dezembro, com a mobilização pelos 10 anos do Crime em Mariana (MG), o IV Encontro Internacional dos Atingidos e a Cúpula dos Povos sobre Mudanças Climáticas, em Belém (PA) e, por fim, os 10 anos do MAB no Espírito Santo.
No decorrer do dia, participaram o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), a Federação Única dos Petroleiros (FUP), o deputado estadual Matheus Gomes (PSOL/RS), o bispo diocesano de Santa Cruz do Sul, Dom Itacir Brassiani, representantes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Arroio do Meio, da Cáritas, da Comissão Pastoral da Terra e do Sindicato dos Professores (CPERS).
“Eu sinto que o poder público não me considera atingido”

Assim se sente João Arthur Weimer, do Bairro Conservas, em Lajeado. Atingido pelas três enchentes, em maio de 2024 ele teve a casa inteira coberta pela água, perdeu toda a criação de animais e as mais de 500 plantas que tinha em casa. Com João estão outras milhares de famílias que lutam para que seus direitos sejam reconhecidos.
“Eu vejo que tem uma falta de comunicação entre o poder público. Eu recebi o auxílio emergencial do governo federal durante a enchente e isso me levou a crer que eu era atingido. Mas depois de diversos cadastros, tudo o que eu pedia começou a ficar em análise”, conta ele.
João lembra que esteve na Secretaria de Habitação diversas vezes em busca de apoio, mas que as promessas nunca se concretizaram. “Eu precisava de porta, janela, telhado, forro. Tudo o que eles me prometeram no calor do acontecimento. Não recebi absolutamente nada. Eu consegui me reorganizar graças ao apoio de vizinhos, amigos, cunhados e irmãos”, diz o atingido.
Ao olhar para a realidade do bairro e de outros atingidos que conhece, ele percebe a demora por reparação e aponta um triste diagnóstico: “Só estão esperando uma nova enchente para esquecer de vez esses atingidos. Se seguir nessa velocidade, vai de 15 a 20 anos para atender o básico das pessoas e até lá elas já estarão mortas”.
Avanços através da ação civil pública

Para buscar espaços de diálogo com o poder público, a Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (ANAB) se habilitou como parte da ação civil pública estruturante, ajuizada pelo Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria da República. A ação, movida contra nove municípios do Vale do Taquari, o estado do Rio Grande do Sul e a União, visa discutir e analisar a efetividade de políticas públicas em favor das populações atingidas.
Na tarde da última sexta, uma nova audiência foi realizada para exigir justiça e reparação às famílias atingidas pelas enchentes e reafirmar as reivindicações do MAB. O advogado Djeison Diedrich, membro da coordenação do movimento no RS, participou da audiência e acredita que a luta dos atingidos deu bons frutos:
“Ficaram encaminhadas várias reuniões com as diversas instâncias para garantir a transparência na divulgação das informações, para explicar a aplicação dos recursos do fundo para reparação, o mapeamento das áreas de risco e os critérios para reconhecimento dos atingidos, além do plano diretor de cada município”, relatou Djeison.
Em todo o Rio Grande do Sul, a luta por reconhecimento e reparação é ainda urgente, mesmo depois de tanto tempo. Entretando, a organização dos atingidos no MAB e a pressão contra o poder público tem gerado resultados e fortalece o caminho a frente.
Confira a Carta dos Atingidos apresentada no ato e na audiência.
