“O rio é nossa vida”: em Audiência Pública, MAB e comunidades ribeirinhas denunciam impactos da Hidrovia Araguaia-Tocantins

Pescadores rebatem argumentos do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) e afirmam que nenhuma compensação substitui o sustento do rio

Mais de 200 atingidos, de seis comunidades da região, participaram da Audiência Pública. Foto: Jordana Ayres / MAB Amazônia
Mais de 200 atingidos, de seis comunidades de Itupiranga (PA), participaram da Audiência Pública. Foto: Jordana Ayres / MAB

O encontro foi convocado pelo Ministério Público Federal (MPF) e acompanhado pelo juiz federal André Luís Cavalcanti Silva, da 9ª Vara Federal Ambiental e Agrária, com o objetivo de ouvir famílias ribeirinhas e comunidades tradicionais que podem ser impactadas pela obra. Em junho de 2025, o MPF já havia solicitado à Justiça a suspensão da licença para explosão de rochas no rio, apontando falhas no processo de licenciamento ambiental.

Participaram da audiência atingidos das comunidades de Tauiry, Cajazeiras, Santo Antoninho, Diamante e Todo Brasil, além de representantes do Instituto Zé Maria e do Quilombo São José. Estiveram presentes também órgãos públicos como Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT), Ibama, Incra, DTA Engenharia, Defensoria Pública da União (DPU), Procuradoria Federal e Justiça Federal.

Juiz Federal André Luís Cavalcanti Silva, da 9ª Vara Federal Ambiental e Agrária na audiência. Foto: Jordana Ayres / MAB Amazônia
Participação do juiz federal André Luís Cavalcanti Silva, da 9ª Vara Federal Ambiental e Agrária na audiência. Foto: Jordana Ayres / MAB

Durante a reunião, o DNIT apresentou informações sobre o processo de instalação da hidrovia. No entanto, as comunidades reafirmaram que o projeto ameaça modos de vida, a biodiversidade regional e viola o direito à consulta prévia, livre e informada.

Iury Paulino, da coordenação nacional do MAB, reforçou que o projeto fere direitos fundamentais: “Estamos diante de um processo de licenciamento abusivo. As comunidades deixaram claro que não foram ouvidas. Defendemos a aplicação da Política Nacional dos Direitos das Populações Atingidas (PNAB) e a implementação de assessoria técnica independente, para que as comunidades possam qualificar o debate e exercer o direito de dizer não. Não é aceitável que, às vésperas da COP30, o DNIT mantenha uma postura autoritária, que ignora a realidade e repete práticas da época da ditadura”.

Iury Paulino, da coordenação nacional do MAB, denuncia os impactos do projeto na Audiência Pública, na última segunda-feira (29). Foto: Jordana Ayres / MAB Amazônia
Iury Paulino, da coordenação nacional do MAB, denuncia os impactos do projeto na Audiência Pública, na última segunda-feira (29). Foto: Jordana Ayres / MAB

No período da tarde, a programação seguiu com visita à comunidade Praia Alta, próxima ao Pedral do Lourenço, onde ocorreu uma roda de conversa entre DNIT, MPF e povos tradicionais. O diálogo evidenciou posições opostas: enquanto o Departamento Nacional de Infraestrutura de Trânsito (DNIT) defendeu a obra, comunidades reiteraram que a hidrovia não representa desenvolvimento, mas ameaça direta à vida e ao território.

Como resposta às críticas, o DNIT mencionou a possibilidade de indenizações equivalentes a um salário mínimo para os pescadores. A proposta foi recebida com indignação, considerada uma afronta à dignidade das famílias locais. “Vivemos bem do que o rio nos dá. Nenhuma compensação compensa”, afirmou um dos pescadores presentes.

Visita à comunidade Praia Alta reúne juiz federal, MPF, DNIT e povos tradicionais em diálogo sobre os impactos da Hidrovia Araguaia-Tocantins. Foto: Jordana Ayres / MAB Amazônia
Visita à comunidade Praia Alta reúne juiz federal, MPF, DNIT e povos tradicionais em diálogo sobre os impactos da Hidrovia Araguaia-Tocantins. Foto: Jordana Ayres / MAB

Os pescadores foram firmes ao rebater argumentos técnicos do DNIT, defendendo que nenhum estudo substitui o conhecimento de quem, há gerações, vive do rio. A proposta de indenizações equivalentes a um salário mínimo foi recebida com indignação e considerada ofensiva. Dona Conceição, da comunidade Diamante e militante do MAB, destacou a importância da inspeção: “Foi a primeira vez que a comunidade pôde acompanhar de perto uma audiência com juiz federal. Tivemos a oportunidade de falar, porque até hoje nunca fomos consultados diretamente sobre a hidrovia. O rio é o nosso lar e sustento de gerações. Não precisamos de promessas, precisamos ter o direito de ser ouvidos e respeitados.”

O procurador da República, Rafael Martins da Silva, explicou que o MPF pediu a anulação das duas licenças concedidas: “A audiência e a inspeção judicial servem para que o juiz conheça a realidade das comunidades. Esperamos que ele confirme a liminar e anule as licenças, reiniciando o processo de licenciamento com oitivas adequadas e novos estudos socioambientais.”

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