No dia da Amazônia, Atingidos pela Vale pedem proteção da floresta e reparação justa

Ato em Minas expõe o descaso da Vale e do Judiciário, enquanto comunidades convivem com água contaminada e mortes de animais

Marcha realizada pelo MAB, em São Joaquim de Bicas, no dia 05 de setembro. Foto: Comunicação MAB MG
Marcha realizada pelo MAB, em São Joaquim de Bicas, no dia 05 de setembro. Foto: Comunicação MAB MG

O dia 05 de setembro é o dia da Amazônia. A data foi criada para lembrar a importância dessa floresta, seja pela rica biodiversidade, por suas reservas de água ou pela importância na regulação do clima do planeta. Nesse dia, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realizou mobilizações em todo o Brasil. Na bacia do Rio Paraopeba, em Minas Gerais, a população atingida pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho realizou ações em diversas comunidades, para denunciar a falta de reparação passados mais de seis anos do crime socioambiental.

No município de São Joaquim de Bicas, mais de 100 atingidos e atingidas pela Vale realizaram uma marcha pela cidade. O objetivo foi trazer para a sociedade a verdade sobre a reparação dos danos causados pela Vale, após o rompimento de sua barragem na mina do córrego do feijão em Brumadinho. Além de denunciar o descaso do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, com o sofrimento da população que padece sem a reparação.

O que a Vale não conta

Segundo documento apresentado pela Vale na justiça, a empresa alega ter indenizado cerca de 17 mil pessoa. Essa é uma parcela muito pequena dos, pelo menos, 162 mil atingidos e atingidas já reconhecidos.

A mineradora tem a obrigação de retirar todo o rejeito despejado no Rio Paraopeba, mas até hoje só limpou cerca de 2 km de rio. Ainda faltam 56 km e, no ritmo atual, levaria 400 anos para concluir o serviço. Enquanto isso, a população segue exposta a contaminantes que causam sérios problemas à saúde, como demonstraram estudos realizados pela Fiocruz. A contaminação do rio também impede o uso do rio para abastecimento, pesca, lazer, irrigação e dessedentação animal. A população ribeirinha relata frequentemente novos danos ambientais, como a mortandade de animais. 

Caio, morador da comunidade de Cachoeira do Choro, em Curvelo, afirma: Eu não achei só a lontra, já achamos peixe boiando. Já achamos cágados também lá. Eu acho isso muito injusto, sabe?! Deixei a lontra na margem do rio e os próprios funcionários da Vale jogaram ela de volta no rio. E a água também não está boa para nadar, nem para pescar. Se as próprias espécies aquáticas estão morrendo, como é que vai poder utilizar como lazer ou pesca para alimentação?”

A qualidade da água que chega nas casas também não inspira confiança. Eliana Marques, moradora da mesma comunidade, afirma: “A Vale diz que resolveu as questões, mas como vamos lavar roupa e fazer comida com essa água?”.

A luta pelo cumprimento da lei

Desde fevereiro de 2025, a população atingida sofre as consequências da redução pela metade do valor do Programa de Transferência de Renda (PTR), parte da reparação acordada entre Vale, governo de Minas e Instituições de Justiça, em 2021. Esse programa garante o pagamento de meio salário-mínimo para adultos, 1/4 do valor para adolescentes e 1/8 para crianças, atendendo mais de 160 mil pessoas. Porém, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o programa acabará em dezembro, devido ao esgotamento do recurso destinado a ele. A redução dos valores já vem causando fome,  adoecimento e dificuldade para pegar contas básicas. 

A Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), Lei Nº 14.755, que entrou em vigor em 2023 e se aplica ao caso do Paraopeba, garante o direito ao auxílio emergencial para populações vítimas de rompimentos de barragens. Segundo o texto da lei, o auxílio deve assegurar “a manutenção dos níveis de vida até que as famílias e indivíduos alcancem condições pelo menos equivalentes às precedentes” ao rompimento.

Em março de 2025, o MAB articulou o ingresso de uma ação na justiça para garantir a aplicação da PNAB. E, dessa forma, instituir um Novo Auxílio Emergencial na Bacia do Paraopeba, até que a reparação seja concluída.

Tribunal de Justiça de Minas Gerais arrasta o sofrimento do povo

Essa ação judicial obteve decisão favorável em primeira instância e a Vale ingressou com recurso. A decisão sobre o assunto foi marcada para o dia 25 de agosto. Porém, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais adiou o julgamento. Atualmente não há data para o julgamento, nem a câmara que será responsável pela decisão.

Com a proximidade do fim do PTR, e os efeitos nocivos da sua redução, a população atingida necessita urgentemente da decisão do TJMG e da imediata aplicação da PNAB. Segundo Jeane, ribeirinha, moradora da comunidade de Cachoeira do Choro: “Muitas pessoas dependem desse direito para comprar alimento e remédios. Outros para pagar dívidas que adquiriram depois dessa tragédia, pra melhorar nosso modo de viver, porque não podemos mais contar com o rio, com os peixes para lazer. Pedimos que os juízes decidam logo. A gente implora que venha pelo menos esse novo auxílio, porque reparação ambiental, financeira, psicológica, todo tipo de reparação que a gente necessita, ainda não foi conquistado”.

Presente na marcha em São Joaquim de Bicas, Tatiana Rodrigues, atingida moradora do município, diz que: “Com esse ato, esperamos que o Tribunal de Justiça não dê as costas para o povo, não ceda às pressões econômicas da mineradora e coloque logo nossa ação em pauta e de fato faça a justiça. Estamos cobrando apenas a aplicação da lei. Seguiremos atentas aos nossos direitos e vamos manter as nossas mobilizações enquanto forem necessárias”.

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