Exposição de Arpilleras dá voz às mulheres atingidas do Vale do Taquari (RS)
Atingidas de todo o Rio Grande do Sul estão representadas na exposição “Arpilleras – Bordando Luta e Resistência”, que reúne obras sobre as enchentes que assolaram o Estado em setembro de 2023 e maio de 2024
Publicado 12/09/2025 - Actualizado 31/10/2025

A luta, a memória e a esperança de mulheres atingidas pelas enchentes no Rio Grande do Sul ganharam forma em uma exposição de arte inaugurada na última segunda-feira (08), na Universidade do Vale do Taquari (Univates), em Lajeado (RS). A mostra “Arpilleras – Bordando Luta e Resistência” reúne bordados produzidos coletivamente por mulheres atingidas das regiões Metropolitana, Vale do Taquari e Fronteira Noroeste do RS, com o tema das mudanças climáticas e seus impactos nos territórios e na vida das mulheres. A exposição ficará aberta à visitação até o dia 26 de setembro, no Espaço Arte, localizado no prédio 9 da universidade.
Organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), em parceria com a Univates, a iniciativa apresenta obras costuradas a muitas mãos, que retratam o cotidiano de dor, resistência e reconstrução vivido pelas mulheres e suas comunidades na região do Vale do Taquari após as enchentes de setembro de 2023 e maio de 2024. Ao longo deste mês, o MAB promove uma ampla Jornada de Lutas na região, no marco de dois anos da primeira enchente, que contará com uma série de ações para além da exposição de Arpilleras.

Arte como memória e denúncia
As peças expostas traduzem, em linhas e tecidos, o impacto material e imaterial das tragédias climáticas: a perda de casas, lavouras e meios de vida, mas também o abalo emocional, psicológico e comunitário.
“Eu estou muito traumatizada. O psicológico foi muito afetado com a perda de conhecidos, com a morte e também com o afastamento, pois as pessoas se espalharam na casa de parentes, em outras cidades. A nossa renda diminuiu, assim como os empregos”, relata Vera Teresinha Doebber, atingida em Cruzeiro do Sul.
De Arroio do Meio, Tainara de Jesus Barreiro também compartilha a dificuldade em lidar com a nova realidade: “Minha saúde mental foi muito abalada. Depois das enchentes, me sinto mais receosa, com medo de chuva. As coisas ficaram apertadas, passei por um período bem difícil e agora que estou melhorando um pouco”.
Dois anos de luta sem resposta
O MAB tem atuado no Vale do Taquari desde a enchente de 2023, intensificando sua presença após a tragédia de maio de 2024, que atingiu quase 95% dos municípios gaúchos. Passados dois anos da primeira grande enchente, famílias seguem sem moradia definitiva e convivendo com a insegurança diante da falta de medidas efetivas dos governos para a reconstrução.
“Nós, mulheres atingidas, somos as que mais sofrem com o descaso dos governantes. Nossos filhos precisam de escola, de saúde, mas o acesso a direitos básicos ficou mais difícil, mais longe. Estamos aguardando a destinação dos recursos para reconstrução de nossas casas e nossas vidas. A luta continua até a vitória, porque juntos somos fortes”, afirma Juraci Padilha dos Santos, da coordenação do MAB no Vale do Taquari.
Cultura e esperança coletiva
Para a Univates, a exposição simboliza também o papel da universidade como espaço de cultura e comunidade. “Nos dá alento e um calor no coração quando olhamos o movimento liderado pelo MAB, no qual as mulheres teceram o artesanato olhando para tudo o que passaram, mas principalmente esperançando, pensando no futuro. A Univates é parceira desta iniciativa e é plural. Quando determinamos nossa identidade, somos comunidade e somos cultura, efetivamente expressa nesta exposição de Arpilleras”, destaca Cíntia Agostini, vice-reitora da instituição.
Cada bordado apresentado é mais que arte: é memória coletiva, denúncia social e, sobretudo, um chamado à luta pela construção da justiça climática e de um processo de transição energética justo e sustentável, que coloque no centro os territórios e as populações atingidas.

Conheça as Arpilleras
As Arpilleras fazem parte de uma técnica têxtil popular chilena, que incorpora elementos tridimensionais e retalhos de tecido aplicados sobre o suporte de juta, que, em espanhol é “arpillera”, daí o nome. Nos anos sombrios da repressão militar chilena, as arpilleras floriram os pátios, interiores das casas e igrejas da periferia de Santiago como forma de denúncia da violência estabelecida. Com temáticas que incluíam desde afazeres do cotidiano até gritos de luta e de luto, as peças ganharam o mundo – algumas continham, inclusive, fragmentos de roupas dos desaparecidos políticos costurados.
É com esse sentido político que mulheres atingidas por barragens no Brasil, por meio do contato com as mulheres organizadas no MAB, resgatam a técnica, visando, de forma artística, denunciar violações ambientais, sociais, econômicas e culturais que as atingem em consequência do modelo energético adotado no nosso país. Desde 2013, foram realizadas oficinas auto-organizadas, onde são costurados coletivamente os testemunhos da realidade de mulheres atingidas. Para o MAB, as Arpilleras, além de uma ferramenta de denúncia, são um convite e uma possibilidade de tecer a organização das mulheres. É assim que as peças são costuradas, em cada ponto o anseio de que outro mundo é necessário e possível de ser tecido coletivamente.
Confira o Acervo Digital de Arpilleras do MAB em nosso site.
