Parceria entre MAB e as marcas de moda Mateos Quadros e CIE fortalece a luta dos atingidos no RS

As marcas gaúchas lançaram uma coleção de acessórios que destina 50% do lucro ao Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), em apoio às famílias atingidas pelas enchentes no Rio Grande do Sul

Um ano e meio após a enchente, as famílias atingidas ainda tentam recuperar a vida que perderam. Foto: Francisco Proner / MAB

Há mais de um ano, o grande volume de chuvas, a total ausência de matas ciliares próximas aos rios, o negacionismo climático e a negligência do poder público contribuíram para que o estado enfrentasse uma das maiores tragédias de sua história. A enchente deixou um rastro de destruição que, até hoje, impacta milhares de pessoas. Com isso em mente, as marcas Mates Quadros e CIE propuseram ao MAB uma parceria solidária, garantindo que metade da arrecadação da nova coleção seja revertida para a luta dos atingidos.

Os estilistas por trás da Mateos Quadros explicam como surgiu a iniciativa: “Depois de pesquisar muitas ONGs e movimentos que já haviam encerrado suas atividades após as enchentes de 2024, encontramos em uma matéria o MAB apresentando, em reunião pública no Conselho do Estado, o plano de reassentamento do Vale do Taquari, e sentimos que era o caminho certo para apoiar”.

A parceria entrou em vigor nesta segunda-feira (01), com o lançamento das peças no site das marcas, onde já estão disponíveis para compra.

Mateos Quadros e CIE: moda, território e reconstrução

Formada por dois designers que compartilham experiências e raízes no Rio Grande do Sul, a colaboração reforça a importância da moda local. Para Gabriel Engers, representante da CIE, responsabilidade social e estética precisam caminhar juntas: “O polo manufatureiro e industrial da região Sul é um pilar da moda brasileira. É impossível ser daqui, trabalhar com moda e não perceber o impacto do desastre. Queremos chamar atenção para a reconstrução e a reparação estrutural e econômica do estado, entendendo como famílias, negócios e indústrias foram afetados”.

O Rio Grande do Sul é um dos estados que mais produz resíduos de curtume do Brasil. Foto: Camila Vieira
O Rio Grande do Sul é um dos estados que mais produz resíduos de curtume do Brasil. Foto: Camila Vieira

A coleção, recém-lançada, foi criada a partir de resíduos de curtumes do Vale dos Sinos com materiais que geralmente seriam descartados ou subutilizados – como aparas e lodo de cromo -, mas que foram reaproveitados para dar origem a novos produtos. Essa prática reduz impactos ambientais e diminui a necessidade de novas matérias-primas. “Entendemos a importância da moda como ferramenta econômica e de alcance no mainstream. Por isso, pensamos nessa colaboração não só para valorizar a matéria-prima e a produção local, mas também para direcionar metade dos lucros de volta ao RS”, destaca Mateos.

A origem e a luta dos atingidos

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) nasceu na década de 1980, a partir da resistência de comunidades que enfrentaram ameaças e violações durante a construção de hidrelétricas. De movimentos locais, tornou-se uma força nacional, autônoma e popular, que organiza famílias atingidas antes, durante e depois da construção de barragens. O objetivo é claro: ninguém deve ser abandonado.

Com os eventos extremos da crise climática, o MAB passou a atuar também com comunidades atingidas por enchentes, deslizamentos e grandes estiagens. No Rio Grande do Sul, o movimento atua firmemente desde setembro de 2023, quando aconteceu uma grande enchente no Vale do Taquari. Essa atuação se intensificou com a maior tragédia climática da história do estado, ocorrida em abril de 2024. Mais de 470 municípios foram atingidos pela enchente, 184 pessoas perderam a vida, milhões ficaram desabrigadas e cerca de 100 mil casas foram destruídas. A tragédia não foi apenas consequência das chuvas: falhas no sistema de proteção, falta de manutenção em diques e décadas de negligência agravaram os impactos. 

Com mais 34 anos de existência, o MAB hoje também organiza as famílias atingidas por desastres climáticos em prol da luta por moradia e reparação. Foto: Jorge Leão
Com mais 34 anos de existência, o MAB hoje também organiza as famílias atingidas por desastres climáticos em prol da luta por moradia e reparação. Foto: Jorge Leão

Para Alexania Rossato, integrante da coordenação nacional do MAB, existem dois grandes desafios em momentos diferentes de uma tragédia dessa proporção: o da emergência – durante e logo após a enchente – e o da reconstrução, quando é preciso focar na articulação dos atingidos, visando a luta por direitos coletivos, como a moradia, a saúde e a segurança, diante a intensificação dos extremos climáticos. No âmbito da emergência, desde que as enchentes atingiram o Rio Grande do Sul, o MAB distribuiu, de maio a outubro, mais de 2406 mil refeições, com o apoio de 132 militantes. 

Alexania lembra que o Movimento encontrou nas cozinhas solidárias, organizadas durante a emergência, uma porta para chegar às comunidades e começar a formar os grupos com a população atingida. “Foi com o trabalho solidário que começamos a consolidar os grupos e a construir com as famílias suas pautas, elencando suas principais necessidades.” A articulação inclui reuniões e as apresentações das reivindicações das populações atingidas aos governos federal, estadual e municipais.

Mais de um ano depois, a reconstrução segue lenta, marcada pelo abandono e pelo medo de novas enchentes. É nesse cenário que o MAB reafirma seu papel: organizar os atingidos, denunciar injustiças, cobrar políticas públicas e reconstruir vidas com solidariedade e participação popular. Nossa luta é por justiça climática, direitos e um futuro coletivo. Porque só o povo organizado transforma dor em força e esperança em realidade.

Em nome do movimento, Alexania conclui: “Para nós, é uma honra sermos reconhecidos por ambas as marcas. Ficamos imensamente gratos pelos esforços das duas em ajudar os atingidos. Agora, ao movimento cabe seguir fazendo jus a este apoio e lutar por reconstrução de verdade”.

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