MAB, Fiocruz e Ministério da Saúde se unem para criar rede de vigilância popular em saúde

Começando por Canoas (RS), o projeto vai percorrer cinco cidades brasileiras até o fim do ano, para ouvir sobre a saúde das populações atingidas e formá-las para mapear riscos, cobrar políticas públicas e fortalecer o SUS

A parceria entre MAB, Fiocruz e Ministério da Saúde propõe uma escuta qualificada dos atingidos em vista da formação de vigilantes em saúde. Foto: Victória Holzbach / MAB

A cidade gaúcha de Canoas acolheu, na última semana, os primeiros passos de um projeto fundamental para o cuidado com a saúde dos atingidos. A iniciativa, fruto de uma parceria inédita entre o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Fiocruz e o Ministério da Saúde, tem como objetivo formar vigilantes populares em saúde a partir da realidade dos atingidos por barragens e por mudanças climáticas.

O projeto será implementado em cinco territórios estratégicos: Canoas (RS), Cametá (PA), Jequié (BA), São Sebastião (SP) e Fortaleza (CE). A primeira etapa, que iniciou no Rio Grande do Sul, consiste em um diagnóstico participativo, com escutas ativas, para mapear os desafios locais de saúde pós-desastres. Em 2026, a iniciativa avança para a fase formativa, com oficinas que capacitarão os atingidos como agentes de vigilância popular em saúde, fortalecendo sua autonomia para identificar e agir sobre os riscos à saúde de sua comunidade.

Priscila Neves, pesquisadora da Fiocruz e uma das coordenadoras do projeto, destaca o valor dessa abordagem inicial, que propôs ouvir cada pessoa em seu próprio contexto. “Foi muito importante ir ao território e escutar a população. Para nós, pesquisadores que estamos distantes, poder estar em contato direto com as pessoas nos aproxima do sentimento de medo e angústia que envolve toda a cidade, e nos impulsiona para a urgência de poder contribuir na luta por uma vida mais digna para toda a população”, relata a pesquisadora.

Desta percepção compartilha Leonardo Maggi, integrante da coordenação do MAB e também um dos responsáveis pelo projeto. Ele pontua que já as primeiras entrevistas demonstraram que os limites das políticas públicas de saúde ficam mais contundentes em condições de emergência climática, e que esta deve ser a realidade que os pesquisadores encontrarão também nos outros territórios. Sobre isso, ele acrescenta: “Fica evidente que a presença do Estado é fundamental em momentos de emergência climática e a gestão municipal tem se mostrado insuficiente, incapaz diante desse novo cenário, exigindo maior presença federal e estadual”.

Durante as entrevistas, ficou claro que a enchente ainda não passou e é sinal de angústia e medo à população atingida. Foto: Victória Holzbach / MAB
Durante as entrevistas, ficou claro que a enchente ainda não passou, e é sinal de angústia e medo à população atingida. Foto: Victória Holzbach / MAB

Outra constatação importante nesta primeira etapa de conversa com os atingidos é a ausência de mecanismos de participação popular, e a divergência entre a realidade atual das famílias em contraponto com aquela anunciada pelos governos – que passam sempre a impressão de que a enchente está superada.

“O tema da habitação digna está diretamente relacionado com a questão da saúde. Nenhuma das casas onde os pesquisadores estiveram havia sido visitada pela Defesa Civil municipal, apesar da precariedade das habitações. O que vimos foi que a enchente não passou e a própria ação de campo foi prejudicada pelo estado de ansiedade das famílias atingidas diante das chuvas daqueles dias”, destaca Maggi.

Em Canoas, de 23 a 29 de junho, foram ouvidas 30 pessoas individualmente, nos bairros Mathias Velho, Harmonia e Rio Branco, os mais atingidos pelas enchentes de 2024. Nestes dias, foram três equipes distribuídas pela cidade, compostas por pesquisadores da Fiocruz e militantes do MAB no Rio Grande do Sul. Durante o dia 28, a equipe também realizou uma intervenção em grupo com atingidos do Vale do Taquari.

Na metodologia da pesquisa, a preferência foi entrevistar os atingidos em suas residências, para conhecer ainda mais sua realidade e garantir um ambiente seguro. Foto: Victória Holzbach / MAB
Na metodologia da pesquisa, a preferência foi entrevistar os atingidos em suas residências, para conhecer ainda mais sua realidade e garantir um ambiente seguro. Foto: Victória Holzbach / MAB

O Ministério da Saúde, por meio do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador (DVSAT/SVSA/MS), esteve presente nas atividades de campo desenvolvidas em Canoas. A responsável por acompanhar essa etapa foi Andreza Santos, consultora técnica da Coordenação-Geral de Mudanças Climáticas e Equidade em Saúde. De acordo com ela, realizar um diagnóstico da saúde da população é um passo importante para a consolidação de um trabalho com vigilância popular nos territórios atingidos. “Desse modo, os resultados dessa primeira etapa contribuem para o delineamento das necessidades em saúde da população, e oferecem um panorama da organização comunitária diante dos desafios apresentados pelas mudanças climáticas”, explica Andreza.

Vigilância popular em saúde

O objetivo do projeto construído entre MAB, Fiocruz e Ministério da Saúde é promover e apoiar ações de vigilância popular em saúde, preparando as populações de cada território para identificar, monitorar, comunicar e registrar quaisquer problemas de saúde na população, especialmente aqueles causados pela construção de barragens ou por eventos climáticos. 

O aprofundamento do conceito de vigilância popular é o segundo passo do projeto, previsto para 2026. A pesquisadora Priscila Neves explica a importância desta primeira etapa para a construção mais qualificada da formação destes vigilantes:

“É importante escutar a população, compreender as histórias, sentimentos e percepções, não apenas sobre o que aconteceu, mas sobre o que, para elas, pode ser feito para reduzir os riscos e trazer um pouco de segurança. Isso é essencial para construir uma formação mais adequada à realidade dos territórios. Além disso, também precisamos compreender como os atingidos se organizam dentro da comunidade, onde buscam informação, como a informação é passada entre os membros da comunidade e como é a relação da população com o SUS”.

Em uma caminhada pelo bairro Mathias Velho, Dona Jurema da Conceição mostra a Priscila os efeitos ainda visíveis da enchente de 2024. Foto: Victória Holzbach / MAB

Para o fim do mês de julho está marcada a segunda visita a campo, em Cametá (PA). Nos meses seguintes, o projeto continua em Jequié (BA), Fortaleza (CE) e São Sebastião (SP).


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