ENCHENTES RS| Chuvas voltam a aterrorizar atingidos e especialista destaca que a emergência climática é agora
Enquanto o Rio Grande do Sul soma seis mil pessoas fora de casa pelas fortes chuvas que atingiram o estado nesta semana, o professor da UFRGS Rualdo Menegat reafirma a necessidade de um plano de ação para situações de emergência e aponta que uma boa gestão de riscos pode minimizar impactos inclusive na saúde mental dos atingidos
Publicado 20/06/2025 - Atualizado 23/06/2025

No Rio Grande do Sul, na manhã desta sexta-feira (20), a Defesa Civil emitiu o boletim com os impactos da chuva desta semana: 98 municípios afetados, 2.005 pessoas em abrigos, 4.011 pessoas desalojadas, 3 óbitos e 1 desaparecido. Em todo o Estado, a população enfrenta, mais uma vez, a angústia de ver a água enchendo as ruas, levando pontes, invadindo escolas e hospitais, sem saber a hora certa de levantar os móveis ou sair de casa.
A experiência vivida há pouco mais de um ano volta à tona nesta semana em que Canoas, na região metropolitana, tem mais de 100 pessoas desabrigadas e 500 desalojadas. No Vale do Taquari, o rio ultrapassou a cota de inundação na quarta-feira (18), e em Lajeado, 249 pessoas já foram levadas ao abrigo do Parque do Imigrante. Em Estrela, são 10 famílias no abrigo Cristo Rei e em Cruzeiro do Sul, 49 famílias estão abrigadas no Ginásio Orlando Eckert. Ainda que sofra recorrentemente com as enchentes, grande parte desta população não é considerada atingida pelo governo municipal, o que impede que sejam inseridos e beneficiados pelos poucos programas dos governos estadual e federal.
Este cenário aponta para algo inevitável: “As mudanças climáticas não são uma questão de opinião ou de percepção. Trata-se de um comportamento previsível do sistema do clima”, afirma Rualdo Menegat, doutor em Ciências na área de Ecologia de Paisagem e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O alerta do professor é que os eventos climáticos que vivemos em 2024 – como as enchentes no Rio Grande do Sul ou as secas severas na Amazônia – não foram situações isoladas, mas parte de uma crise mais ampla e global. Um dos sinais importantes disso é o aumento da temperatura no planeta: Nos últimos 145 anos, desde 1880, a temperatura média da Terra subiu 1,64°. Ou seja: já estamos vivendo a emergência climática.
“O futuro dependerá do conceito que temos do clima e da estimativa que fazemos sobre os impactos das mudanças climáticas onde vivemos”, analisa Menegat. Para ele, a mudança hoje precisa nascer da consciência de que já estamos vivendo a emergência climática. Porque, assim, “poderemos modificar os cenários futuros para que não sejam tão sombrios”. Do contrário, se nada fizermos, achando que o clima não muda, “o futuro se apresentará como um colapso civilizatório”, projeta o professor.

Agora, se o enfrentamento da mudança climática depende de acordos complexos – e urgentes – entre as nações, a gestão dos riscos está condicionada especialmente às ações locais, articuladas em cada estado e em cada município, a fim de garantir protocolos previamente estabelecidos que sejam eficazes frente a estes eventos. Para que este enfrentamento vá além da mera reconstrução de estruturas, é preciso considerar sempre as populações em maior vulnerabilidade e os riscos em cada território, tanto em áreas urbanas quanto rurais.
Rio Grande do Sul: apesar das previsões, o despreparo
“O despreparo foi generalizado, como se a civilização tivesse, naquele momento, colapsado”, analisa o professor, sobre o que viveu o Rio Grande do Sul em abril e maio de 2024. Não foi a primeira enchente enfrentada pelos gaúchos, que no ano anterior viram as cheias dos rios, assim como em 2015 e 1941 – a pior até então. A diferença crucial, segundo Rualdo, é que, enquanto as enchentes dos anos 1940 pegaram todos de surpresa, a de 2024 era prevista, o que torna a falta de preparo ainda mais grave.
“Há uma razoável memória de enchentes na Região Metropolitana de Porto Alegre, de sorte que na capital foi construído um dos mais robustos sistemas de proteção contra inundações da América do Sul”, conta o professor. “O fato da inundação de Porto Alegre ter sido causada pela falha nesse sistema mostrou um enorme descompromisso político com o esforço de nossos antepassados”, pontua Rualdo Menegat.
O que acontece nesta semana no estado confirma o que Menegat observou nas enchentes de 24: o principal erro foi a ausência de um programa de gestão de riscos e emergência. Para ele, a ameaça da mudança climática não pode ser resolvida facilmente, mas os riscos que decorrem dela sim. “Toda nossa estratégia é no sentido de diminuir os riscos. É disso que se trata”, diz ele.

Ainda no caso do Rio Grande do Sul, um dos principais agravantes da crise climática é a degradação ambiental, especialmente o desmatamento de florestas, a destruição de matas ciliares e a expansão do agronegócio, que tem sido o maior responsável por suprimir os campos e as áreas alagadas – conhecidas como banhados.
“Ora, esses banhados garantem a recarga de aquíferos, que, por sua vez, alimentam os arroios e rios por um longo período, de modo que não sequem logo depois da chuva. Sem os banhados, os aquíferos não recarregam e toda a água vai parar na inundação nas terras mais baixas e rio abaixo”, explica o professor.
Catástrofe dentro da catástrofe: um plano de emergência é fundamental
A situação vivida pelo Rio Grande do Sul é bastante semelhante a outros territórios afetados por eventos climáticos, onde “a população é submetida a uma catástrofe dentro da catástrofe”, diz Rualdo. Isso ocorre pela ausência de um plano de emergência, pelo qual diversas situações poderiam ser evitadas: a inundação com água contaminada por efluentes domésticos e industriais, a exposição da população ao risco ambiental e a necessidade de um alto número de resgates são alguns exemplos importantes.
Ele explica: “Houve salvamento de mais de 80 mil pessoas. Se uma vovó foi resgatada em um telhado, significa que todas as medidas de evacuação de pessoas vulneráveis falharam, sobrando o socorro como última alternativa”, explica Menegat.
Em situações de crise, a existência de um bom plano de ação não só auxilia a gerir o caos do momento da emergência, mas também ajuda a garantir uma recuperação mais rápida da população após a tragédia. Um exemplo importante é a acolhida aos atingidos nos dias da enchente: “A abrigagem foi improvisada com inúmeros problemas derivados e isso expôs a população a diversos tipos de assédio, cujo trauma psicológico poderá ter superado ao da inundação em si. Todos esses problemas concorrem para diminuir a capacidade de recuperação e a resiliência dos atingidos, pois perdurarão por muito tempo na memória”.

A experiência mal sucedida da gestão da crise em eventos climáticos – como a que o Rio Grande do Sul volta a viver nesta semana – adverte para a necessidade urgente de um plano de emergência, que além de prever protocolos de ação deve também esclarecer quais são as vulnerabilidades locais e onde se situam os grupos mais vulneráveis. “Um bom plano de emergência tem a função de salvar as pessoas e diminuir a exposição ao risco e a fatores poluentes que ocorrem junto com a inundação, bem como suavizar o possível impacto psicológico e de saúde. Quanto maior for o sucesso desse plano, mais rápida é a recuperação da população”, finaliza Menegat.
Os casos vividos em diversos territórios do Brasil escancaram uma realidade global: diante de eventos climáticos cada vez mais extremos, a ausência de um protocolo de emergência transforma desastres naturais em tragédias humanas amplificadas. Mais do que reconstruir as cidades, é preciso repensar estratégias atentas às populações atingidas – com planos de emergência verdadeiramente eficazes, proteção aos mais vulneráveis e ações locais articuladas com políticas globais. Como alerta Menegat, a diferença entre um futuro de colapso e um de resiliência está na capacidade de aprender com os erros e agir antes que a próxima crise chegue. O tempo de esperar já passou; o momento de enfrentar a emergência climática é agora!
