Moradores da comunidade de Beira Rio, em São Desidério (BA), relatam doenças de pele e alterações na água do Rio Grande e cobram respostas das autoridades responsáveis
Publicado 12/05/2025 - Atualizado 24/05/2025

Após um ano do rompimento na Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Santa Luzia – de responsabilidade da ARA Empreendimentos –, ocorrido em 11 de maio de 2024, no Rio Grande, no município de São Desidério (BA), as comunidades atingidas ainda enfrentam uma série de complicações.
Na comunidade de Beira Rio, situada entre a casa de força e a barragem, relatos recentes apontam para um aumento de problemas de saúde possivelmente associados à qualidade da água. Moradores têm apresentado episódios de diarreia e vômitos, além de sintomas como coceiras intensas, irritações, vermelhidão e escoriações em diversas partes do corpo.



“Quando eu banho, eu coço, coço tanto que falta arrancar o couro! Já usei remédio, pomada, já troquei de sabonete, mas coça tanto que eu sinto como se a pele estivesse ‘comendo’. Quando a coceira aperta, eu pego o álcool e passo no corpo, tomo banho de álcool para melhorar a coceira. Aqui sou eu, as crianças, as filhas, que têm sentido isso”, conta Dona Jesulina Maria de Jesus, de 84 anos, moradora da comunidade.
A situação preocupa a população, que aguarda medidas urgentes das autoridades para avaliar os impactos provocados pelo rompimento da obra. Temoteo Gomes, membro da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), conta que: “É um descaso muito grande, desde o início da construção. É obrigação do Estado e dos órgãos ambientais da Bahia assumirem o compromisso com as comunidades que foram e continuam sendo atingidas pelo processo de construção. As famílias vêm sofrendo impactos, principalmente em relação a conviver com a angústia causada pela construtora, e pelos órgãos que vêm acompanhando o caso”, aponta.
A construção da PCH no Rio Grande, afluente fundamental do Rio São Francisco, representa uma ameaça direta a 13 comunidades tradicionais geraizeiras. Os moradores temem que o desvio previsto de 80% das águas do rio esteja comprometendo gravemente o ecossistema local e pondo em risco seus modos de vida e sua saúde.
Silvio Pereira dos Santos relata que: “Antes da construção dessa barragem, a chuva caía forte na água e não sujava nada. Agora, toda chuva que cai, a água fica suja por conta daquele material que eles botaram na beira do canal, que vai todo para o rio. Aqui na comunidade de Beira Rio, a gente continua bebendo dessa água; o poço que abriram não funciona o suficiente e a água não é cem por cento. Eles não fizeram análise da água para saber se é potável, se a gente pode beber ou não”, conta o morador.
O histórico da obra
O projeto de construção da PCH foi apresentado pela empresa ARA Empreendimentos em 2010, gerando imediata oposição das comunidades à realização da obra. Três anos depois, em 2013, o projeto foi julgado como inviável pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA), sendo arquivado em decorrência dos sérios riscos socioambientais identificados. No entanto, o mesmo projeto “ARA Geração de Energia Santa Luzia” foi reapresentado pela empresa, sendo aprovado em 2018.
A empresa iniciou as atividades da obra durante a pandemia de Covid-19 e, a partir desse período, moradores passaram a denunciar uma série de irregularidades, incluindo invasão de terras, ameaças a ribeirinhos para a assinatura de documentos e liberação de terrenos. Diante disso, o Ministério Público da Bahia instaurou um inquérito civil para apurar a razoabilidade do licenciamento ambiental, assim como os danos ambientais e sociais causados pela empresa.
Em 2023, moradores relataram pela primeira vez a alteração da água do Rio Grande, que adquiriu um aspecto leitoso, e em 11 de maio de 2024, a situação se agravou com o rompimento do barramento da PCH, gerando não apenas a turbidez da água, mas também a morte de peixes, o que intensificou a preocupação da população local.
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Neste momento, um ano após o rompimento, a população começa a relatar impactos não apenas na saúde mental, mas também na saúde física. O medo e a insegurança, que já faziam parte do cotidiano das comunidades atingidas, provocaram, ao longo desse período, diversas interferências em seus modos de vida. Agora, os moradores sentem – literalmente na pele – as consequências do empreendimento.
