Atingidos pelas enchentes no Rio Grande do Sul se organizam para lutar por direitos e reconstrução digna
Diante da morosidade na reconstrução e da falta de políticas eficazes, atingidos pelas enchentes no Rio Grande do Sul se mobilizam por direitos, moradia segura e adaptação climática, fortalecendo sua luta em encontro que culminou na Romaria da Terra
Publicado 10/03/2025

As enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul em 2023 e 2024 deixaram um rastro de destruição que ainda impacta milhares de famílias. Cidades inteiras foram inundadas, forçando moradores a deixarem suas casas, muitas das quais foram destruídas ou ficaram inabitáveis. Além das perdas materiais, a crise revelou a fragilidade da infraestrutura urbana e rural, evidenciando a ausência de políticas eficazes de prevenção e resposta a desastres climáticos. Passado o período emergencial, os atingidos enfrentam dificuldades na reconstrução de suas vidas, lidando com a morosidade na liberação de recursos, a falta de planos habitacionais para reassentamento e a negligência do poder público em garantir um retorno seguro aos territórios.
Diante desse cenário, a organização popular surge como uma necessidade urgente. A união dos atingidos permite não apenas cobrar respostas das autoridades, mas também construir soluções coletivas para desafios estruturais, como moradia digna e segura, elaboração de planos de emergência e adaptação às mudanças climáticas. A experiência mostra que somente com a participação ativa da população afetada é possível garantir direitos e evitar que tragédias como essas se repitam com a mesma intensidade. Nesse contexto, o 1º Encontro Estadual dos Coordenadores e Coordenadoras dos Grupos de Atingidos por Barragens do Rio Grande do Sul tornou-se um espaço essencial para fortalecer essa luta coletiva e articular estratégias para o futuro.

O encontro aconteceu nos dias 2 e 3 de março em Arroio do Meio, cidade duramente atingida pelas grandes enchentes de 2023 e 2024. O evento, que culminou com a participação no ato batizado de Romaria da Terra, reuniu 130 lideranças de diferentes regiões do estado, como Alto Uruguai, Fronteira Noroeste, Região Metropolitana e Vale do Taquari.
O Ginásio PA Rural ficou lotado de bandeiras brancas, faixas e mensagens de luta. O local, que em maio serviu de abrigo para os atingidos pela enchente, desta vez os acolheu em outra circunstância: avançar na luta pela reconstrução, pelos direitos da população e contra a construção de barragens. A organização dos atingidos em grupos do MAB e a luta pelos direitos básicos foram temas centrais dos debates entre os presentes, que representaram bairros e comunidades rurais e compartilharam suas experiências de organização popular.


As atividades buscaram integrar e aproximar os atingidos pela crise climática, pelos impactos de barragens, pelo alto preço da energia elétrica e pela falta de água nos centros urbanos. Leonardo Maggi enfatizou: “Ninguém quer ser atingido, mas, ao sermos, a gente se organiza pra ser diferente. Não somos poucos e não existe política no Estado que nos dê aquilo que precisamos. Então temos que reafirmar a necessidade de lutar juntos”.
Só a luta garante conquistas
“Nosso encontro permitiu conhecer melhor as dificuldades do povo atingido, reforçar a importância de estarmos organizados e encaminhar processos de luta para 2025, especialmente nos temas relacionados à promoção dos direitos dos atingidos, à defesa da democracia e à luta contra o autoritarismo fascista”, afirmou Maria Aparecida, uma das coordenadoras do MAB.

No encontro, os participantes apontaram as principais pautas para o próximo período: luta por moradia adequada, proteção e segurança das comunidades atingidas, fornecimento de alimentos, acesso à água e energia de qualidade, reconstrução das estruturas públicas de saúde e educação e garantia da ampla participação dos atingidos nos processos decisórios.
A ciranda infantil e a participação da juventude

Para as crianças e jovens que acompanharam seus pais no encontro, foram organizados espaços exclusivos com atividades como desenho, pintura, grafite, capoeira e debates. Segundo Gabriela Soares, educadora da Ciranda, muitas das participantes são mulheres que criam filhos e filhas sozinhas ou sem apoio do companheiro. “A Ciranda do MAB não é uma creche, é um espaço pedagógico e político. Provocamos crianças e jovens a refletirem sobre questões do dia a dia”, explica.
A coordenadora Denise de Fátima Oliveira destacou a importância da Ciranda para a participação das mulheres. “Isso é essencial! Podemos nos concentrar mais nos debates, enquanto sabemos que nossas crianças estão aprendendo junto conosco, de uma forma diferente”, afirmou.
A força das mulheres atingidas
As mulheres têm sido as grandes mobilizadoras dos grupos de atingidos no Rio Grande do Sul. Dados apontam que elas são as mais afetadas pelas enchentes, pela construção de barragens e pela falta de água e luz nas cidades. No encontro, a presença feminina foi maioria, fortalecendo a auto-organização regional. Como parte das atividades, houve a produção coletiva de Arpilleras e orientação de participação no julgamento do feminicida da companheira Débora Moraes, marcado para 10 de junho.
Na roda de conversa, também foi lançada a Jornada de Lutas das Mulheres, iniciada em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, e que seguirá até maio, culminando em atos em Brasília. Cada região se comprometeu a enviar representantes para a grande caravana à capital federal.
Romaria da Terra: romaria de fé e luta
Quarenta e dois anos depois da 6ª Romaria da Terra, realizada em Carlos Gomes, outra região atingida levantou a bandeira de luta dos romeiros. Desta vez, 10 mil pessoas caminharam sob o lema “Reconstruir e Cuidar da Casa Comum com Fé, Esperança e Solidariedade”. A 47ª Romaria da Terra, realizada em 4 de março, em Arroio do Meio, trouxe ao debate a crise climática e seus impactos na vida das pessoas e no meio ambiente.
