Justiça Federal ignora impactos sociais e ambientais na licença do trecho 2 da Hidrovia Araguaia-Tocantins
Juiz impõe medidas cautelares para os trechos 1 e 3, mas minimiza os impactos do grande empreendimento no trecho 2, onde está localizado o Pedral do Lourenço
Publicado 07/02/2025 - Atualizado 08/02/2025

Na última quarta-feira, (05), o Juiz Federal José Airton de Aguiar Portela, da 9ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Pará (SJPA), proferiu uma decisão liminar em resposta à Ação Civil Pública, movida pelo Ministério Público Federal (MPF), contra órgãos como Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e Instituto do Desenvolvimento Agrário (Incra). A Ação Civil Pública questiona a concessão da Licença Prévia nº 676/2022 para obras de dragagem e derrocamento no Rio Tocantins. O MPF alegou irregularidades, como a ausência de consulta prévia, livre e informada a povos indígenas, comunidades quilombolas e pescadores da região. Além da dispensa indevida de licenciamento ambiental na fase de operação e desvio de finalidade, por falta de comprovação da viabilidade socioambiental do projeto.
Como resposta, o juiz considerou que não existem irregularidades no licenciamento, na licença emitida para o trecho 2, que segue sendo válida. Para os trechos 1 e 3 foram determinados algumas medidas cautelares, que precisam ser cumpridas para serem emitidas licenças desses trechos. No trecho 2, onde está localizado o Pedral do Lourenço, a Justiça minimizou os impactos, alegando que não existem comunidades atingidas na região e que os impactos ambientais serão baixos e temporários, uma vez que já existem medidas mitigatórias e compensatórias no projeto.
O juiz afirma: “No trecho 2, chamado Pedral do Lourenço, não há indígenas, quilombolas ou ribeirinhos, sendo o impacto ambiental considerado baixo e temporário, não justificando a invalidação da Licença Prévia concedida pelo IBAMA.” Além disso, a Justiça argumenta que a paralisação da obra teria um impacto negativo significativo no desenvolvimento socioeconômico da região, prejudicando a viabilidade do transporte de grãos, que é o objetivo principal da construção da via navegável.
”Em relação à decisão, o juiz não aceitou o argumento dos atingidos de que o rio é um só, e que a derrocagem impactará todos ao longo do rio Tocantins. Ele determinou a realização de um levantamento para identificar as medidas necessárias e avaliar os impactos nos outros trechos. No entanto, desconsiderou que o início da obra no trecho 2, que é de derrocagem no Pedral do Lourenço, já provocará efeitos diretos nas comunidades localizadas a jusante”. Afirmou Jaqueline Damasceno, da Coordenação Nacional do MAB.
Hidrovia Araguaia-Tocantins e o Canal Navegável do Tocantins
O projeto da Hidrovia Araguaia-Tocantins é uma proposta de infraestrutura que visa estabelecer uma rota de navegação nos rios Araguaia e Tocantins, com o objetivo de facilitar o transporte de mercadorias entre as regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil. Idealizado na década de 1990, o projeto surgiu como uma alternativa para atender, principalmente, ao transporte de commodities, como a soja e o minério. Além de prometer a redução de custos e o aumento da competitividade econômica. A hidrovia abrange cerca de 2.500 quilômetros e inclui a construção de portos e terminais, visando integrar diferentes estados.
Atualmente, em vez de um licenciamento abrangente para toda a hidrovia, esse megaprojeto está sendo licenciado em partes, focando na construção de um canal navegável realizado pelo (DNIT), que está sendo dividido em três trechos, desconsiderando a legislação que exige uma abordagem integrada. Essa prática de segmentar grandes projetos em partes menores permite que as obras avancem de forma a tornar o projeto final irreversível, ocultando os impactos e as necessidades de intervenções em toda a extensão da hidrovia. ”O juiz parece acreditar que o rio está fragmentado em partes isoladas, e que os impactos gerados na área do Pedral não afetarão, por exemplo, as comunidades de Cametá. ” Afirmou Jaqueline Damasceno.
O empreendimento é dividido em três trechos: entre os municípios de Marabá e Itupiranga (52 km de dragagem); entre Santa Terezinha do Tauiry e a Ilha de Bogéa (derrocamento ao longo de 43km) e entre os municípios de Tucuruí e Baião (dragagem ao redor de 125 km).
Impactos
A derrocagem do Pedral do Lourenço irá causar impactos significativos e variados, começando pela destruição de habitats naturais, que afetam a fauna e flora aquáticas dependentes desse ecossistema. A modificação do leito do rio pode alterar a dinâmica do fluxo de água, resultando em mudanças na sedimentação e erosão em outras áreas, desestabilizando margens e ecossistemas adjacentes. Além disso, a perda da biodiversidade é outra consequência, com a extinção ou migração de espécies que não conseguem se adaptar às novas condições ambientais.

Os impactos sociais também são alarmantes. E a narrativa de que não há comunidades atingidas na região do trecho 2, ignora a realidade de povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos que habitam na área e dependem do rio para sua subsistência. O deslocamento forçado e a perda de meios de subsistência podem intensificar a pobreza e a desigualdade, além de prejudicar a pesca, fundamental para a segurança alimentar e a renda dessas comunidades. Os efeitos adversos da derrocagem podem se estender por décadas, atingindo não apenas a saúde ambiental da região, mas também a qualidade de vida das futuras gerações.
Para Jonas Oliveira Nascimento, ribeirinho e militante do MAB da Comunidade Diamante, no município de Itupiranga (PA), ”Esse empreendimento representa mais uma tentativa do capital de se impor por meio de grandes projetos, oprimindo as comunidades ribeirinhas. Nós seremos tragicamente atingidos, uma vez que a subsistência da nossa comunidade vem da agricultura familiar, enquanto a principal fonte de renda é a pesca. Com a implementação desse grande projeto, vamos perder essa renda do pescado. Portanto, nos posicionaremos como comunidade e resistiremos. É inaceitável que um magistrado tome essa decisão e afirme que não existem populações tradicionais na região. Ao longo do corredor, há 23 comunidades que estão lá há 40, 50 anos. Diante disso, reafirmamos nossa resistência. O MAB se opõe a essa iniciativa e tem sido um aliado forte na região, em colaboração com o Ministério Público. Permaneceremos firmes e lutaremos contra esse projeto de destruição”, afirmou o atingido.

Foto: Jordana Ayres / MAB
O Movimento dos Atingidos por Barragens discorda dessa decisão, afirmando que há, sim, comunidades atingidas na região do trecho 2, e que os impactos não foram adequadamente dimensionados. O Pedral do Lourenço é essencial para a saúde do Rio Tocantins, que abrange diversos municípios e comunidades.
”A decisão reflete muito mais uma necessidade do capital e uma pressão política para que a obra se concretize, visando atender à demanda pelo escoamento de soja e outras commodities através da via navegável, do que um verdadeiro reconhecimento da necessidade de considerar todos os impactos sobre a população local. A falta de um dimensionamento adequado dos efeitos dessa obra é preocupante. Ao avançar com a licença, permitindo a derrocagem do Lourenção, não se levará em conta os impactos que se estenderão por toda a extensão do Rio Tocantins”, finalizou Jaqueline Damasceno.
