Brumadinho: diante das insuficiências, MAB propõe caminhos para a reparação integral

As propostas incluem a continuidade do Programa de Transferência de Renda, o direito à Assessorias Técnicas Independentes, entre outros direitos garantidos na PNAB

Atingidos realizaram ato na capital mineira para marcar os seis anos do crime da Vale. Foto: Nívea Magno / MAB

Em janeiro de 2025, completaram-se seis anos do crime cometido pela Vale em Brumadinho – um crime que deixou 272 vítimas fatais e causou danos irreversíveis ao meio ambiente e em que, ainda hoje, os responsáveis seguem impunes. Durante todos esses anos, pessoas atingidas e seus familiares têm se mobilizado na luta pela reparação dos danos causados, mas a presença da população não tem sido levada em conta no momento da elaboração dos acordos. Como foi o caso do acordo judicial realizado em fevereiro de 2021, pelo Governo de Minas, Ministério Público de Minas Gerais e Federal, Defensoria Pública de Minas Gerais e Vale S.A., que deixou de fora a população atingida.

Diante dessa situação, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realizou um balanço dos acontecimentos desses últimos anos e, observando as lacunas, as insuficiências e as necessidades do povo atingido, propôs 10 caminhos ou soluções possíveis para uma reparação que fosse, de fato, efetiva aos atingidos da Bacia do Paraopeba, em Brumadinho, e que levasse em conta a participação popular em todos os processos, como assegura a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB – Lei 14.755/2023). Entre as propostas, estão a continuidade do Programa de Transferência de Renda, o Monitoramento Popular da Reparação Socioambiental e o direito à Assessorias Técnicas Independentes.

O Programa de Transferência de Renda

Foto: Nívea Magno / MAB

A continuidade do Programa de Transferência de Renda (PTR) merece destaque por ser uma questão profundamente ligada à sobrevivência dos atingidos. O PTR, que auxilia financeiramente hoje cerca de 153 mil atingidos da Bacia do Paraopeba, está sob ameaça. A previsão, segundo a Fundação Getúlio Vargas – entidade que gerencia o programa, é que haja uma redução a partir de março deste ano e um encerramento definitivo do programa em abril de 2026. O MAB considera esse encerramento uma violação grave de um direito garantido pela PNAB, visto que, mesmo anos após o crime, a economia da região não conseguiu se restabelecer e os atingidos seguem necessitando do auxílio para sua subsistência. Além disso, as indenizações individuais ainda não ocorreram.

“Se cortarem a PTR hoje, vão ficar muitas pessoas desamparadas. Antes a gente tinha um ganha pão, que era a pesca, e hoje em dia tudo isso acabou. Nós vivemos perto do rio, mas não podemos pescar, não podemos tomar banho de rio, não podemos fazer nem um piquenique pra levar nossos filhos pra divertir. Eu acho uma injustiça o que a Vale quer fazer com nós, atingidos, pois eu conheço famílias que só tem o dinheiro da PTR para sobreviver”. Conta Adeíva da Conceição, moradora de São Joaquim de Bicas, que gasta em média R$300 reais por mês para arcar com os danos à saúde causados pelo crime.

Diante dessa situação, o MAB exige uma reestruturação do PTR para assegurar a continuidade do benefício, até que sejam comprovadamente solucionadas e restabelecidas as situações financeiras dos atingidos. A ideia é que, ao invés de encerrado, o programa seja ampliado, com a inclusão de Povos e Comunidades Tradicionais, a redução nas burocracias e na lentidão na análise dos documentos e a implantação de uma gestão mais elaborada, que fortaleça o vínculo e o diálogo com os atingidos. “Até hoje nós não fomos reconhecidos pela FGV. Como vão cortar o PTR se a gente ainda nem começou a receber?!” indigna-se Fátima Aranã, atingida da cidade de Juatuba.

A Reparação Socioambiental e a realidade dos atingidos

A Reparação Socioambiental do Rio Paraopeba e da represa de Três Marias, também é um desafio no processo de reparação. Apesar da Vale anunciar publicamente que já removeu 88% do rejeito derramado na água, a realidade dos atingidos demonstra o contrário. Entidades do Estado, como o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), mantêm a proibição do uso do Rio Paraopeba diante do risco tóxico e da incerteza sobre a qualidade da água. Assim, a população continua proibida de acessar os rios, o que compromete atividades como a pesca, a agricultura, o turismo, o lazer, além de ainda terem que lidar com doenças causadas pela contaminação. Essa realidade imposta aos atingidos – que afeta desde o campo econômico, da saúde até o descanso e o lazer – condena essas pessoas a uma situação de carência e dependência, e impede que eles retomem e reconstruam suas vidas.

Segundo o MAB, esse atraso na reparação socioambiental está diretamente ligado às falhas do Acordo Judicial de 2021 que não proporcionou à população atingida os meios necessários para fiscalizar ou exigir medidas de reparação. Isso permitiu que a Vale tivesse liberdade para controlar sozinha o processo de reparação de um ambiente que ela mesma destruiu. E tudo isso sem a devida transparência, já que a população não tem acesso a todas as informações, e outras não são disponibilizadas de forma simples.

Para reverter essa realidade, o MAB propõe a criação de instâncias de participação, decisão e comando da população atingida em todas as ações de reparação ambiental e ainda a participação na escolha da nova empresa que será responsável pelos Estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico. 

O papel das ATIs no processo de reparação

Outro ponto essencial para uma reparação integral e popular é o direito às Assessorias Técnicas Independentes (ATIs). Essas organizações buscam assegurar aos atingidos as ferramentas necessárias para fiscalizar o processo de reparação, por meio de diagnósticos e pareceres técnicos, garantindo a transparência e a participação efetiva da população em todas as instâncias.

Mesmo sendo garantidas por lei (PNAB), e exercendo um trabalho de extrema relevância, a atuação das ATIs está sob ameaça devido a uma suposta limitação de recursos apresentada no Acordo Judicial de 2021, que pode levar ao encerramento de suas atividades. 

As ATIs são o principal meio de organização para enfrentar o descaso da mineradora Vale. Retirar esse direito, além de um ato ilegal, é também negar aos atingidos as ferramentas necessárias para lutar por uma reparação integral. Por isso, o MAB reivindica a continuidade da atuação das ATIs, assim como sua autonomia para garantir a difusão da informação e a participação dos atingidos em todos os níveis possíveis. As ATIs precisam prosseguir com seu trabalho junto à população, com estrutura e suporte legal, para, assim, assegurar de maneira efetiva a participação coletiva informada em todos os processos que impactam a vida dos atingidos.

Outras soluções de reparação para a Bacia do Paraopeba

Além dos pontos abordados, o MAB propôs mais sete medidas para garantir uma reparação integral na Bacia do Paraopeba:

  • Garantia das indenizações individuais;
  • Correção nos programas geridos pelas prefeituras e Governo Estadual;
  • Início imediato e respeito ao Anexo 1.1;
  • Política e protocolo de saúde integral da população atingida;
  • Respeito e aplicação das Leis das Populações Atingidas;
  • Definição da reparação integral com participação;
  • Retratação da empresa Vale diante das mentiras proferidas em declarações públicas.

Essas propostas refletem o compromisso do MAB com uma reparação justa e completa, que envolva todos os aspectos da vida das pessoas atingidas. Para entender melhor cada ponto, leia a proposta completa do Movimento dos Atingidos por Barragens para a reparação integral na Bacia do Paraopeba.

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