Auxílio previsto na PNAB será cortado em Brumadinho (MG) prejudicando a renda de mais de 150 mil atingidos
População que perderá o direito equivale ao total de habitantes de quatro cidades da Bacia do Paraopeba, território atingido pelo crime da Vale
Publicado 27/12/2024 - Atualizado 27/12/2024
O fim de ano é um momento de balanço e expectativas para a maioria das famílias, mas na Bacia do Paraopeba este tem sido um momento de aflição e incerteza sobre como será 2025. Isto porque os atingidos pelo crime da Vale em Brumadinho (MG), terão um corte de 50% no valor do Programa de Transferência de Renda (PTR), reparação econômica aos danos causados pelo rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em janeiro de 2019.
O PTR começou a ser pago há 3 anos e atualmente atende a 153 mil pessoas. Mensalmente é pago um valor de um salário mínimo para os moradores das chamadas Zonas Quentes (que são as áreas mais próximas ao local do rompimento) e meio salário mínimo para os moradores das demais regiões. Em novembro deste ano, a Fundação Getúlio Vargas (FGV), entidade que gerencia o programa, anunciou que o PTR será cortado pela metade a partir de março de 2025 e finalizado em abril de 2026. O que gerou revolta entre os atingidos.
“A redução era para acontecer há seis meses do fim do PTR. Queremos saber o porquê de estar acontecendo agora. É má gestão?” questiona Geisa Cristina, atingida da cidade de Betim.
A reparação econômica é garantida pela Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), que estabelece em seu terceiro artigo o pagamento de “auxílio emergencial nos casos de acidentes ou desastres, que assegure a manutenção dos níveis de vida até que as famílias e indivíduos alcancem condições pelo menos equivalentes às precedentes”.
Apesar disso, apenas 15% da população atingida pelo crime foi contemplada com o programa. Nivanete Maria dos Santos, moradora do bairro Charneca em Betim, está entre a maioria dos atingidos que não foram atendidos. Ela conta que grande parte da renda familiar é destinada à compra de água potável e de medicamentos. Há seis anos ela busca atendimento para o filho que enfrenta uma grave doença dermatológica, desencadeada após o rompimento. Situação semelhante vive a pescadora Canaã da Silva, moradora da Ocupação Santa Fé, em Juatuba. Após perder a fonte de renda com a contaminação do rio, a trabalhadora se desdobra para garantir o sustento da família.
“É um absurdo esse corte do PTR. Nós temos é que ampliar o direito e não finalizar, porque ainda há muita gente sem acesso e precisando dessa garantia”, pontua.
Na avaliação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), essa é uma das insuficiências do acordo de reparação firmado entre o governo de Minas Gerais, a Vale e as instituições de Justiça. Além de não atender a toda população atingida, o descompasso entre o fim do programa e a concretização da reparação socioeconômica trará um cenário drástico para o território.
“Cerca de 90% dos atingidos ainda não receberam a indenização individual e a reparação socioeconômica, como o Anexo 1.1 que prevê a execução de projetos de retomada da renda, ainda está em fase inicial”, explica Guilherme Camponez, integrante da coordenação do MAB.
Para se ter uma dimensão do impacto que o Programa de Transferência de Renda tem para a economia da Bacia do Paraopeba, a população atendida com o PTR é superior à soma total dos habitantes das cidades de Esmeraldas (70 mil), Juatuba (30 mil), Mário Campos (15 mil) e Igarapé (45 mil), municípios atingidos pelo crime da Vale em Brumadinho.
A FGV afirma que o corte e a redução estavam previstos no edital que estabeleceu as normas para a execução e gerenciamento do Programa. Mas além do prazo para o corte, outro ponto do certame que também é questionado pelos atingidos é o lucro obtido pela Fundação Getúlio Vargas sobre o gerenciamento do PTR.
Fundação teria embolsado aproximadamente R$40 milhões com gestão do programa
O Acordo de Reparação, assinado em fevereiro de 2021, destinou um total de R$4,4 bilhões para o pagamento do Programa de Transferência de Renda. Deste montante, R$109,5 milhões foram pagos à Fundação para executar a gestão do PTR. Além do valor fixo, o contrato de prestação de serviços da FGV também definiu a aplicação de parte do recurso em fundo rentável e estabeleceu que 12% dos rendimentos obtidos acima do rendimento da caderneta de poupança ficarão com a entidade. Desde 2021 foram aplicados R$2,7 bilhões e a estimativa, publicada pela FGV em seu site, é que o rendimento gerou R$1,14 bilhões.
Especialistas da área calculam que ao longo dos três anos de execução do PTR, a FGV provavelmente tenha embolsado cerca de R$40 milhões com o rendimento do fundo. Se por um lado a entidade propagandeia que a extensão do pagamento do PTR se deve ao bom gerenciamento do recurso, por outro, os atingidos cobram transparência sobre os detalhes da gestão. Em busca realizada no site do FGV não há nenhum relatório de auditoria sobre gestão do recurso ou sobre os valores destinados à entidade. “A PNAB estabelece que a população atingida tenha acesso a todas as informações sobre a reparação. O recurso que custeia a FGV é dinheiro dos atingidos e eles têm direito de saber onde isso foi gasto”, explica Camponez.
Insatisfação com gestão
Um levantamento realizado pela Associação Estadual de Defesa Social e Ambiental (AEDAS), uma das entidades que assessoram os atingidos pelo crime em Brumadinho, apontou que ao longo de 2024, 15% de todos os atendimentos realizados sobre o PTR eram relacionados às reclamações sobre a gestão do programa. “As principais queixas são sobre o atendimento da FGV, que parece ser insuficiente diante das dúvidas e demandas apresentadas pela população atingida”, explica Gabriela Cavalcante, coordenadora do Anexo 1.2 da Aedas.
“Ressalta-se também a demora na análise e aprovação dos cadastros das pessoas que têm o direito a receber. Por vezes, em uma mesma família, há membros que recebem e outros não, mesmo tendo apresentado a mesma documentação, gerando insegurança e ansiedade na comunidade”, completa.
“Sempre há um contratempo também com a data do pagamento. Quando ele era feito pela Vale também tinha problema, mas a Comissão de Atingidos conseguia resolver. Hoje com a FGV qualquer problema não tem solução, é só enrolação. E a comissão de atingidos não tem poder de interferir sobre isso”, relata a atingida Geisa Cristina.
Jornada de Lutas
No próximo mês, quando o crime da Vale na Bacia do Paraopeba completará 6 anos, o Movimento dos Atingidos por Barragens realizará uma jornada de lutas com o mote: “Lei dos atingidos aplicar, pra reparação avançar”! As atividades ocorrerão durante os dias 24 e 25 de janeiro para denunciar as insuficiências do acordo de reparação. Os atingidos reivindicam a aplicação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) para o caso.