Minas Gerais já tem mais de 4 mil pessoas fora de casa por conta das chuvas: eventos climáticos resultam em novas mortes e multidões de desabrigados em 2025
Maior frequência de eventos severos, como chuvas intensas e inundações, sinalizam a necessidade de rever modelos de desenvolvimento
Publicado 31/01/2025 - Atualizado 03/02/2025

O ano de 2024 foi marcado por extremos climáticos em todo o país. O Brasil enfrentou meses sob uma densa camada de fumaça causada por incêndios na vegetação. Além disso, a Amazônia viveu a pior seca de sua história recente, enquanto o Rio Grande do Sul foi devastado por chuvas intensas. O ano terminou como o ano mais quente em escala global já registrado, de acordo com o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus (C3S), da União Europeia. O primeiro mês de 2025 dá indícios de que os eventos climáticos vão seguir deixando rastros de destruição e morte, se o país não adotar medidas sérias de adaptação e mitigação das mudanças climáticas.
Ao todo já são 10 mortes, 85 mil pessoas atingidas, R$500 milhões em prejuízo e centenas de desabrigados só em Ipatinga, no Vale do Aço, uma das cidades mais impactadas por enchentes em Minas Gerais. No estado, são mais de 4 mil pessoas fora de casa. Em Santa Catarina, as fortes chuvas que caem no estado, desde a última quinta-feira (16), já deixaram, pelo menos, 781 pessoas desabrigadas em todo o estado. Segundo a Secretaria Estadual da Proteção e Defesa Civil, ao menos nove cidades catarinenses decretaram situação de emergência nas últimas horas.
Solange Alexandre, 59 anos, moradora de São Joaquim, na Grande Florianópolis, conta que já testemunhou várias enchentes no município, mas afirma que as chuvas têm ficado mais intensas, causando a inundação da sua casa e de muitos vizinhos, como aconteceu no último dia 16. A moradora relata que não vê ações do poder público para garantir a segurança da população. Segundo a atingida, neste ano, a prefeitura sequer disponibilizou abrigo temporário após as enchentes, que forçaram famílias a abandonarem suas moradias. “A gente fica no prejuízo, porque a água acaba com os móveis, as roupas, destrói as casas e, no próximo ano, acontece tudo de novo. Neste ano, foi uma ONG aqui perto, a Flor de Nápole, que abriu as portas para receber os desabrigados”.
Em São Paulo, as chuvas intensas da última semana causaram alagamentos, queda de árvores, problemas no fornecimento de energia elétrica e deixou 500 desabrigados e 4pessoas mortas em menos de 24 horas. O município de Picos, a 311 km ao sul de Teresina, também registrou óbitos em função dos eventos climáticos neste mês.
Em todos esses estados, o Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB) têm atuado para fazer o atendimento emergencial da população, mas denuncia que falta ações estruturais para garantir moradia digna, segurança e acesso à saúde da população em áreas de risco, tendo em vista que as catástrofes climáticas se tornaram cíclicas. Ou seja, os eventos extremos podem se tornar o padrão de normalidade. É o que explica a professora Ana Maria Heuminski, do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp. Para ela, tudo está relacionado: enchentes, incêndios, ondas de calor, recordes de temperatura e o aumento de eventos extremos. “As fortes chuvas e enchentes que vêm ocorrendo em diferentes estados do Brasil devem se tornar cada vez mais frequentes, passando a fazer uma nova normalidade climática”.
Além das enchentes, em alguns estados do país, de acordo com dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), em 2025, podemos esperar temperaturas acima da média no país, mudanças nos padrões de chuva, com índices abaixo da média e uma seca persistente, agravada por mais calor e menos chuva em algumas regiões.
MAB denuncia: sem políticas de segurança, mudanças climáticas atingem pessoas mais pobres de forma desproporcional
Diante deste contexto, o MAB tem denunciado que os impactos das mudanças climáticas atingem diferentes grupos sociais de maneiras e intensidades desiguais. Além disso, o Movimento problematiza as responsabilidades históricas pelos impactos ambientais e as desigualdades nas emissões que geram esse cenário.
Desde 2023, a organização está articulando os atingidos pelos desastres climáticos, que enfrentam desafios parecidos com os dos atingidos por barragens. O que todos têm em comum? Em ambos os casos, residem em zonas de risco e estão sujeitos a diversas inseguranças: o risco de perder sua vida, sua família, sua moradia, suas condições de trabalho. Nas duas situações também é preciso responsabilizar grandes empreendimentos por sua atuação predatória e o Estado pela negligência em muitos casos.
Por isso, o MAB tem feito uma profunda reflexão sobre o conceito de “atingido”. Afinal, assim como a reparação e a segurança para as comunidades afetadas por barragens, a justiça para os atingidos pelas mudanças climáticas é um direito humano que deve ser garantido pelo Estado.
De norte a sul do país, MAB tem levado apoio emergencial e articulação para territórios atingidos





Em diferentes territórios atingidos pelas mudanças climáticas, o MAB tem atuado na articulação junto ao poder público, apresentando propostas emergenciais para o amparo das famílias, até que elas se recuperem integralmente dos danos causados pelas chuvas. “Entre as propostas estão: aluguel social e auxílio emergencial justo. Além disso, o movimento atua diretamente no atendimento das famílias mais vulneráveis”, afirma Thiago Alves, integrante da coordenação do MAB em Minas Gerais
Em 2024, ao todo, o Movimento distribuiu cerca de 34 mil litros de água na região amazônica, para atingidos que enfrentavam a seca severa em seus territórios, especialmente na região do Baixo Madeira, em Rondônia, uma das áreas mais afetadas. As doações aconteceram através da Campanha Salve a Amazônia e Águas para a Vida – viabilizadas por meio de parceria com o Ministério Público do Trabalho – MPT e com diversos parceiros. Além disso, foram doadas quase sete mil cestas de alimentos na região. Outra conquista são as 1.000 cisternas amazônicas que serão instaladas em 2025 através do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), a partir da articulação dos atingidos.
Entenda a crise climática que assolou 2024 e a atuação solidária do MAB

Segundo dados do Observatório de Clima e Saúde da Fiocruz, de janeiro a novembro de 2024 foram registrados 896 eventos extremos na natureza. As cheias que devastaram o Rio Grande do Sul, entre abril e maio, deixaram, pelo menos, 183 mortos e cerca de dois milhões de atingidos. Potencializada por uma má gestão política no Estado, essa se tornou uma das maiores tragédias climáticas do país, mas não foi a única de grandes proporções neste ano.
Na região Norte do Brasil, constatou-se uma seca histórica com efeitos severos sobre o modo de vida da população. No estado do Amazonas, todos os 62 municípios decretaram emergência pública devido ao prolongado período de estiagem. Em Porto Velho (RO), o Rio Madeira chegou à mínima histórica de 19 cm. Em toda a região amazônica, a seca isolou cidades pelas baixas dos rios, prejudicando, especialmente, comunidades tradicionais que ficaram sem acesso à água, comida e medicamentos.

Embora as populações ribeirinhas da Amazônia sejam as mais vulneráveis, o desmatamento que contribui largamente com a intensificação das mudanças climáticas não atinge apenas a região Norte, mas todo o Brasil. Devido à dinâmica atmosférica dos ventos que, ao invés de trazerem umidade e chuvas do Norte-Sul, trouxeram, em 2024, fumaça, cinzas e fuligem, impactando a qualidade do ar e, também, modificando a coloração das chuvas, no fenômeno que ficou conhecido como “chuva preta”, um novo marco da crise climática no Brasil. O Pantanal também sofreu com os episódios recorrentes das queimadas, que afetaram diretamente a qualidade de vida da população e destruíram áreas protegidas. Entre o Norte e o Sul, todas as regiões sofreram em algum nível com o calor desproporcional, tempestades, queimadas ou secas severas.
As cozinhas solidárias e a articulação entre os atingidos pelos eventos extremos
No Rio Grande do Sul, as enchentes atingiram principalmente as regiões de vales dos rios Taquari, Jacuí, Gravataí, Guaíba e da Lagoa dos Patos. As famílias que sobreviveram ao desastre perderam suas casas, móveis, eletrodomésticos, meios de transporte e tiveram sua saúde física, emocional e mental afetadas. Também houve impactos devastadores na agricultura do estado. As enchentes atingiram as benfeitorias e maquinários das propriedades e diversas culturas agrícolas, prejudicando não apenas a segurança alimentar das famílias diretamente atingidas, mas de toda a população que acessa seus alimentos.
Entre os meses de maio e outubro, voluntários do MAB de nove estados diferentes viajaram até Porto Alegre para se juntarem aos integrantes do Movimento no estado, e trabalharam junto a outras organizações populares, produzindo mais de 178 mil refeições nas cozinhas solidárias estruturadas em Porto Alegre, Canoas, Arroio do Meio e Estela.
Segundo Alexania Rossato, uma das coordenadoras do MAB no estado, o Movimento enfrentou diversos desafios para conseguir apoiar as comunidades atingidas diante da catástrofe que todos estavam vivenciando. “No começo, havia uma dificuldade enorme de deslocamento até comunidades que estavam inacessíveis. Depois, precisamos aprender a produzir refeições em grande quantidade e criar uma logística para distribuir os alimentos para os mais necessitados – enquanto as chuvas se prolongavam. Tivemos também que articular os grupos de atingidos para uma garantia mais ampla dos direitos: não só o acesso à comida, mas à construção e reforma das casas, estruturação dos reassentamentos e acesso à saúde”, explica a coordenadora.
Rossato conta ainda que, além de garantir a segurança alimentar nas áreas devastadas pela tragédia, as cozinhas também funcionaram como um espaço de acolhimento, união e articulação da população. Foi a partir dessa mobilização nas cozinhas que começamos a articular os grupos de atingidos para lutar por seus direitos. Ao todo, hoje são mais de três mil famílias organizadas no MAB para reivindicar a reparação do Estado, o que é um avanço importante. Ainda assim, Alexania explica que o Movimento tem tido dificuldades de dialogar com o poder público para o atendimento da pauta. Por isso, a mobilização precisa avançar. “Quanto mais pessoas organizadas coletivamente, mais chances temos de conquistarmos nossos direitos”, conclui.
Amazônia: mobilização, avanços jurídicos e parcerias para apoiar comunidades
Diante das secas severas que assolam a região, o MAB atuou em diversas frentes: apoio emergencial à população que ficou sem acesso à água e alimentos, articulação com o poder público para reivindicar ações de prevenção e adaptação às mudanças climáticas e mobilização junto às instituições de justiça para garantir os direitos da população atingida.
Para além da distribuição de água, a partir da campanha Salve a Amazônia, um dos importantes avanços relacionados à atuação do Movimento na região foi a decisão da Justiça Federal que obriga governos (municipal, estadual e federal) a repararem a população atingida pela seca extrema em Porto Velho (RO), um dos estados mais atingidos pelas secas, com fornecimento de água e alimentos para as comunidades ribeirinhas do Rio Madeira. Em 24 de setembro, o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Defensoria Pública da União (DPU) recomendaram que União, Estado e Prefeitura de Porto Velho adotassem medidas coordenadas para fornecimento de água potável, mas as providências não foram cumpridas. Assim, os órgãos fiscalizadores entraram na Justiça para obrigar o poder público a efetivar as ações emergenciais.
