Atingidos e Atingidas da Bahia e do Pernambuco dão início ao processo de formação de lideranças a nível regional

No final do mês de julho, atividade em Salvador (BA) reuniu lideranças organizadas no Movimento dos Atingidos por Barragens para debater a luta das populações atingidas na região e planejar a multiplicação das etapas de formação

Foto: Marcos Souza / MAB

Entre os dias 29 e 31 de julho, aconteceu a primeira etapa do programa de formação da militância do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) dos estados da Bahia e do Pernambuco. Cerca de 35 Atingidos e Atingidas de regiões como a Chapada Diamantina, Oeste, Norte, Recôncavo, Sudoeste e região metropolitana estiveram em Salvador (BA) para debater a luta das populações atingidas no processo da garantia de direitos.

Durante os dias de atividade, os atingidos resgataram a história do Movimento nos estados, desde a construção da Barragem de Sobradinho – há mais de 50 anos na região norte da Bahia – até os conflitos atuais das ameaças de construção de barragens. José Neto Costa, atingido de Sobradinho, relembra que, apesar das dificuldades enfrentadas no processo de resistência à barragem, houveram saldos para luta dos atingidos, “a gente vê que Sobradinho foi uma derrota pra nós, mas foi uma derrota que nos ensinou a lutar. Então, quando veio Itaparica, já foi diferente”, relata.

Seu Neto se refere às grandes ocupações nas obras da barragem de Itaparica no ano de 1986, hoje conhecida como Usina Hidrelétrica Luiz Gonzaga em Pernambuco, processo marcante em que os atingidos da região do Rio São Francisco reivindicaram firmemente seus direitos, como o reassentamento e o direito à permanência na terra, processo esse que bebeu dos erros e acertos da luta em Sobradinho.

Veja também: Diagnóstico Social, Econômico e Cultural dos Atingidos por Barragens: O caso da UHE de Sobradinho (BA) – Relatório I

Somado ao modus operandi do sistema energético brasileiro, no estado de Pernambuco, atingidas alertam para as mudanças irreversíveis que o modo de desenvolvimento tem operado nas comunidades. “A história não volta mais. Hoje a gente vive uma realidade diferente, de ter que sair de um lugar onde sempre viveu, com as casas rachando, por conta da transposição”, relata Eliane Dias, atingida no município de Orocó. 

Essa problemática já era levantada pelo MAB desde o início das obras da Transposição do Rio São Francisco, que o que determina é “pra quê e pra quem” estas obras são construídas. Quem serão os beneficiados, o povo ou meramente as empresas do capital privado?

Mais de meio século depois, a luta não mudou tanto para a comunidade atingida de Caititu, no município de Boninal, na Chapada Diamantina (BA). O conflito para a permanência no território se arrasta há, pelo menos sete anos. Geosseia Ferreira conta que a luta é tanto pela garantia do direito, quanto pela memória que o território carrega. 

“Quando a população se deu conta de que ia mudar sua dinâmica produtiva, que ia impactar sua identidade cultural, a gente se viu sem esperança. Foi quando conhecemos o MAB. O Movimento nos ajudou muito a resgatar nossa esperança”, conta. 

A Barragem Vazante/Baraúnas, de responsabilidade da Companhia de Engenharia Hídrica e de Saneamento da Bahia (CERB) – vinculada à Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sema) – estabelece uma ameaça iminente de expulsão de 150 famílias de suas terras. Desde 2017, com a construção da barragem, o MAB tem contribuído na organização das famílias, em um processo de negociação intensa com o governo do estado. 

“Você nascer em uma comunidade e pensar que aquilo tudo pode não existir mais… O MAB mudou nossa percepção. A negociação nesses sete anos tem sido muito difícil. Os acordos que a gente fez ao longo desse tempo são ignorados pela CERB”, conta Iandria Ferreira, coordenadora do MAB na região. 

Em outra ponta do estado, na região Oeste, a ameaça e a resistência são permanentes. Nos últimos meses o foco da luta tem se dado no município de São Desidério, em que a obra da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Santa Luzia, nas margens do Rio Grande, tem tirado a paz da população.

A empresa responsável pela obra, a ARA Empreendimentos, tem avançado com irregularidades, ao ponto de no último dia 11 de maio, ter sofrido um rompimento, comprometendo o modo de vida das comunidades que moram a jusante da obra. “Nesses 33 anos de história do MAB, nós sempre vivenciamos os malefícios, os crimes, as tragédias anunciadas que as empresas construtoras de barragens vem trazendo à vida da população ribeirinha em todo o Brasil. O caso que está acontecendo na bacia do Rio Grande não é diferente”, conta Temoteo Gomes, coordenador do MAB no estado. 

Foto: Gabrielle Sodré / MAB

Em meio a esse plano estratégico de construção, o Movimento também encara as novas realidades que a conjuntura e a transformação do mundo apresentam. Ao longo dos últimos anos, o trabalho de organização popular e luta por justiça dos atingidos por barragens e pelas mudanças climáticas tem crescido, especialmente nos municípios de Jequié, no sudoeste da Bahia, e de São Félix, na região do Recôncavo, cidades que sofreram com enchentes e aberturas irresponsáveis de comportas das barragens de Pedra  – de responsabilidade da Chesf  – e de Pedra do Cavalo – de responsabilidade da Votorantim –, respectivamente. “Estamos na luta hoje com o MAB para construir uma nova história, em busca de justiça e de reparação para toda nossa cidade”, declara Jeiziane Brito, atingida pelas enchentes de 2021 e 2022 em Jequié.

A etapa foi apenas o início de um longo plano de formação a ser desenvolvido e multiplicado nas diversas regiões de atuação do MAB em todo o Brasil. Seja para tratar de temas como o modelo energético brasileiro, os direitos humanos ou até mesmo o desenrolar da atual crise climática. Atingidos e Atingidas avançam na elaboração de suas pautas pela construção de uma sociedade mais justa e popular. 

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