Povo Pury, atingido pelo crime no Rio Doce (MG), lança protocolo de consulta e exige reconhecimento
Documento é considerado instrumento jurídico e político de defesa dos povos e também traça diretrizes para garantir reparação integral na região
Publicado 22/04/2024 - Atualizado 23/04/2024
No Dia Nacional dos Povos Indígenas, dia 19 de abril, os Purys, do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, celebraram uma conquista inédita: a garantia de um Protocolo de Consulta e Consentimento. O documento, considerado um instrumento jurídico, político e técnico de defesa dos povos e comunidades tradicionais, é o primeiro do Brasil a ser desenvolvido pelo povo Pury.
O Protocolo de Consulta Prévia, Livre e Informada é um direito garantido no artigo 169 da Organização Internacional do Trabalho. Os documentos devem ser elaborados pelas próprias comunidades e têm como objetivo orientar governos e empresas sobre quaisquer tipos de legislações ou empreendimentos que causem danos ao modo de vida, cultura, tradição ou território daquele povo. O texto lançado em Aimorés (MG), foi elaborado ao longo de um ano pela comunidade indígena Uchô Betlháro Purí. Entre outras diretrizes, o protocolo determina, onde e quando devem ser as reuniões para trativas com a comunidade, a metodologia das reuniões e votações e também exige a garantia de acesso à saúde, renda e políticas públicas adequadas.
Além de detalhar a consulta, o documento reafirma outros direitos dos Purys, como o autoconhecimento, autoidentificação e a necessidade de garantia de uma Assessoria Técnica Independente para a comunidade. Ambos os direitos são considerados pela comunidade como fundamentais para se avançar no reconhecimento dos Purys enquanto atingidos.
Reparação do crime no Rio Doce
Passados mais de oito anos do crime da Samarco (Vale/BHP Billiton), com o rompimento da barragem de Fundão em 2015, os Purys ainda não foram reconhecidos como atingidos e têm seus direitos sistematicamente negados pela Fundação Renova, empresa responsável por gerenciar a reparação. “Os danos sofridos são na nossa ancestralidade. O povo Pury teve toda a nossa cultura e tradição tiradas, massacradas e usurpadas mais uma vez: agora pelas empresas rés. O Nhãmãtuza Orum Butã é sagrado para nós. O Grande Rio Doce é espelho de toda uma vida, uma ancestralidade”, declara a cacique Dauáma Meire Mniamá Purí. Em 2006, o povo Pury já havia tido seu território e modo de vida atingido pela construção da Hidroelétrica de Aimorés.
A Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (AEDAS), assessoria que acompanha os atingidos na região do Médio Rio Doce e deu o suporte técnico para o desenvolvimento do protocolo, ressalta alguns dos danos sofridos pela comunidade. “O dano à água, ao trabalho e renda, dano à segurança alimentar e nutricional, danos à saúde, dano ao lazer, dano à informação e dano ao tempo são algumas das violações enfrentadas pela comunidade em decorrência do rompimento”, explica o coordenador de Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) da AEDAS no Leste de Minas, Francisco Phelipe Cunha Paz.
Fruto da luta
Pedro Gonzaga, integrante da coordenação estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) celebra o avanço e reforça a importância da luta do povo neste processo. “A partir da conquista da assessoria para todos atingidos do Rio Doce, o povo Pury teve acesso a uma equipe multidisciplinar para desenvolver seu Protocolo de Consulta e reafirmar as demandas e os direitos específicos da comunidade”, comenta. “O reconhecimento dos direitos do povo Pury se fortalece a partir da luta e articulação do MAB, do Movimento de Ressurgência Pury e outras organizações parceiras”, completa.
Dando sequência às mobilizações por reconhecimento, o povo Pury estará presente na luta dos atingidos da Bacia do Rio Doce, que acontece no próximo dia 24, em Belo Horizonte, reivindicando a criação de uma comissão representativa da comunidade no Comitê Interfederativo que trata do caso.
Lançamento
O lançamento do Protocolo de Consulta da Comunidade Indígena Uchô Betlháro Purí aconteceu na Câmara Municipal de Aimorés e contou com a presença de representantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e das Instituições de Justiça. O documento também conta com versão em vídeo.