Fiscalização da Aneel em 56 usinas mostra que 53 possuem alguma falha; Copel e Cemig lideram problemas, mas negam riscos
Publicado 28/02/2024 - Atualizado 28/02/2024
Cinco anos após o desastre de Brumadinho pelo rompimento de uma barragem de minério da Vale, levantamento mostra que pelo menos 53 reservatórios de água do setor elétrico brasileiro apresentam algum tipo de falha em seus planos e estruturas de segurança.
A Agência Pública teve acesso a um relatório concluído neste mês pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que faz uma análise das condições de segurança de 56 usinas hidrelétricas, todas elas enquadradas na Política Nacional de Segurança de Barragem (PNSB) – em vigor desde 2010. Com exceção de três delas, todas as demais apresentaram algum tipo de anomalia ou irregularidade. Entre as usinas investigadas, 14 delas possuíam pelo menos quatro tipos de pendências.
O relatório se baseia em um conjunto de informações reunidas entre 2021 e 2023. O número de usinas analisadas leva em conta a capacidade de fiscalização da Aneel. Na lista das hidrelétricas avaliadas, as quais somam mais de 6 mil megawatts de potência, estão desde usinas pequenas até grandes barragens, como a de Três Marias, em Minas Gerais, e o complexo de Paulo Afonso, na Bahia.
Entre as principais falhas encontradas pela fiscalização está a ausência de testes nos equipamentos usados para permitir a passagem direta de água pela barragem em épocas de cheia, estruturas conhecidas como extravasores. Na falta desses testes, o risco é que possa haver vazamentos. Em muitas situações, o levantamento também revela prazos vencidos para solução de pendências antigas ou, até mesmo, falta de cronograma para essas ações.
Quando verificada a quantidade de ajustes necessários em cada usina para garantir a segurança plena das operações, o resultado mostrou que, em mais de 60% das hidrelétricas fiscalizadas, são necessárias mais de oito adaptações em cada uma das estruturas e processos avaliados.
Entre as 56 hidrelétricas avaliadas, 16 já vinham tratando, de alguma forma, de resolver as pendências encontradas, segundo o relatório. Outras 40, no entanto, estavam atrasadas ou nem sequer haviam começado a lidar com os problemas apontados.
“Constatou-se situações em que as usinas apresentam anomalias vencidas, ou seja, o cronograma, estabelecido na ISR (Inspeção de Segurança Regular), não está sendo cumprido, ou sem cronograma de solução, ou sem a possibilidade de verificação”, afirma o relatório.
Quando verificado o grau de risco de acidente atribuído a essas barragens, 6% estão na categoria de risco médio, 76% são consideradas de risco baixo e outros 18% ainda nem foram classificados. Em relação aos danos potenciais que podem causar, no entanto, caso ocorra um acidente, 44% estão classificadas como alto grau de dano, 6% são de dano médio e 50% de baixo dano potencial.
As mais irregulares
Duas gigantes do setor elétrico despontam como campeãs das irregularidades em ações de segurança de suas barragens. A primeira é a Copel, do Paraná, que teve 11 usinas selecionadas na fiscalização. Segundo o levantamento, “todas tiveram alguma constatação de não conformidade” em suas operações. A lista inclui casos com os das hidrelétricas de Salto Caxias, Segredo e Capivari, que apresentaram falta de testes de equipamentos. A usina de Segredo, por exemplo, chegou a ser alvo de 16 ajustes necessários.
“Nota-se a presença de não conformidades consideradas relevantes”, afirma a Aneel, detalhando que encontrou “anomalias com prazo vencido, ou sem cronograma de solução, ou com impossibilidade de verificar o devido cumprimento”.
A Cemig, de Minas Gerais, aparece como a segunda no ranking das irregularidades. Entre as 56 usinas fiscalizadas, oito são da companhia mineira e todas apresentaram algum tipo de falha. É o caso da hidrelétrica de Três Marias, a primeira grande usina erguida na cabeceira no São Francisco e que tem papel de “regular” o fluxo das águas que chegam a uma série de barragens posteriores, espalhadas ao longo da calha do rio.
Os dados apontam 14 tipos de ajustes necessários para que a hidrelétrica atinja o nível de segurança adequado. Entre os problemas encontrados na fiscalização estão ações preventivas sem nenhum cronograma ou previsão de serem atendidas.
A partir do diagnóstico feito pela Aneel, foram abertos processos específicos para aprofundar a fiscalização em cada uma das usinas relacionadas. Estão previstas providências e recomendações para cada empresa, o que poderá resultar, inclusive, em penalidades.
A reportagem questionou a Copel e a Cemig sobre o resultado das análises de segurança envolvendo suas barragens.
Por meio de nota, a Copel declarou que “reitera o compromisso com a segurança das usinas que opera e das comunidades que vivem a jusante (abaixo) dos reservatórios”.
Segundo a empresa, a fiscalização realizada pela Aneel levou em consideração informações contidas em relatórios técnicos elaborados em 2022 e que, a partir de novas exigências que passaram a ser feitas pela agência reguladora a partir de 2023, parte das informações solicitadas não estava contemplada nos relatórios inicialmente apresentados. “A empresa já está ajustando os documentos técnicos e tomando demais providências para regularizar as não-conformidades apontadas”, declarou a empresa.
Muitos itens mencionados pela agência, de acordo com a Copel, serão obrigatórios somente a partir das inspeções de 2024. “A Copel destaca, ainda, que mantém a Aneel informada a respeito da necessidade de reprogramação de melhorias e adequações”.
A Cemig informou, por meio de nota, que “cumpre rigorosamente a regulamentação referente à segurança de barragens e adota as melhores práticas de segurança em todos seus empreendimentos”.
As barragens que tiveram sinal amarelo na Aneel, segundo a empresa, encontram-se hoje “em condições normais de operação e segurança”. A Cemig afirma que o relatório da agência aponta “necessidade de adequação à nova metodologia Aneel publicada em maio de 2023, com aplicação a partir de janeiro de 2024”, por se basear em dados colhidos entre 2021 e 2022.
“Até então, os relatórios elaborados pela Cemig consideravam a metodologia anterior. Os Relatórios de Inspeção emitidos a partir de 2024 pela companhia já estarão aderentes à nova resolução”, declarou a empresa.
O resultado da amostra de apenas 56 hidrelétricas avaliadas pela Aneel dá uma pista do cenário preocupante que pode ser verificado no país, se consideradas todas as barragens que estão em operação no território nacional. O Brasil soma, atualmente, 1.442 barragens voltadas para geração de energia. Desse total, 812 são enquadradas nas regras da Política Nacional de Segurança de Barragens, de 2010, devido ao porte e complexidade do projeto.
Vistorias na mineração
Às estruturas das hidrelétricas somam-se, ainda, as barragens voltadas para tratamento de mineração, as quais são fiscalizadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM). Atualmente, existem 933 barragens de rejeito instaladas no Brasil, das quais 468 são enquadradas nas regras da Política Nacional de Segurança de Barragens, de 2010.
Com restrições severas de pessoal especializado para realizar fiscalizações in loco, órgãos como Aneel e ANM acabam, muitas vezes, limitados a levantamentos feitos de forma remota, além de dependerem daquilo que as próprias empresas estão dispostas a informar.
No ano passado, a ANM realizou 365 vistorias em 315 estruturas de rejeito de mineração, das quais 267 barragens estão incluídas na PNSB, correspondendo a 57% do total enquadrado pela política do setor. Foram emitidos um total de 1.463 autos de infrações contra as empresas.
Desde 2016, a Aneel solicita aos donos das hidrelétricas que apresentem seus Planos de Segurança de Barragem (PSB) e Planos de Ações de Emergência (PAE). Os dois documentos apresentam as ações necessárias para prevenir incidentes ou, em casos de emergência, quais medidas devem ser tomadas.
Edição: Giovana Girardi | Infografista: Matheus Pigozzi