Atraso em obras de contenção causam novas inundações na Barra do Sahy, em São Sebastião

Sirene foi acionada na Vila Sahy, local onde ocorreu a tragédia há um ano. Outros bairros da costa sul do município também tiveram alagamentos.

Inundação na Vila do Sahy no dia 20 de fevereiro de 2024. Foto: divulgação G1

Segundo moradores da Vila Sahy, bairro de São Sebastião (SP) atingido por fortes chuvas na tarde de ontem, 20, o atraso e ineficiência do poder municipal na execução das obras de contenção e drenagem no bairro é um dos motivos que causou o alagamento das ruas e fez com que a sirene instalada na Vila Sahy tocasse, um ano após a comunidade viver uma das maiores tragédias climáticas do país, que provocou 64 mortes e deixou centenas de desabrigados e desalojados.

O último boletim emitido pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), divulgado no dia 20, indicava risco alto para deslizamento de terra, inundações e outras ocorrências hidrológicas. De acordo com a prefeitura do município, o acumulado de chuva no local, na terça-feira, ultrapassou 100 milímetros em três horas de precipitação. O plano de contingência municipal foi acionado e moradores do bairro chegaram a deixar o local e se dirigiram à Escola Municipal Henrique Tavares de Jesus, transformada em abrigo, como previa o plano de evacuação. Com a diminuição da chuva, por volta das 18h15, porém, os moradores voltaram para casa. Segundo a prefeitura, até o início da noite de hoje, 21, não havia registro de ocorrências graves.

Liderança comunitária na Vila do Sahy, Moisés Bispo questiona o atraso nas obras planejadas para mitigar riscos no bairro. “Se as obras de contenção tivessem tido início logo após a tragédia, há um ano – já que foi decretado estado de calamidade para que se pudesse contratar empresas sem licitação – as obras já estariam prontas e estaríamos seguros. O estado de calamidade, inclusive, foi prorrogado, porque essa é uma forma de furar tetos de gastos, mas, ainda assim, eles começaram as obras apenas nove meses depois do desastre. Então, está acontecendo isso agora, porque as obras ainda estão inacabadas. Têm muros de contenção prontos, mas têm outros ainda por terminar. Graças a Deus não houve deslizamentos e ninguém se machucou, mas esse tipo de situação não era pra estar acontecendo mais”, afirma Moisés.

Obra de contenção ainda em São Sebastião um ano após a tragédia de fevereiro de 2023. Foto: Francisco Kelvim

Segundo Tamires Cruz, integrante da coordenação do MAB, os atingidos da região esperam respostas urgentes do poder público para proteger as vidas das famílias que sobreviveram à tragédia de 2023, mas seguem sem acesso a políticas públicas de proteção, reparação, participação e informação sobre seus direitos e seu futuro. “Proteger a vida das pessoas que vivem situação de vulnerabilidade em nosso país, em nossa sociedade, deveria ser uma prioridade máxima dos nossos gestores. Como essas pessoas dormem com o barulho da chuva sem saber se o morro pode deslizar, se sua casa pode inundar, se seus filhos podem ser levados?”, questiona a dirigente.


Para os cientistas que atuam na área de desastres naturais, a recorrência de eventos climáticos em áreas como as atingidas em São Sebastião evidencia a importância de um investimento em políticas de habitação, para além de políticas de mitigação.

Regina Alvalá, Diretora Substituta do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) explica que,se as chuvas severas acontecem em áreas naturais não habitadas elas não representam um risco. As tragédias porém, estão relacionadas à questão da moradia nas cidades.

Vista aérea mostrando equipes de resgate no caminho de destruição deixado por um deslizamento de terra após chuva torrencial no distrito de Barra do Sahy em São Sebastião, Estado de São Paulo, Brasil, em 21 de fevereiro de 2023 – Foto: Fernando Marron / AFP

“As principais atingidas pelas mudanças climáticas são populações que vivem em bairros em áreas em que o padrão ali de construção das moradias, o padrão de saneamento básico e toda a questão de infraestrutura é mais precária. E aí obviamente essas pessoas vão ser as mais impactadas quando se tem a combinação da vulnerabilidade dessas pessoas, a precariedade das moradias e a chuva mais intensa e mais concentrada. Aí você tem todos os ingredientes que pode culminar no desastre. Então, precisamos de uma gestão integrada de riscos”, afirma a pesquisadora.

Tamires afirma, que muitos atingidos, inclusive, estão em bairros onde se paga o IPTU, mas não têm acesso a políticas básicas de urbanização de suas comunidades, como asfaltamento, drenagem e canalização. “Historicamente, chuvas intensas têm um grande potencial de destruição com milhões de pessoas vivendo em áreas vulneráveis a deslizamentos, inundações e outros desastres climáticos por falta de moradia segura. Essa é uma questão central para a qual os governos precisam olhar hoje”, declara.

“O município precisa ter os seus planos de prevenção de preparação de contingência e também os municípios precisam ter políticas, né de habitação e precisa ter obras estruturantes, né? Às vezes você precisa realmente asfaltar a rua, precisa desentupir os bueiros, precisa recolher o lixo, né? Pode, de repente, plantar mais árvores nos topos dos morros. Então, tem que ter toda essa política de prevenção”, complementa Regina.

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