Chuvas intensas e má gestão de hidrelétricas causam novas enchentes na Bacia do Rio Uruguai

Impacto das mudanças climáticas é intensificado pela operação de barragens entre os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, deixando casas debaixo d´água em diversos municípios gaúchos


A metade norte do Rio Grande do Sul vem sendo severamente atingida pelo grande volume de chuvas das últimas semanas ao longo da Bacia do Rio Uruguai. O problema se agrava devido à má gestão das águas das hidrelétricas que operam na bacia, com a abertura de comportas e a rápida elevação do nível do rio, fazendo com que milhares de pessoas sejam constantemente atingidas por enchentes repentinas.  

Desde o início do mês de setembro, o estado tem enfrentado um volume excepcional de chuvas intensificado pelas mudanças climáticas, que seguem vitimando causando enormes prejuízos sociais, econômicos e ambientais. Neste mês de outubro, o Alto Uruguai Gaúcho e Fronteira Noroeste, localizadas próximo a divisa com Santa Catarina e fronteira da Argentina, respectivamente, têm sido cenário de enchentes frequentes. Em toda a região norte, atendida pela distribuidora de energia RGE, já são 12 mil pontos sem luz.

Segundo informações da empresa de previsão meteorológica MetSul, o nível do Rio Uruguai deve se elevar ainda mais no Médio Uruguai e no Noroeste do Rio Grande do Sul antes de escoar para a Fronteira Oeste. No último dia 19, o rio subiu 5 metros acima da cota de inundação. Todas as travessias de barca em Porto Mauá, Tiradentes do Sul e Porto Vera Cruz estão suspensas, assim como em Porto Xavier, na região das Missões. Em Porto Mauá, as águas invadiram a aduana e comércios locais e a cidade de Doutor Mauricio Cardoso ficou embaixo d’água. O MetSul também alerta para a eminência da maior enchente em anos nas cidades da fronteira como São Borja, Itaqui e Uruguaiana, que podem deixar muitas famílias desabrigadas.

Pescadora e agricultora, do município de Alecrim, Teresa Pessoa explica que o município é drasticamente atingido pela cheia do Rio Uruguai. Segundo ela, a região resiste há cerca de 50 anos ao projeto do Complexo Hidrelétrico Binacional Garabi e Panambi. Além de enfrentar a ameaça deste projeto, a população é, também, atingida pela abertura das comportas das barragens das Usinas Hidrelétricas de Itá, Machadinho, Foz do Chapecó, Campos Novos, Barra Grande, Monjolinho e Passo Fundo, que estão acima do município.

Tereza relata que toda a sua produção agrícola para a alimentação da família e dos animais encontra-se embaixo d’água e, além disso, as benfeitorias da unidade de sua produção familiar foram afetadas por temporais que provocaram muitos prejuízos. A ribeirinha denuncia a ausência de responsabilização pelos danos sofridos e cobra a efetivação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas.

“Ninguém se responsabiliza pelos nossos prejuízos. Ninguém da empresa vem perguntar qual nossa perda, porque não existe uma política de direitos para os atingidos por barragens que garanta ressarcimento quando perdemos nossa produção em consequência da abertura das comportas das barragens”, denuncia.  

 
Prefeituras declaram estado de emergência

No último dia 17, a prefeitura de Erechim, que fica no Alto Uruguai Gaúcho, no norte do estado, emitiu um decreto de emergência em virtude das chuvas. Segundo relatório elaborado pela Defesa Civil e Força Voluntária do Alto Uruguai, em 24 horas a chuva chegou a 123.80 milímetros e, no acumulado dos últimos 3 meses, passou de 750 milímetros. Com o temporal, granizo e enxurradas dos últimos dias, aproximadamente 30 mil pessoas já foram atingidas pelos eventos climáticos, que atingiram a área urbana e rural do município.

A Prefeitura de Aratiba também declarou situação de emergência devido às fortes chuvas, vento e granizo que atingem o município desde os primeiros dias do mês de outubro, com acúmulo superior a 250 mm, ocasionando inundação, deslizamentos e destelhamentos. De acordo com o laudo técnico da Emater, as perdas na agropecuária ultrapassam R$ 5,7 milhões. Em Marcelino Ramos, um homem está desaparecido após a única balsa que realiza a travessia entre o município e Alto Boa Vista, em Santa Catarina, virar no lago da usina de Itá, na manhã do último dia 18. 

Para Laís Tonatto, integrante da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, as empresas que fazem a gestão das barragens no Brasil ignoram a existência de pessoas que vivem ao longo das bacias hidrográficas exploradas para produção de energia elétrica. “É urgente a aprovação da PNAB para se estabelecer um marco legal que garanta direitos à população atingida, seja por barragens de acúmulo de água, de rejeitos ou mineração, ou ainda por rompimentos e pelas mudanças climáticas”, afirma.

“Além disso, é necessária a responsabilização das empresas donas de grandes empreendimentos e do Estado brasileiro por sua dívida histórica com o povo atingido. Por isso, entre os dias 4 e 7 de novembro, atingidos de todo o Brasil estarão em Brasília (DF) para lutar por seus direitos”, complementa a dirigente.


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