Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB): entenda em 5 pontos
A luta pela aprovação de um marco regulatório para proteger os atingidos por barragens é histórica, mas os trágicos crimes ocorridos em Mariana (MG), Brumadinho (MG) e Aurizona (MA) nos alertaram para a urgência de se dar fim a um ciclo de violações sistemáticas de direitos no país e se evitar que histórias como essas se repitam
Publicado 16/10/2023 - Atualizado 17/10/2023
A Política Nacional de Direitos dos Atingidos por Barragens – PNAB a ser regulamentada pelo PL 2.788/2019 é um marco regulatório que define o conceito de atingidos por barragens e elenca os direitos dessas populações que vivem próximas a barragens de rejeitos de mineração e de acumulação de água para hidrelétricas ou abastecimento humano.
O projeto, que já foi aprovado na Câmara dos Deputados e na Comissão de Meio Ambiente do Senado em abril de 2022, deve ser votado nas próximas semanas na Comissão de Serviços de Infraestrutura.
O texto prevê indenizações e reparações aos atingidos por barragens em caso de tragédias ou de impactos pela construção de empreendimentos e pretende coibir a violação sistemática de direitos humanos contra as populações, como o deslocamento forçado, a perda de meios de subsistência e a degradação da saúde coletiva.
Entenda em 5 pontos por que a aprovação da PNAB é urgente:
1 – Definir quem são os atingidos por barragens do Brasil
A legislação federal atual não tem nenhuma norma específica para tratar o direito das populações atingidas. Enquanto isso, as empresas contam com várias legislações que tentam garantir as atividades relacionadas às barragens por todo o país. Essa disparidade entre as pessoas atingidas e as empresas faz com que a definição de quem é ou não atingido, seja feita pela própria empresa. Reconhecer alguém como atingido pressupõe que ele é portador de direito, sujeito de suas conquistas e protagonista no processo de reparação dos danos causados a ele. Por isso, esse conceito está, atualmente, em disputa.
2 – Criar um marco regulatório
Hoje, na legislação brasileira existem apenas “acordos” que estabelecem critérios e diretrizes para as reparações de direitos, sempre limitados a determinadas barragens, e, em alguns casos, à criação de Termos de Ajuste de Condutas (TAC), mediados pelo Ministério Público Federal. Por não serem “lei”, muitos dos acordos foram descumpridos e os direitos foram negados, inclusive na justiça.
O fato é que existe uma assimetria, ou seja, uma enorme desigualdade de leis para proteção dos atingidos. Os avanços na legislação nacional se limitaram a uma tentativa de cadastramento das populações atingidas por meio da criação do Decreto Nacional nº 7.342/2010 e mesmo este cadastramento está cercado de limitações que atendem prioritariamente aos interesses dos empreendedores responsáveis pela implantação de grandes projetos de investimento. A PNAB é necessária, portanto, para se tornar um marco regulatório para a proteção dos direitos das populações atingidas e prevenção de novas tragédias ambientais do país.
3 – Coibir novas violações de diretos humanos em territórios atingidos
Segundo um relatório do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) de 2011, existem 16 direitos humanos sistematicamente violados na construção de barragens em todo Brasil, dentre eles, os direitos à informação, à participação da população, à moradia adequada, à justa negociação, à justiça e à plena reparação de perdas. A aprovação da PNAB ajudaria o governo a coibir abusos das empresas controladoras de barragens e reparar as populações atingidas.
4 – Evitar que atingidos por barragens sejam revitimizados pelas mudanças climáticas
Os eventos meteorológicos extremos têm sido, a cada ano, mais recorrentes e intensos no Brasil e ainda agravados pela atuação irresponsável de empresas controladoras de barragens, que se transformam em bombas-relógio durante as chuvas por conta da má gestão do volume dos reservatórios. Nos últimos anos, milhares de pessoas foram atingidas na Bahia por inundações causadas pela abertura repentina de comportas de barragens da CHESF. Além disso, em Minas Gerais, atingidos pelos crimes de Mariana e Brumadinho têm sido ‘revitimizados’ por inundações com rejeitos de minério que tomam conta de bairros inteiros espalhando medo, destruição e doenças.
5 – Criar mecanismos legais para garantir a reparação dos atingidos
A cada ano, milhares de brasileiros são submetidos a deslocamentos compulsórios, à degradação de suas condições de vida e à ruptura de laços sociais e comunitárias por grandes projetos de investimento e por graves desastres decorrentes da gestão inadequada de tais projetos. As populações atingidas por esses empreendimentos e projetos são vítimas de perdas e danos, materiais e imateriais, muitas vezes irreparáveis, enquanto as empresas responsáveis pelos empreendimentos seguem quase sempre impunes pelas violações, catástrofes e desastres sociais e ambientais provocados. Estabelecer uma legislação adequada pode fortalecer a segurança da população e garantir ao estados os mecanismos legais necessários para atribuir responsabilidades e cobrar medidas de reparação dos envolvidos de forma mais ágil, sem depender de decisões de longos processos judiciais que se arrastam por falta de referências legais.
Diante da onda de privatizações que tornaram as empresas controladoras de barragens posse de grandes investidores internacionais, a PNAB irá fornecer ferramentas para que o Estado possa sair de uma posição passiva para coordenar e liderar de forma ativa sua execução para proteger e cuidar das populações atingidas, que notadamente é a parte mais vulnerável nos empreendimentos de minas e energias.