Atingidos do Rio Doce divulgam carta ao presidente Lula reivindicando participação na repactuação do Rio Doce

Nessa quinta, 31, atingidos da Bacia do Rio Doce realizaram uma mobilização em Governador Valadares (MG), reunindo 3 mil atingidos para reivindicar participação popular no processo de reparação do crime do Rio Doce, um dos maiores crimes ambientais do país, que irá completar oito anos no próximo mês de novembro. A ”Caminhada por Indenização Justa Já!” irá contar com a presença de representantes da Advocacia-Geral da União e da Secretaria Nacional da Presidência da República, que irão receber a pauta de reivindicações dos atingidos em formato de carta direcionada ao presidente Lula. No documento, os atingidos exigem, sobretudo, poder de decisão no processo de repactuação sobre a reparação do crime.

Carta dos atingidos e atingidas da bacia do Rio Doce para o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva

Governador Valadares, 31 de agosto de 2023

Presidente Lula, nós, atingidos e atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, um crime da Samarco (Vale\BHP Billiton), estamos em luta há quase 8 anos. Desde que nossas casas e plantações, estábulos e currais, praias e riachos, cidades e distritos foram invadidos pela lama tóxica das mineradoras, vivemos em constante insegurança e indignação vendo os danos crescentes em nossas vidas e comunidades.

Estamos doentes. A destruição de nossos modos tradicionais de vida relacionados ao Rio Doce, a poeira dos rejeitos, a lama depositada no fundo dos rios e barragens, as ilhas destruídas por resíduos da mineração que voltam a cada enchente e a própria falta de trabalho e de lazer tem nos trazido prejuízos no corpo e na alma.

Estamos sem água de qualidade. Não confiamos na água que chega em nossas torneiras. Em várias cidades, como em Governador Valadares e Colatina, nossa captação vem diretamente do Rio Doce sem qualquer garantia de que é uma água saudável. Sentimos na pele, com coceiras e outras alergias, que alguma coisa não está certa. Milhares de famílias gastam o pouco dinheiro que tem para comprar água e as que não tem bebem a água duvidosa que adoece e mata. Perdemos muitas pessoas para doenças graves e até desconhecidas e o SUS de cada cidade não está preparado para tanta demanda.

Estamos sem indenização justa. É verdade que sistemas recentes de indenização alcançaram muitas famílias. Mas, menos de 10% dos atingidos receberam algum valor pelos danos individuais e os que receberam foram obrigados a assinar uma quitação final dos direitos presentes e futuros.  Somos mais de 1 milhão de pessoas vivendo os prejuízos por este crime. Milhares buscam justiça entrando com processos judiciais tanto no Brasil quanto na Inglaterra, onde mais de 700 mil pessoas físicas, 2.500 personalidades jurídicas e 46 municípios pressionam a BHP Billiton para receberem valores justos pelos muitos danos acumulados.

Estamos sem moradia. Nos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana, e nas cidades de Barra Longa, Rio Doce e Santa Cruz do Escalvo, a imensa maioria das famílias não foi reassentada. Somos também aqueles que sequer foram reconhecidos como atingidos, mesmo tendo nossas casas destruídas pelo vai e vem do canteiro de obras da Fundação Renova, que até hoje construiu apenas 13 moradias.

Estamos sem trabalho e renda. Como pescadores, marisqueiros, areeiros, carroceiros, bordadeiras, ilheiros, agricultores, pecuaristas, comerciantes vimos piorar a nossa condição de trabalho. Em toda crise econômica, o rio era nossa fonte de alimento e trabalho. Desde o rompimento, isso acabou. E a cada enchente, que agora é uma tragédia de rejeitos anual na nossa região, tudo que foi organizado e conquistado pelo trabalho se perde e novamente os danos se acumulam virando prejuízos e doenças.

Presidente Lula, somos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores e pescadoras, trabalhadores e trabalhadoras rurais, atingidos morando em cidades e zonas rurais de uma região que precisa de uma atenção especial do Governo Federal. Estamos organizados e temos o acompanhamento das assessorias técnicas independentes que atuam conosco e que tanto tem nos ajudado nos dando apoio e informação segura. Temos sonhos e propostas para resolver os problemas criados pelas mineradoras e queremos participar.

Está em curso o processo da Repactuação e ela não pode avançar sem que os atingidos e atingidas participem ativamente e tenham poder de decisão sobre as políticas e os recursos que nos pertencem, como atingidos e como povo brasileiro. Estamos muitos preocupados pelo que ouvimos falar sobre os valores, totalmente insuficientes, que estão sendo negociados e também que nossos direitos individuais não estão sendo tratados com a devida importância. Não permitiremos que a Repactuação seja usada para interesses eleitoreiros com práticas autoritárias, como as do Governo Zema, em Minas Gerais.

Esta carta é um pedido de socorro. O compromisso de seu governo com o meio ambiente e com uma transição energética com sustentabilidade deve considerar o crime na bacia do Rio Doce, nossas dores e reinvindicações. O Governo Federal tem uma missão grandiosa nessa frente da Repactuação, que pode ser um exemplo internacional de como tratar estes crimes e as empresas responsáveis, ampliando direitos e qualificando nossa luta por um meio ambiente saudável.

Do rio ao mar estamos em uma jornada de lutas por direitos e justiça, mobilizando comunidades, pressionando autoridades, entregando nossas reinvindicações, agitando nas ruas e nas redes. Em breve, iremos à Brasília com uma grande caravana de Minas Gerais e do Espírito Santo e queremos que nos receba. Queremos ser ouvidos diretamente pelo presidente e seus ministros.

Este é o recado dos atingidos e atingidas da Bacia do Rio Doce e do litoral capixaba reunidos nesta tarde de 31 de agosto de 2023, em Governador Valadares, na Caminhada por indenização justa já! organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Viemos de mais de 30 cidades e distritos para esta manifestação que mostra o rosto dos protagonistas que constroem a justiça nesta região.

Que nossa voz seja ouvida! Que nossa esperança seja respeitada! Estamos organizados, temos sonhos e propostas e queremos participar das decisões na busca por um rio Doce vivo justo e sem fome enquanto lutamos por um Brasil democrático e que respeite o meio ambiente.

Viva a bacia do Rio Doce e litoral capixaba!

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