Repactuação Rio Doce: atingidos recebem representantes do Governo Federal para apresentar reivindicações

MAB, assessorias técnicas e comissões locais organizaram diversas assembleias que reuniram, ao todo, cerca de 1.500 pessoas em Minas Gerais e Espírito Santo para discutir condições de repactuação justa e com participação popular

Entre os dias 14 e 24 de julho, atingidos e atingidas organizados no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e em Comissões Locais apoiadas por Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) realizaram reuniões e assembleias para receber representantes do Governo Federal que visitaram a Bacia do Rio Doce para conhecer a realidade da região e apresentar propostas em relação à participação da população no processo de execução do acordo sobre a Repactuação do Rio Doce. 

Assembleia em Timóteo (MG). Foto: João Carvalho / Cáritas Diocesana de Itabira

“Este processo de negociação entre Vale, Samarco, BHP Billiton, governo federal, governos de MG e ES e instituições de justiça busca uma pretensa “solução definitiva” para os danos causados pelos crimes das mineradoras na região, mas está sendo conduzido sem a participação dos atingidos e suas representações na mesa de negociação”, reflete Camila Brito, integrante da coordenação do MAB.  

“Sendo assim, o acordo avança sem o acompanhamento das famílias que são as principais interessadas no processo, pois podem ter suas condições de vida, habitação e trabalho transformadas a partir das decisões que estão sendo tomadas”, complementa a dirigente.

A comitiva do governo federal pelo “Convite ao Diálogo” em MG foi integrada por Luiza Dulci e Jarbas Vieira, membros da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gabriela Reis, do Ministério da Saúde e Lucas Zenha, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. 

Justiça, Direitos e Participação 

Ente os dias 14 e 19, a comitiva do governo participou de Assembleias por Direitos e Justiça organizadas pelo MAB, ATIs e comissões locais em Minas Gerais nos municípios de Mariana (comunidades de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Monsenhor Horta, Águas Claras, Cachoeira do Brumado, Bandeirantes e Mainart), Ouro Preto (distrito de Antônio Pereira), Barra Longa, Rio Doce e Ponte Nova, Timóteo, Naque e Belo Oriente (distrito de Cachoira Escura), Tumiritinga, Governador Valadares, Resplendor e Aimorés. As assembleias reuniram, ao todo, cerca de 1500 pessoas.  

“Nós somos ribeirinhos da cidade de Naque e temos uma preocupação muito grande, porque a gente vê todo mundo falando em indenização, mas, na realidade, isso não está acontecendo. Os ribeirinhos, os atingidos estão ficando sem direitos. O primeiro direito dos atingidos é o auxílio financeiro emergencial e eles precisam ter esse direito reconhecido, porque os danos são, até hoje, cotidianos. Hoje, graças a Deus, temos nossa assessoria técnica que chegou e, agora, a gente tem acesso ao governo. Os atingidos estão pedindo socorro”, disse a moradora.

Aleksandra Samora, moradora da Ilha do Rio Doce, comunidade que pertence a Caratinga, também denunciou as dificuldades sofridas desde o rompimento. “Só quem sente na pele consegue entender a dor. Nós estamos aqui em luto. Nós estamos para reivindicar. Somos ribeirinhos e é muito difícil passar um ano que não vem uma enchente. A cada nova enchente que vem trazendo resíduos, a gente tem que entrar em contato com aquela lama para limpar a casa e acaba adoecendo.”

Assembleia no em Belo Oriente, distrito de Cachoeira Escura (MG). Foto: arquivo MAB

Já Celina Maria, moradora de Resplendor, falou sobre a perda de renda após o rompimento da barragem. Ela teve de abandonar a atividade de pescadora após o desastre-crime no Rio Doce, além de um extra no como agricultora. “Eu não sou aposentada e consegui receber o auxílio, mas meu marido nunca recebeu até hoje. Lá em casa são oito galões de água pra beber, fazer comida. A gente gasta muito sem ter. Antes, eu tinha plantas no meu quintal e vendia, doava, agora hoje não tem mais nada”, destacou.

A deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT-MG) destacou a presença marcante das mulheres na luta e na construção diária pela reparação integral. Ela afirmou que foram as mulheres que tiveram aumento na carga de trabalho, após o rompimento. “São elas que estão na luta, que trazem o cartaz, que passam horas infinitas lutando por seus direitos, que têm que administrar as suas casas, lidar com o aumento do trabalho domésticas após o rompimento e administrar as doenças nas casas de todo mundo, porque as doenças aumentaram depois desse rompimento”, disse a deputada, que também acompanhou as reuniões em Mariana, Barra Longa, Naque, Cachoeira Escura, Governador Valadares e Tumiritinga.

Nos municípios acompanhados pela ATI Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social – AEDAS, as assembleias organizadas pelo MAB e Comissões Locais foram antecedidas pelos mutirões para aplicação do Registro Familiar (RF). Por meio dele, será possível sistematizar e analisar diversos danos sofridos através da apuração de um banco de dados centrado no relato das pessoas. Além dos mutirões, as aplicações também acontecem de forma direta por visita domiciliar.

Thomas Parrilli, geógrafo e coordenador da Equipe Socioambiental da Aedas, destaca que a Assessoria tem o compromisso de acompanhar atentamente as medidas de reparação nos territórios em que atua. “Nesse processo de repactuação, queremos reafirmar que a assessoria técnica está ao lado dos atingidos e atingidas. Estamos traçando uma caminhada junto às comunidades, onde há elementos importantes e o registro familiar é um deles. O registro não é o início e nem o fim do processo de assessoria técnica, mas é uma etapa fundamental para nossa caminhada na busca de direitos”, explica.

Neste sentido, a geógrafa e coordenadora de mobilização da Aedas, Geovanna Januário, destaca que os próximos passos junto aos atingidos seria a consolidação dos espaços participativos. “A gente também vai ter, daqui para a frente, grupos de atingidos e atingidas, rodas de diálogos, seminários temáticos, que são espaços que a gente está em construção com os atingidos, sempre trazendo as novas informações e tentando coletar os pontos de vulnerabilidade para a gente também ter um acompanhamento interno pela instituição”, pontua. A expectativa é que quinhentos núcleos familiares sejam acompanhados na primeira etapa da aplicação.

Do rio ao mar, não vão nos calar!

De 20 e 24 de julho, a comitiva seguiu para o Espírito Santo, onde se juntaram os representantes do Ministério da Pesca e Aquicultura Florivaldo Mota Rocha e Josemar Mendonça.  Durante esses dias, houve reuniões em Vitória, Colatina, Povoação, Linhares, Regência, São Mateus e Conceição da Barra.

Um dos encontros aconteceu na capital, Vitória, com o tema “Sem Participação não há Repactuação: a vez e a voz dos Atingidos” no Sindicato dos Ferroviários do Espírito Santo e Minas Gerais – SINDIFER. O evento contou com a participação de diversos movimentos sociais, organizações populares e sindicais, representantes da educação municipal, estadual e federal do estado, das secretarias de agricultura e saúde, além do Incra e parlamentares estaduais e federais. O objetivo do encontro foi entregar uma carta solicitando o comprometimento dos ministérios e do corpo de trabalho do governo federal com a pauta dos atingidos no marco da repactuação com participação popular.

Assembleia em Vitória (ES). Foto: Danilo laslo

Na ocasião, Josemar Mendonça garantiu que o governo quer ouvir pescadores e pescadoras para garantir visibilidade para a categoria no processo de reparação. “O Ministério está aqui presente para fazer o reconhecimento e buscar fazer ouvir os atingidos. E junto com tantos atingidos estão os pescadores e as pescadoras. O Ministério da Pesca tem trabalhado incessantemente esse ano justamente para trazer a regularização desses pescadores, trazer a condição de visibilidade deles e, também, colaborar com toda a questão de auxílios necessários de justiça aos pescadores que foram atingidos aqui na calha do Rio Doce, em toda a bacia.”

Jocenilson Cirilo Mendonça, agricultor, pescador e morador de ilha localizada no Rio Doce, falou sobre a água disponível na região. “O bem maior de uma comunidade se chama água. Sem água ninguém vive. E as mineradoras, através do crime ambiental, acabou tirando isso da gente. Esse crime acabou com a Bacia do Rio Doce, que veio de Minas até o Espírito Santo. Então, quer dizer, dois estados foram destruídos e dois estados que dependiam dessa bacia do Rio Doce para sua sobrevivência”, disse enquanto mostrava a água suja e cor de alaranjada.  

Assembleia em Colatina (ES). Foto: arquivo MAB

Para Davi Nascimento Luz, agricultor assentado pelo Programa Nacional de Reforma Agrária, de Linhares, foi um momento importante para encaminhar demandas. “A gente sai muito animado com os encaminhamentos, tomados aqui hoje, com a presença do pessoal do governo e das secretarias que estavam aqui presentes, de ter acolhido as demandas levantadas pelas comunidades e, principalmente, levantadas pelos atingidos de fato que estão na calha do rio. Agora sim a gente acredita que vai ser levado para Brasília. Que se possa sair resultados que de fato atendam a nós e à classe atingidas e, principalmente, à classe trabalhadora desse país”, disse o atingido. 

A agenda seguiu na segunda-feira, 24, pela manhã na cidade de São Mateus, no auditório do SAAE, e à noite no CRAS de Santana, em Conceição da Barra, onde houve presença também de representante do Ministério da Comunicação, finalizando o percurso da comitiva do governo pelos territórios atingidos.

Propostas do governo federal reforçam importância das ATIs e participação popular na Repactuação

A Comitiva “Convite ao Diálogo” resultou em quatro propostas centrais para o pós repactuação: reafirmação da continuidade e importância das assessorias técnicas independentes, criação de um Conselho de Participação Social da Bacia do Rio Doce e de um Fundo Popular com recursos para as comunidades implementarem projetos de desenvolvimento e geração de emprego e renda e a “Casa de Governo na Bacia do Rio Doce”, órgão federal para acompanhar as políticas de reparação que poderia ser um órgão itinerante. Luiza Dulci, da Secretaria Geral da Presidência, destacou que 14 ministérios do Governo têm se dedicado a debater a reparação.

“A gente entende que seria muito ruim sentar na mesa de negociação e não ouvir as pessoas atingidas, sem conhecer de perto as demandas, o que foi feito e o que não foi feito”.

Luiza destacou que a ideia da constituição do Conselho é ter um espaço permanente e coletivo com a presença dos atingidos, das organizações sociais, de entidades como o Comitê das Bacias, as assessorias técnicas independentes, o poder público e os ministérios do Governo Lula. “Membros que assumam a responsabilidade de garantia de políticas públicas para poder se encontrar de forma periódica. A gente propõe que esses encontros sejam nos territórios atingidos”, frisou.

As propostas apresentadas pelo governo receberam muitas sugestões e questionamentos, tais como: como serão escolhidos os representantes? Como garantir instâncias municipais de acompanhamento? Como os recursos não serão desviados para interesses políticos e eleitorais, sobretudo do Governo Zema que quer fazer asfalto com a repactuação? Como evitar disputas desnecessárias e eleitoreiras na escolha de quem vai conduzir estes órgãos dentro do governo?

MAB prepara comunidades para Jornada Nacional 

O MAB avalia positivamente a participação popular em todas as atividades e vai aprofundar nas comunidades todas as propostas apresentadas por meio da continuidade das reuniões. Neste momento, o movimento está concentrado em aprofundar a pauta, fazer mobilizações e preparar as famílias atingidas em diálogo com outras organizações para uma Jornada Nacional que entregará ao Governo Lula, em setembro, as reivindicações que exigem participação durante a Repactuação e garantias de que qualquer acordo respeitará a luta de quase 8 anos de rompimento. 

“Estamos em um momento muito importante na luta pela reparação dos danos dos crimes no Rio Doce. A Repactuação avança e o governo Zema atua para acelerar o acordo de forma a trazer grandes prejuízos para os interesses do povo. Mas, precisamos torná-la uma oportunidade de avanços, de consolidarmos fundos que serão geridos com participação popular com órgão federal próximo ao contexto dos atingidos. E só teremos conquistas pressionando os governos e empresas com luta nas ruas e este é o plano que o movimento está construído nas comunidades. Sem isto, não haverá nem protagonismo popular e, muito menos, avanços em direitos”, comenta Camilla Brito, integração da coordenação nacional do MAB.

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