Governador Renato Casagrande recebe atingidos e atingidas do ES para debater repactuação justa e democrática para o Rio Doce
Na ocasião, foram entregues documentos com denúncias sobre o processo atual e propostas para um novo modelo de política para reparação no Rio Doce e litoral capixaba
Publicado 13/04/2023 - Atualizado 13/04/2023
Na tarde desta quarta-feira, 12, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), recebeu pela primeira vez o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), além de diversas organizações sociais, para debater propostas relacionadas à Política de Reparação dos Direitos dos Atingidos e Atingidas e à garantia dos direitos das populações vítimas do rompimento da barragem do Fundão.
Na ocasião, foram entregues ao governador propostas para um plano de reparação justa e que seja desenvolvido com a participação dos principais atores nesse contexto: as comunidades atingidas pela lama de rejeitos da Samarco, que esperam há mais de sete anos pela reparação digna. Também foi entregue um documento sobre o Projeto de Lei da Política Estadual dos Atingidos por Barragens – PEAB do Espírito Santo.
Para viabilizar uma reparação digna à população atingida, o MAB propõe a criação de um “organismo de Estado”, capaz de centralizar, coordenar e liderar de forma ativa as ações de reparação, e a constituição de um fundo para garantir recursos financeiros para o atendimento aos territórios atingidos e sua população, sejam eles atingidos pela construção de grandes obras (setores de águas, minas e energia), por rompimentos de barragens, ou por casos extremos decorrentes de mudanças climáticas.
A reunião aconteceu no Palácio Anchieta, sede do Governo, em Vitória. Além dos atingidos e atingidas do estado, estiveram presentes representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimento dos Pequenos Agricultores, da Associação de Surf de Regência, Associação de Desenvolvimento Agrícola Interestadual, Associação de Juízes para a Democracia, Associação Intermunicipal Ambiental em Defesa do Rio Formate e seus Aliados, Comissão de Promoção da Dignidade da Pessoa Humana da Arquidiocese de Vitória, Fórum Igrejas e Sociedade em Ação, Conselho Estadual de Direitos Humanos, Movimento Nacional de Direitos Humanos, entre outros movimentos sociais organizados. Também participaram a reunião lideranças políticas como o deputado federal Helder Salomão, os deputadas estaduais Iriny Lopes (PT), Camila Valadão (PSOL) e o João Coser (PT).
Para o coordenador nacional do MAB, Heider Boza, a reunião reforçou o processo de luta e articulação política que coloca as populações atingidas por barragens na centralidade da busca por uma reparação justa. “Estamos aqui para reafirmar quem somos e porque lutamos. Estamos aqui pelas pessoas que morrem na lama e pelas que são mortas pela falta de políticas públicas que garantam a proteção e segurança das populações atingidas. Nessa reunião de hoje trazemos a unidade de nossas lutas nas diferentes organizações aqui presentes, para denúncia do que não foi feito até hoje, mas também para apresentar propostas de caminhos para construirmos esse plano com a participação das pessoas atingidas”, disse.
A deputada Iriny destacou para o governador a importância da PEAB. “Essa proposta de Lei é resultado de muitas lutas ao longo desses últimos sete anos”. Segundo ela, é essencial o processo de construção da Lei para o Estado do Espírito Santo, com articulações nas instâncias federais e locais, feitas pelo deputado federal e relator da comissão externa sobre a barragem de Fundão, Helder Salomão.
A Reparação no Espírito Santo
A criação da Fundação Renova consolidou um modelo de reparação com total ausência de políticas públicas e de compromisso dos governos estaduais, municipais e federal, deixando os atingidos à mercê das empresas ou de acordos e decisões judiciais instáveis, causando insegurança e afetando, inclusive, a saúde mental dos atingidos e atingidas.
O fato de estar em debate um terceiro acordo extrajudicial depois de sete anos marcados por uma série de decisões judiciais contraditórias evidencia as falhas e incoerências do atual modelo de reparação.
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Ainda sobre o funcionamento do atual modelo, o governador Renato Casagrande, afirmou: “O atual modelo reparatório como está não funciona, nós do governo também temos pressa para as mudanças e por um processo reparatório que funcione”.
Selma Ramalho, que é pescadora de Campo Grande, em São Mateus, afirma ter sido excluída de todo o processo. “Faz sete anos que a gente é excluído. Até hoje não recebi indenização, não tenho como pescar, não como mais peixe. Estamos procurando o direito da gente pra poder sobreviver”.
Para suprir esses anseios e evitar que se repitam os erros da Fundação Renova, atingidos querem participar efetivamente das decisões relativas à reparação dos danos causados pelo crime da Samarco no Espírito Santo. Esse direito é assegurado pela Constituição do Brasil e do Estado do Espírito Santo.
Para Silvia Lafayette, atingida do litoral em São Mateus, existe um processo de exclusão na reparação atual, um processo que se faz com negações de direitos às pessoas atingidas. “São sete anos de luta e muitos de nós não conseguimos acessar nenhum direito, nem mesmo com relação à saúde. Não tem sido fácil esse reconhecimento, mas – com a assessoria – esperamos que as coisas comecem a ficar melhor, pra sermos reconhecidas como atingidas”.
O fato de uma Lei própria para atingidos ter sido aprovada em Minas Gerais é muito importante para a consolidação de alguns direitos garantidos antes por meio de acordos, como o direito ao apoio das assessorias técnicas independentes (ATIs).
Nilton dos Santos, pescador e agricultor, destaca a importância da ATI e cobra atitudes do Estado. “Tô na luta há sete anos e defendendo a assessoria técnica. Agora nós conseguimos, graças a Deus, pra ver se nós resolvemos nosso problema. E a conversa com Casagrande é pra ver como o Estado tá a fim de nos ajudar, porque a situação do pescador tá bem difícil. Como vamos criar nossos filhos? Como nossos filhos vão criar nossos netos? Porque a única função que aprendemos foi pescar e ficam empurrando a gente com a barriga.”, afirmou.
Jorge Gramelich, morador de um assentamento em Linhares, também esteve presente para cobrar o Governo Estadual. “Desde quando a lama chegou, acabou a nossa produção. A gente cultivava banana, açaí, pimenta do reino… acabou tudo, porque eu captava água do Rio Doce. Tem esses programas todos aí na Renova, mas que até hoje nenhum foi concretizado, e a gente tá esperando uma resposta do governo do estado pra ver se ajuda em alguma coisa, porque até a merenda escolar que a gente produzia e vendia, a primeira coisa que fizeram foi suspender, porque a gente captava água do Rio Doce. De lá pra cá foi só sofrimento”, reforçou.
Marco Carolino, da direção nacional do MST no Espírito Santo foi enfático: “O governador tem que cumprir também esse papel de fazer com que as empresas paguem pelo crime que cometeram”.
O documento entregue ao Governo do Estado foi assinado pelas organizações: ADAI – Associação de Desenvolvimento Agrícola Interestadual, AJD – Associação de Juízes para a Democracia, ASIARFA – Associação Intermunicipal Ambiental em Defesa do Rio Formate e seus Aliados, CPDH – Comissão de Promoção da Dignidade da Pessoa Humana da Arquidiocese de Vitória, Fórum Igrejas e Sociedade em Ação, CEDH – Conselho Estadual de Direitos Humanos, MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens, MNDH – Movimento Nacional de Direitos Humanos, MPA – Movimento de Pequenos Agricultores, MST – Movimento dos Trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra, Observatório Rio Doce e SINDIFER – Sindicato dos Ferroviários ES e MG.