Às margens do rio Doce e no meio da lama: os danos do desastre da mineradora Samarco sobre o município de Governador Valadares/MG que agora enfrenta o medo da privatização da água
Publicado 17/03/2023 - Atualizado 17/03/2023
O Rio Doce, paisagem icônica de Governador Valadares/MG e cartão postal que desenha todo o horizonte da cidade, pode ser considerado a joia daquela que é chamada de Princesinha do Vale do Rio Doce, palco de grandes histórias e inspiração de muitas músicas e prosas locais. Este rio hoje leva em suas águas as lágrimas, o suor e o sangue das vítimas do maior crime ambiental da história do planeta.
Era um dia qualquer na vida do povo valadarense, muito calor e a cidade frenética como de costume, quando começam a chegar nos jornais, rádios e celulares a notícia do rompimento de uma barragem. Os momentos que vieram a seguir pareciam cena de filme. A notícia que até então narrava uma tragédia ocorrida longe daqui, com o passar das horas trouxe uma atmosfera de aflição, terror e caos para a grande Governador Valadares.
A lama que desceu chegaria à cidade. O Rio Doce, única fonte de abastecimento de toda o município, era o caminho pelo qual todo o rejeito desceria rumo ao mar. De lá para cá, muitos registros foram publicados, assistidos, lidos e compartilhados oralmente por esta gente guerreira. A luta das pessoas atingidas, que se ergueram da lama que matou nosso rio, carrega consigo no dia 14 de março uma luta histórica por todos aqueles e aquelas que, assim como nós, tiveram suas vidas atingidas e sua realidade transformada pela ganância do homem e sede pelo capital.
Foto: Rafael Modesto
O pescador, a lavadeira, o pequeno agricultor e todo o sistema econômico, cultural e social que dependia do Rio Doce, se viram devastados e sem o seu tão precioso ganha pão.
Rio que carrega o doce em seu nome, hoje trás consigo o amargo do sofrimento e das negligências que poderiam ter evitado que nossa querida joia da princesa do vale, não fosse perdida em um mar de lama.
Nossa água não é mercadoria, este grito que ecoa na voz de cada pessoa atingida, para além de uma expressão política, é um clamor para que repensemos em como tratamos a maior riqueza do planeta e o bem sem o qual não existe ser humano que sobreviva.
Águas, que hoje descem pelo rio, as mesmas que marcam a história da nossa cidade, que desenham nossa Minas Gerais e que desaguam no grande oceano, estão em risco. Novamente, a sede do capital por nossa água nos assombra. Agora querem entregar nosso sistema de tratamento de água e esgoto à iniciativa privada, sob o argumento de que, sem esta entrega, não teremos tratamento de esgoto na cidade.
É interessante, para não dizer jocoso, que este argumento que se baseia na lógica do entregar para melhorar, é o mesmo aplicado pelas mineradoras com as barragens e sabemos exatamente o que acontece quando esses grupos tomam conta de nossas riquezas.
A vida de um povo se baseia em suas expressões culturais, sociais, econômicas e também na dinâmica da disponibilidade de recursos para construção de sua vida.
Nossas águas, por concepção, existem para vida! É o que rega nossas plantações, nos refresca do calor, está em 70% da composição do nosso corpo. Sem água, não há vida, e sem sua democratização, cuidado e, acima de tudo, qualidade em sua gestão, tampouco haverá vida.
Sendo assim, neste dia é enfático dizer em alto e bom som:
ÁGUAS PARA A VIDA E NÃO PARA A MORTE!
ÁGUA E ENERGIA NÃO SÃO MERCADORIAS!
* Rafael Modesto é estudante de administração e ciência política, membro do Diretório Central dos Estudantes da UFJF e atingido por barragem