As enchentes e as barragens no Alto da Bacia do Rio Doce: mesmo problema e qual a solução?
Dois meses depois das inundações nas cidades e comunidades próximas às barragens em Minas Gerais, os atingidos seguem sem suporte do poder público e das empresas responsáveis e com medo de que as tragédias se repitam na próxima estação chuvosa
Publicado 17/03/2022 - Atualizado 18/03/2022
Recorrentemente, as populações que moram nas redondezas das barragens de hidrelétricas ou de rejeitos de mineração são atingidas com a remoção de famílias, a modificação do seu modo de vida e do ambiente nos territórios. Os impactos existem durante a construção e operação dos empreendimentos que seguem gerando problemas socioambientais décadas depois da sua implementação.
Os problemas desencadeados ao longo do tempo envolvem enchentes de água e de rejeitos de minério, risco de rompimento ou rompimento efetivo de barragens, assoreamento de rios e estado de pânico com sirenes que tocam de madrugada. Nesses territórios, os períodos de chuvas prolongadas representam uma tormenta pelo maior risco de tragédias envolvendo essas estruturas.
Tradicionalmente o povo ribeirinho domina técnicas de monitoramento das chuvas e das águas dos rios, pois as enchentes são sempre um risco. Em 2022, porém, foi observado um fenômeno anormal nas inundações: os rios subiram rapidamente, assim como também abaixaram muito rápido. A água trouxe bastante sujeira e mal cheiro pra dentro da casa das pessoas e os rios ganharam bancos de areia e assoreamento.
Neste ano, tal fenômeno foi observado em vários municípios do Alto da Bacia do Rio Doce, em locais que têm rios barrados ou cujos rios têm cursos próximos a barragens de rejeitos. Suspeita-se que as enchentes deste ano, de acordo com as características observadas, podem estar relacionadas com a forma como é feito o gerenciamento das barragens durante o período de chuvas.
No município de Mariana, a comunidade de Mainart, banhada pelo rio Gualaxo do Sul, sofreu com uma grande enchente. Várias famílias perderam tudo. A cidade está localizada entre duas hidrelétricas de propriedade da empresa Novelis, que são operadas pela Maynart Energética/CEI, responsável por controlar a vazão de água no rio.
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A mesma situação foi vivida em Ponte Nova, que teve diversos danos nas estruturas coletivas do município e várias famílias desalojadas. A cidade é banhada pelo rio Piranga, onde estão as usinas hidrelétricas da Brecha e do Brito, que controlam a vazão das águas. Esses empreendimentos são também de responsabilidade da Novelis.
O município de Raul Soares, atingido pela barragem João Camilo Pena e a comunidade de Granada, em Abre Campo, atingida pela barragem Tulio Cordeiro de Melo, sofreram enchentes nos últimos quatro anos, sendo a pior delas em 2020, quando diversas famílias ficaram desalojadas e uma ponte foi destruída.
A comunidade de Bandeirantes, em Mariana, também teve enchente, porém, os moradores observaram que a água estava muito suja e suspeitam que esteja contaminada por rejeitos de minério. “Até hoje as famílias atingidas não receberam nenhuma ajuda emergencial. Muitas perderam tudo dentro de casa. Não tiveram nenhuma informação ou aviso sobre reparação e estão aqui esquecidas pelo poder público”, comentou Elaine Aparecida, integrante do MAB e moradora de Bandeirantes, durante uma reunião na comunidade.
As suspeitas de enchentes de rejeitos também aconteceram no município de Barra Longa e na comunidade rural de Felipe dos Santos. Além dessas, diversas outras comunidades rurais e cidades da região passaram por estes mesmos problemas.
Ano após ano, muitas famílias são expostas às mesmas dificuldades, precisam retomar suas vidas, sem ter seus direitos assegurados. É urgente discutir a reponsabilidade dos donos das barragens e do poder público sobre este recorrente problema e garantir o direito à indenização para as famílias atingidas que perderam bens e que tiveram perdas em sua fonte de renda, assim como medidas de prevenção e reassentamento coletivo para as comunidades historicamente atingidas pelas hidrelétricas.
O Movimento dos Atingidos por Barragens caminha em permanente luta pelos direitos dos atingidos por barragens de água e de rejeitos, organizando a pauta e a luta dos das populações mais vulneráveis neste processo, para que nos próximos períodos chuvosos este pesadelo não se repita.