Organizações fazem mobilização conjunta contra o projeto da hidrovia Araguaia-Tocantins, denunciando prejuízos socioambientais irreversíveis ao modo de vida das cidades e comunidades locais
Publicado 31/01/2022 - Atualizado 02/02/2022
Iniciou neste domingo, 30, a Caravana em defesa do Rio Tocantins, que está percorrendo parte do trecho previsto para a construção da hidrovia Araguaia-Tocantins, saindo de Barcarena (PA) e passando por 11 municípios da região sudeste do Pará, até Itupiranga (PA).
O objetivo da caravana é denunciar os impactos previstos com a construção da hidrovia, fortalecer a organização de resistência ao projeto e a luta por direitos. A ação é organizada por um conjunto de entidades incluindo movimentos sindicais, sociais e setores da Igreja.
As atividades da caravana começaram na comunidade Vila Nova, em Barcarena (PA), onde foi realizada a abertura da Caravana com a presença de moradores da locais.
Segundo Iury Paulino, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), além de fazer a denúncia, a ideia da caravana é contribuir com a organização das comunidades atingidas. “Esperamos que, a partir desse momento (caravana), a gente possa fortalecer esse trabalho, consolidando os grupos dos atingidos, as comissões e um processo de formação e orientação para que as pessoas possam ter a verdadeira noção dos problemas que a hidrovia pode trazer e, sobretudo, construir um instrumento organizativo que permita uma resistência de forma coletiva”, afirmou.
Iury explica que uma das principais demandas, construídas a partir de três encontros realizados na região, era integrar as comunidades da região chamada “baixo” Tocantins com a região do “alto”, que inclui os municípios de Marabá e Itupiranga, onde está localizado o Pedral do Lourenço, ameaçado de derrocamento pela implantação da hidrovia.
Além do MAB, fazem parte da coordenação da atividade a CUT Brasil, CUT Pará, Fetagri-PA, a Diocese de Cametá, Conselho Pastoral dos Pescadores, Universidade Federal do Pará (UFPA), campus Tocantins Cametá, Levante Popular da Juventude, Sintepp e organizações de pescadores e de quilombolas da região. A caravana tem o apoio do Solidarity Center/AFL-Cio, entidade sindical internacional.
A programação da caravana inclui atos políticos e reuniões nos municípios atingidos pelo projeto da hidrovia, como Abaetetuba, Igarapé Miri, Limoeiro do Ajuru, Cametá, Mocajuba, Baião, Tucuruí, Nova Ipixuna, Marabá e Itupiranga. A ação terminará com um grande encontro nos dias 4 e 5 de fevereiro, na Vila Taury, em Itupiranga (PA).
Entenda o projeto da hidrovia
Localizada entre as regiões Norte e Centro-oeste do País, a Bacia do Tocantins-Araguaia é maior bacia hidrográfica brasileira localizada em sua totalidade no território nacional. Sua área abrange os estados de Tocantins, Pará, Maranhão, Goiás e Mato Grosso, além do Distrito Federal, somando 409 municípios, incluindo Belém (PA), Marabá (PA), Imperatriz (MA), Palmas (TO) e Araguaína (TO).
O Rio Tocantins foi historicamente aproveitado para a construção de hidrelétricas, como, por exemplo, Tucuruí (PA), Estreito (TO), Serra da Mesa e Cana Brava (GO), que já promoveram inúmeras violações de direitos e impactos ambientais.
Com o projeto da hidrovia, o objetivo é tornar o rio navegável em um trecho de 2500 km, tanto à montante quanto à jusante de Tucuruí. Os movimentos sociais denunciam que o projeto tem como objetivo principal o transporte de commodities, como a soja e o minério, inserido em uma lógica de avanço do capital sobre os rios da Amazônia.
A hidrovia integra o projeto do corredor Arco Norte, que prevê o transporte de cargas, em especial soja e minério, de forma multimodal através de ferrovia, rodovia e hidrovia, saindo da região Centro-Oeste do país até o Porto de Vila de Conde, em Barcarena (PA), de onde as commodities sairão para exportação.
As discussões sobre a hidrovia se iniciaram nos anos 1960, sendo retomadas nos anos 1980. O projeto consiste em dar navegabilidade para o transporte de cargas de tonelagem por um trecho de cerca de 2.500 km. De acordo com a Agência Nacional de Transportes Aquários (Antaq), as principais cargas transportadas pela bacia são combustíveis e óleos minerais, soja e milho.
Para que a hidrovia seja implantada, porém, é necessário realizar obras civis com intervenções em 87 pontos nos rios Araguaia, Tocantins e das Mortes. Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), a meta é implodir e dragar 212 quilômetros do rio Tocantins, o que representa o derrocamento de 35 quilômetros de parte das rochas do Pedral do Lourenço.
Dragagem e derrocamento são técnicas de engenharia que consistem em retirada de materiais do rio. Enquanto a primeira é usada para sedimentos e rochas do fundo do leito, a segunda é a retirada de material não originado de assoreamento, em especial rochas e pedras, como as que formam o Pedral do Lourenço.
O projeto está em andamento e o licenciamento para a obra prossegue mesmo sem consulta prévia dos indígenas e comunidades afetadas. As obras serão executadas pelo consórcio DTA/O’MARTIN, composto pelas empresas DTA Engenharia e O’ Martin-Serviços e Locação Ltda, que venceram uma licitação realizada em 2016. O licenciamento é feito pelo Ibama e a expectativa é que até março seja concedida a licença prévia.
Os Impactos
Às margens do rio Tocantins vivem povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores, extrativistas e agricultores familiares. São populações cujo modo de vida está profundamente ligado ao rio, que também é fundamental para a economia da região.
A construção da hidrovia irá desencadear uma série de impactos ambientais, sociais, econômicos e culturais irreversíveis. No centro disso tudo, as comunidades que habitam na região são as mais afetadas. Povos ribeirinhos e comunidades quilombolas que dependem do rio para sua subsistência. Se, para as grandes empresas, o projeto é favorável, para a população local, é desastroso.
Entre os prejuízos listados pelos organizadores da caravana estão:
1. Aumento do risco de erosão e de assoreamento dos rios e canais, causando perda de qualidade da água e da biodiversidade, principalmente de espécies de peixes;
2. Sobreposição de áreas de pesca com o canal da Hidrovia, o que irá gerar perdas de ambientes de pesca, insegurança alimentar e, consequentemente, perdas de receitas para os moradores e municípios;
3. Poluição por defensivos, resíduos urbanos, industriais ou de extração mineral, e óleo combustível das próprias embarcações;
4. A circulação pelo rio sendo determinada pelo fluxo das barcaças, ou seja, a prioridade não vai ser o ribeirinho transportando sua produção, mas sim, as barcaças com o minério;
5. Introdução de novas doenças na região, diante do aumento da migração populacional induzida e favorecida pela hidrovia;
6. Substituição indiscriminada de matas e florestas por monoculturas agrícolas, principalmente a soja;
7. Perda de fertilidade e salinização do solo devido à irrigação;
8. Ocupação das margens do rio pela extração indiscriminada de minério;
9. Mudança no modo de vida e perda de bem-estar das populações locais.