Nota Observatório Rio Doce | Movimentos sociais e assessorias técnicas estão sendo criminalizadas
Entidades que integram Observatório repudiam a perseguição política contra o MAB e as assessorias técnicas independentes, que estão sendo impedidas de realizar seu trabalho na Bacia do Rio Doce
Publicado 02/12/2021 - Atualizado 02/12/2021
O Observatório Rio Doce vem a público denunciar o processo de constrangimento e criminalização ao qual estão sendo submetido as Assessorias Técnicas Independentes e os movimentos populares que atuam em defesa das pessoas atingidas pelo desastre-crime da Vale/Samarco/BHP. Não bastassem todas as estratégias da Fundação Renova para evitar a reparação integral aos atingidos e atingidas, as empresas e o juiz da 12º Vara Federal de Minas Gerais ainda tentam impedir o trabalho sério de quem luta para reverter a grave violação de direitos humanos em toda bacia do Rio Doce.
A decisão do Juiz Mário de Paula Franco Júnior, do dia 4 de outubro de 2021, atende aos pedidos das empresas e descaracteriza completamente o papel das Assessorias Técnicas Independentes (ATI´s) nos territórios, impedindo-as de cumprir funções primordiais para as quais foram escolhidas no âmbito do Aditivo ao TAP, de novembro de 2017. De acordo com a decisão, as ATI´s “não podem produzir pessoalmente coletas de dados primários, não podem realizar diretamente diagnósticos, não podem formular matrizes de danos para fins de definição reparatória etc”. Além desses, existem outros inúmeros interditos que impossibilitam a garantia de acesso à informação qualificada por parte das comunidades atingidas. Também foi imposto um plano de trabalho completamente diferente daqueles construídos em conjunto com as comunidades em 2018 e 2019 ao qual as ATI´s devem se submeter. Além disso, qualquer estudo demandado pela comunidade só pode ser realizado sob a autorização do juiz, após prévia consulta às empresas!
Por que razão impedir a produção de dados independentes daqueles produzidos por intermédio das mineradoras? Qual seria o real problema do assessoramento das comunidades atingidas? Como disse um pescador atingido, “a Fundação Renova é a assessoria técnica das rés Vale/Samarco/BHP. Elas já possuem a sua assessoria técnica. E nós?”
Sabemos que as pessoas atingidas, bem como os grupos populares e acadêmicos que lhes apoiam, não possuem a mesma estrutura financeira e organizacional das corporações, que investem vultosos recursos para financiar estudos que lhes sejam favoráveis. Neste quadro de absoluta desigualdade na distribuição dos recursos científicos entre os litigantes, as ATI´s desempenham um papel imprescindível para as comunidades atingidas, qual seja equiparar as condições processuais através da produção de provas para as pessoas atingidas. No entanto, por este trabalho, tornaram-se alvos de assédio e criminalização por parte das decisões da 12º Vara. Em uma clara tentativa de intimidação, foi estabelecida uma perícia judicial no trabalho de assessoria técnica da AEDAS em Barra Longa (MG) que, ao contrário do que desejaria as empresas, conta com grande legitimidade popular.
Não somente as ATI´s tem sido assediadas, mas também os movimentos populares, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), citado mais de uma vez na decisão de 04 de outubro. O juiz aceita o argumento de que a relação pública do MAB com entidades de assessoria técnica tira a legitimidade e a independência delas no exercício das tarefas designadas por um edital público. A Justiça Federal quer criminalizar a parceria de entidades autônomas que trabalham com o mesmo tema, cerceando a liberdade de organização de todos os envolvidos.
Importante lembrar que no início deste ano, o Ministério Público e as Defensorias pediram a suspeição do referido juiz, apresentando provas de conduta em favor das empresas e da Fundação Renova e em detrimento da centralidade do sofrimento da vítima e seus direitos.
No atual contexto nacional em que sobejam censuras e perseguições a pesquisadores e movimentos sociais críticos, dissimulação de dados e negacionismo científico, temos consciência de que solicitar o embargo da referida decisão judicial e defender o conceito e o instituto das Assessorias Técnicas Independentes e a legitimidade dos movimentos sociais na bacia do Rio Doce é também defender a ciência e a democracia em nosso país. O Observatório Rio Doce mantém sua posição firme de apoio ao MAB e a todas as iniciativas de lutas por direito e segue firme ao lado dos atingidos e atingidas na luta por reparação integral.
Membros do Observatório Rio Doce:
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Amigos da Terra
Justiça Global
Terra de Direitos
Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD)
Rede de Advogados e Advogadas Populares (RENAP)
Coletivo Margarida Alves
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada de MG (SITICOP MG)
Rede de Pesquisa Rio Doce (Centro de Referência em Direitos Humanos (CDHR) da Universidade Federal de Juiz de Fora – GV; Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (GEPSA) da Universidade Federal de Ouro Preto; o Homa – Centro de Direitos Humanos e Empresas da Universidade Federal de Juiz de Fora; o Organon – Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Mobilizações Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo; e o Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS) da Universidade Federal de Juiz e Fora.)