MAB lança jornada de lutas por justiça após 6 anos do crime de Mariana e 3 anos de Brumadinho
Crimes cometidos pelas maiores mineradoras do mundo seguem deixando um rastro de violações de direitos, doenças, impactos ambientais e econômicos e desrespeito às vítimas que sofrem com a morosidade da Justiça e da negligência do Estado.
Publicado 06/10/2021 - Atualizado 06/10/2021
Na noite de ontem, 05, o MAB transmitiu em seu canal do Youtube o lançamento da Jornada “Atingidos em Luta por Justiça. 6 anos Mariana e 3 anos Brumadinho”, que tem a proposta de denunciar a morosidade e impunidade nos casos dos crimes cometidos pela Vale, Samarco e BHP Billiton na Bacia do Rio Doce e da Vale na Bacia do Rio Paraopeba, em Minas Gerais. A luta do MAB segue neste ciclo de atividades com ações simbólicas até janeiro de 2022 para ecoar a voz dos atingidos.
A jornada marca os aniversários de dois dos maiores crimes socioambientais da história do país. O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, no dia 5 de novembro de 2015, e da barragem Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, no dia 25 de janeiro de 2019. Juntos os crimes provocaram danos humanos e ambientais sem precedentes na mineração, somando centenas de mortos e desaparecidos, comunidades inteiras desalojadas, centenas de quilômetros dos rios Doce e Paraopeba destruídos e uma contaminação que atingiu cidades, aldeias, assentamentos e chegou até o Oceano Atlântico. Até hoje, ninguém foi preso ou responsabilizado criminalmente pelos danos causados. Pelo contrário, as mineradoras têm articulado novos acordos diretamente com o governo, sem participação dos atingidos.
O encontro online de ontem contou com a participação dos atingidos por barragens de Minas Gerais e Espírito Santo, representantes de instituições de justiça e parceiros como o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM). Em suas falas, os representantes denunciaram a morosidade da Justiça em promover a reparação dos territórios impactados e de assegurar os direitos dos atingidos. Reforçaram também a importância da luta do MAB na articulação, mobilização, apoio aos atingidos e denúncia contra as empresas e órgãos violadores.
“O MAB tem sido um parceiro permanente, tanto em relação à participação social, à mobilização e à promoção de direitos humanos das pessoas vítimas dos crimes socioambientais relacionados aos rompimentos das barragens em questão”, afirmou Gabriel Travassos, da Defensoria Pública da União.
“É muito importante destacar a necessidade de participação social nos processos estruturais das pessoas que foram atingidas pelos rompimentos das barragens. Um processo estrutural para que tenha legitimidade e para que seja efetivo nos territórios atingidos, é imprescindível que ele garanta a participação, a apresentação de proposta pelas diversas partes, que em um processo de acordo que isso seja submetido à avaliação de quem presenta à população, pela população propriamente dita. Por isso, é tão importante a aprovação da Política Nacional dos Atingidos por Barragens, porque atualmente nós temos um cenário de insegurança jurídica muito grande”, ressaltou ainda Travassos.
Em sua fala, Jarbas Soares Junior, procurador geral de justiça do estado de Minas Gerais destacou o apoio do MPMG à posição dos atingidos. “A causa é de luta de cada um de nós para a reparação por danos causados criminosamente por empresas ao meio ambiente, à economia e, sobretudo, às pessoas, às famílias que são vítimas desses crimes. O MPMG tem uma posição clara junto aos atingidos. Nós temos não dois desastres, me recuso a falar desastres. Temos duas tragédias, dois crimes. Respeito obviamente às pessoas das empresas, não somos contra empresas ou ao empreendedorismo, mas o que aconteceu foram crimes”.
Simone Silva, atingida do município de Barra Longa (MG), questionou a proposta das mineradoras de promover acordos individuais que não contemplam a reparação integral dos danos causados à saúde das pessoas e ao meio ambiente. “Qual a empresa, qual a Justiça no Brasil que conseguiu tirar a lama dos rios, dos mares, dos quintais, para poder dizer que a indenização tem que ser a quitação final? (…) Muitos dos companheiros que estão aqui estão doentes, estão contaminados e não tiveram acesso nem a exames. A gente sabe que a saúde do nosso país não funciona. Onde essas pessoas vão conseguir tratamento depois?”.
Márcia Almeida, atingida de Colatina (ES) destacou o papel do MAB na articulação dos atingidos em seu território. “A Vale transformou nosso rio em uma fossa, fez do Rio Doce uma fossa, esse rio que já estava secando. Tinha todo um trabalho de resgate, mas aí acabou. Então, o Movimento dos Atingidos por Barragens, desde o início, tem feito seu trabalho, que é de organizar o povo, que é de colocar as pautas vigentes, cobrar e, principalmente, fazer de forma quase ininterrupta que a gente dialogasse com o povo para discutir quais foram as violações de direitos especificamente aqui em Colatina. Esse é o papel do MAB, do qual eu faço parte, sempre na atuação direta com o povo desde que aconteceu o crime na busca por nossos direitos. (…) Porque além do crime da Vale, nós também temos as violações cometidas pelo Judiciário, que é a violação institucional. A morosidade que significa seis anos tentando se conseguir uma assessoria técnica já fala por si própria”.
Falando em nome do Ministério Público Federal, o procurador Thales Coelho, que coordena o Grupo de Trabalho Direitos Humanos e Empresas, afirmou que o MP está pronto para recorrer contra todas as decisões absurdas da Justiça contra os atingidos. “Eu que, desde o primeiro dia, tenho o privilégio de trabalhar lado a lado com o MAB, gostaria de ressaltar que o Ministério Público Federal está desde a data do crime, lado a lado aos atingidos e continua lutando na Justiça, contra violações que foram muito bem retratadas pela aqui. Temos atuado de forma harmônica nesse caso com os atingidos, recorrendo das decisões e também trabalhando agora no âmbito da repactuação pra fazer valer esse direito de reparação integral dos atingidos”.
Já Carolina Morishita, da Defensoria Pública de Minas Gerais, afirmou que existem muitas demandas básicas no Rio Doce que ainda não foram atendidas, como o auxílio financeiro emergencial para todas as pessoas que deveriam ser receptoras e a assessoria técnica independente escolhida pelas pessoas. “Em Paraopeba, nós temos as assessorias técnicas independentes em campo, fazendo um trabalho que mostra a relevância desse instrumento pela possibilidade de mobilização, de informação, de articulação e de compreensão técnica dos temas por parte das pessoas atingidas. Quando eu entrei em 2019 nesse caso, uma das primeiras perguntas que uma atingida me fez foi ‘por que meu vizinho recebe e eu não?’ Então, nosso objetivo é sempre fazer melhor, nosso compromisso é fazer que as pessoas atingidas sejam ouvidas e participem do processo.
Matilde Oliveira, da coordenação estadual do MST, lembrou sobre a importância de se discutir o modelo de produção vigente, que desumaniza uma parcela da população. “Nós, nesse país, desde 1500, desde o processo de invasão e colonização bárbara, nós enfrentamos um processo de desumanização da população. Sempre o sistema está a dizer que uma parcela da sociedade não é humana e pode morrer. Então, essa jornada do MAB escancara esse processo e nos chama pra lutar. E nós estamos aqui pra dizer que estamos juntos. Nós, do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, estamos juntos, porque esse modelo de mineração é injusto, é criminoso e é violento e nós precisamos pensar em modelos de produção humanizadores”.
Na sequência, Raiara Pires falou em nome do MAM, finalizando as falas da noite. “Nada mais combativo do que essa jornada em um momento histórico que é decisivo para nós. Ou a gente muda esse modelo de mineração ou outras barragens vão se romper e soterrar sonhos, soterrar memórias. Então eu acredito muito na mobilização social e na necessidade dessa aliança solidária tão presente na fala da Simone e da Márcia e das pessoas que estão ali na linha de frente”.