Como fica o direito à participação nos territórios atingidos pela Vale?

Comitê criado pela Vale divide comunidade e coloca sob tutela da mineradora formato de participação que debate medidas de compensação coletivas para a localidade de Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto (MG), que é atingido pela Barragem Doutor

Vista da barragem de rejeitos Doutor, do bairro Loteamento em Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto (MG). Os moradores sofrem com o risco de rompimento da barragem e com os transtornos das obras de descaracterização da paisagem. Foto: Coletivo de Comunicação do MAB

Os moradores de Antônio Pereira (distrito de Ouro Preto-MG) são atingidos pela mineração já há muito tempo. Mais recentemente, as pessoas sofrem danos adicionais devido à identificação do risco de rompimento da barragem de rejeitos Doutor, construída próxima à comunidade pela mineradora Vale.

Uma das consequências mais graves da atividade de mineração é a piora na saúde coletiva física e, principalmente, psicológica da população do entorno. Outro dano também profundo e invisível é a perda dos vínculos sociais, familiares e comunitários que, no distrito, está relacionado à remoção de mais de 600 pessoas da área de risco. De acordo com Leticia Oliveira, da coordenação estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens, também é comum o surgimento de conflitos entre os atingidos, que decorre da falta de informações claras sobre os processos reparatórios e da atuação contraditória da mineradora. “Isso  parece uma estratégia da empresa focada em estimular a desorganização dos atingidos”, afirma.

As confusões que surgem entre o povo vêm da falta de informação e compreensão do processo resultado da violação do direito dos atingidos de participar dos espaços de decisão. A permanência deste quadro se mostra uma boa estratégia da empresa, para que se prevaleça a desorganização.

No ano passado foram divulgados pela Vale formulários eletrônicos, primeira medida camuflada de participação, apenas 16% dos moradores tiveram acesso. Neste ano, outra medida no mesmo sentido é a formação de um comitê, organizado pela Vale, que reúne lideranças da comunidade, eleitas por votação, que terão a responsabilidade de fazer o processo ser participativo, segundo cartilha divulgada pela empresa.

Este comitê, criado para implantar o Plano de Compensação e Desenvolvimento da Vale, é mais uma estratégia da empresa para alegar que há participação comunitária, sendo que poucas pessoas efetivamente participaram da votação ou estão entendendo o processo. Haverá uma sobrecarga de responsabilidade nas lideranças envolvidas e, além do mais, assegurar o direito à participação não é função da empresa causadora dos danos. Esse papel deve ser cumprido pela Assessoria Técnica Independente, que deve também levantar danos causados pela atividade e produzir dados técnicos. Neste momento, a Guaicuí, entidade escolhida pelos atingidos para prestar assessoria, ainda não iniciou o trabalho devido à morosidade no processo e as contestações da Vale sobre o plano de trabalho.

Para entendermos as jogadas da empresa, tomamos como exemplo a experiência do município de Barão de Cocais (MG), que também vive sob a ameaça de rompimento de uma barragem de rejeitos da Vale. Lá também foi criado um comitê e essa experiência, segundo, Nicolson Pedro, atingido de Barão de Cocais, “serve para fazer propaganda, para que a cidade fique do lado da empresa e contra os atingidos evacuados”.

Estejamos em alerta, pensando e elaborando juntos e juntas a melhor forma de organização, que seja realmente participativa e inclua toda a diversidade de atingidos da comunidade de Antônio Pereira. Não é a Vale a autoridade que organiza o processo de reparação, ela é a pagadora, ela é a criminosa.

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